O rótulo da escalada

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“Me diga com quem andas e te direi quem és.” Pessoas gostam muito de julgar e rotular “coisas”, mas penso no ser humano como um ser um tanto quanto complexo, onde sua ação é resultado de como pensa e de como se sente, se incluirmos nisso o fato de que nem sempre temos o livre arbítrio da escolha, quanto de fato conseguimos conhecer uma pessoa apenas olhando para suas escolhas?

Como educadora física aprendi a enxergar 3 esferas interligadas que definem um ser humano: a esfera psicológica, representada por nosso raciocínio; a esfera afetiva, representada pelo que sentimos; e a esfera motora, representada por nossas ações. Estas 3 esferas são inseparáveis e interferem diretamente uma na outra sem uma ordem de preferência estabelecida, assim sendo, um simples olhar está muito longe de ser capaz de nos rotular. 
 
Associado a isso, minha experiência de vida me leva a creditar que existem situações que exigem maior ou menor grau de uma esfera ou de outra. O simples fato de termos uma vida familiar, uma vida social e uma vida profissional, nos mostra o quanto podemos mudar nosso comportamento dependendo do que estamos vivendo. Dependendo das pessoas ou da situação com as quais estamos envolvidos, nos vemos obrigados a repensar nossos conceitos, mudar nossas intenções, nossas ações, e isso não faz de nós traidores de quem somos, mostra apenas que permanecemos em um eterno amadurecimento, em um eterno aprendizado. 
 
A pouco tempo fiz um curso que me chamou a atenção com relação a antropologia e sociologia esportiva, o que me fez pensar em escrever este artigo. Existem 7 bilhões de pessoas no mundo, bilhões de seres humanos complexos dando variadas importâncias aos aspectos particulares de suas vidas, em milhões de diferentes culturas. Sendo assim, como alguém pode ser capaz de nos rotular por algumas escolhas que fazemos?
 
Conheci a escalada na minha adolescência e isso mudou muito a minha vida desde então, a escalada para mim hoje é uma opção de vida e interfere diretamente nas minhas escolhas, mas não significa que eu faça parte de uma sociedade que pensa exatamente como eu. 
 
Eu adoro e respeito o contato com a natureza e procuro manter este contato sempre que posso, respeitando este ambiente não apenas como se fosse a minha casa, mas a casa de um grande amigo, o que se mostra real pelo fato das inúmeras plantas e animais que vivem nestes ambientes. 
 
Infelizmente não passo tanto tempo quanto gostaria escalando, tenho um marido que me acompanha, mas também tenho filhos. Uma filha adolescente que não fez esta escolha para sua vida e que evita ao máximo nossas viagens de escalada, e um filho que ainda é muito pequeno para fazer suas próprias escolhas e, por este motivo, acaba nos acompanhando sempre. Mas com toda esta situação eu doso, à minha maneira da forma que acho mais justa, a escalada e a dedicação à atividades familiares de interesse comum.
 
 
Sei que muitas pessoas na minha atual situação fariam escolhas diferentes das minhas. A verdade é que a escalada é apenas mais um dos muitos esportes que tem inúmeros motivos para satisfazer ou não as mais diferentes pessoas. Os praticantes de escalada têm diferentes níveis de envolvimento na atividade, suas próprias razões para praticá-la e estas razões não são, nem de perto, as mesmas para todos os escaladores. 
 
A internet associada ao crescimento da escalada no Brasil tem facilitado a fluência de informações dos mais variados “tipos” de escaladores. Tenho lido artigos de opinião de escalada na internet onde concordar ou não com o que foi escrito têm divergido das mais variadas formas dentro do grupo de escaladores. 
 
Alguns destes assuntos são apenas diferenças de opinião que não fazem mal algum a ninguém ou ao ambiente. São expressões decorrentes dos motivos que levaram estes seres extremamente complexos ao mundo da escalada. São matérias que são criticadas, por escaladores ou não, pela sua linha de raciocínio particular, como o motivo de se escalar, forma de se vestir em um ambiente de escalada, diferença de comportamento na escalada e coisas deste tipo, muitas vezes tentando rotular a escalada, o que sou completamente contra. 
 
Infelizmente, um dos grandes temas da atualidade fala sobre a sujeira deixada por visitantes (escaladores ou não) em points de escalada, levando a depreciação do esporte através do fechamento do local de prática. Estes artigos têm sido fortemente apoiados por grande parte da população de escaladores Brasileiros, mas a luta tem sido muito grande e os resultados ainda tímidos. Alguns têm a consciência de que, com o “lixo humano” nosso “refúgio” não terá mais a mesma representação, deixará de ter o encanto que nos levou a elegê-lo como tal. Mas esta “guerra” está longe de terminar.
 
Porém, o foco desta matéria não é discutir a respeito destes artigos mas mostrar a grande variedade de personalidades de escaladores, além das diferenças na razão de suas escolhas. Nós escaladores somos, muitas vezes, fortemente associados a malucos atrás de riscos, mas na verdade o universo da escalada é muito maior que isso. Como em qualquer sociedade existem sim os malucos, mas existem também pessoas como eu, que praticam a escalada com sua família e não querem que ninguém se machuque, pessoas que querem apenas se divertir com o que gostam de fazer em um ambiente com uma paisagem natural, bonita, agradável… e saudável. 
 
Do lado “de fora” uma parte da população ainda vê a escalada como um esporte de alto risco praticado por pessoas irresponsáveis e inconsequentes, estas pessoas evitam a escalada e, geralmente, se prendem a todo tipo de reportagem negativa vinculada a este meio.  
 
A escalada sempre foi praticada com a ajuda de materiais, o que mostra certa preocupação com os riscos oferecidos pelo esporte, e com a evolução dos equipamentos esportivos a atividade tem se tornado cada vez mais segura. Infelizmente a mídia tem desempenhado papel, na melhor das hipóteses, muito pouco relevante neste contexto, e muitas vezes as matérias depõem contra o esporte valorizando feitos de alto risco onde a GRANDE MINORIA dos escaladores se aventura.
 
A escalada tem vários níveis de dificuldade assim como outros esportes e, normalmente, cada praticante enfrenta riscos calculados de acordo com seu nível de desenvolvimento. Além disso, quando você passa a frequentar um ambiente, a cada encontro você conhece melhor o lugar. Desta forma você desenvolve uma relação de confiança e controle onde dificilmente está em REAL perigo. 
 
Por outro lado, outra parte desta população enxerga a escalada como algo tão especial que ficam desesperados para fazer parte desta “nobre sociedade”, como se isso fosse dar a ela algum status. Estas pessoas não estão, de fato, interessadas em escalar, o que exige muito esforço e dedicação, querem apenas estar inseridas neste universo de forma a poder dizer aos seus amigos que “é radical”, se agarrando a esta imagem e valorizando as reportagens dos “malucos” do meio.
 
Muitas pessoas não gostam das trilhas, matos, insetos além de outros animais com os quais que você tem que conviver em ambientes naturais, e acabam não frenquentando estes ambientes. Escaladores com este comportamento frequentam muros artificiais para praticar seu esporte e se sentem completos na sua experiência.
 
Existem infinitas formas, intensidades e combinações de valores para se amar ou odiar tudo o que vivemos, cada um tem o livre arbítrio de fazer suas escolhas. Assim como todos os seres humanos nós, escaladores, queremos respeito por quem somos e devemos ter a consciência de respeitar o ambiente em que vivemos. 
 
Na minha particular opinião ainda temos muito a aprender, a grande maioria dos “rótulos” não estão propriamente nomeados. Precisamos nos conscientizar de tudo o que transforma cada ser humano em um ser tão ímpar e, acima de tudo, precisamos nos conscientizar da nossa interdependência dos outros (escaladores ou não) e do ambiente em que vivemos. Só assim teremos o respeito que todos sempre buscamos e só assim saberemos respeitar, adequadamente, o lugar em que vivemos.
 
Temos o direito de escolher, dentro da sociedade, a nossa cultura assim como temos o dever de respeitar as escolhas do outro e vice-versa. O limiar entre as escolhas que fazemos e suas influências na vida das pessoas à nossa volta deve ser muito bem medida para que ninguém seja prejudicado física, emocional ou socialmente.
 
Minha principal mensagem neste texto é que a escalada é uma sociedade como todas as outras. Um grupo de pessoas que convivem com “os mesmos” ideais onde, como em toda sociedade, existem alguns poucos malucos. Mas que na sua maioria é formada de pessoas “normais”, ou incomuns como qualquer outra pessoa com suas particularidades, que não querem ser excluídas, mas simplesmente viver felizes com suas escolhas por MUITOS ANOS, independente do que isso signifique para cada um.
 
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