Descobri esta região no Sul de Minas ao observar num mapa o interessante relevo de uma serra. Ao visitá-la, fui surpreendido por pinturas rupestres ao longo de uma parede rochosa. E, do alto do Pico do Santo Antônio, pude avistar uma crista até o Pico do Turvo, um dos pontos culminantes do Município. Fica aqui a sugestão para que um dia você a atravesse.
O Santo Antônio
Muito tempo atrás, percorri de carro uma vasta região mineira que há anos me intrigava. Se você observar um mapa rodoviário, notará que existe um enorme retângulo que, apesar de estar numa região até povoada, é estranhamente desprovido de estradas pavimentadas em seu interior. Na realidade, hoje esta é uma verdade apenas parcial, mas não o era anos atrás.
Refiro-me à enorme área de 200 km no sentido leste-oeste por quase 100 km norte-sul, que é limitada pelas rodovias que ligam Barbacena a Lavras ao norte, Juiz de Fora a Campanha ao sul e mais Rio e São Paulo a Belo Horizonte, a leste e oeste. Hoje já existe uma via asfaltada que a atravessa quase em diagonal, mas antes só havia acessos às cidades periféricas deste retângulo.
Então, numa ocasião em que comprei um veículo adequado (na época os carros com tração eram raros e chamavam a atenção nos povoados do interior), percorri afinal estas terras, na esperança de que abrigassem serras ferozes que obstruíssem os acessos. Mas foi um engano, pois acabei me deparando apenas com campos frios, altos e áridos, que afastaram o progresso ao longo dos tempos.
Nas vezes em que voltei a esta região, foi apenas para conhecer locais específicos, como São Tomé das Letras e suas lendas, as cachoeiras de Carrancas, o parque natural de Ibitipoca ou as serras e vales de Aiuruoca. Nunca mais a atravessei e, posso dizer, acabei esquecendo-a.
Entretanto, consultei um dia a carta do relevo do município mineiro de Arantina, onde me deparei com uma formação interessante. Era uma serra que corria no sentido norte-sul entre Andrelândia e Arantina, com 12 km de extensão, atitudes entre 1.200 e 1.500 metros e paredes aparentemente rochosas de até 200 metros. A curiosidade me levou então a conhecê-la.
A fundação de Andrelândia deveu-se à busca do ouro, inicialmente descoberto em Aiuruoca. O nome da cidade veio de André da Silveira, que construiu a primeira capela. Anteriormente, era chamada pelo gentil nome de Vila Bela do Turvo.
Esta região é atravessada por três rios, entre eles os Turvos Grande e Pequeno, que pertencem à bacia do Aiuruoca, curso que nasce próximo ao Agulhas Negras. O Aiuruoca por sua vez integra a bacia do Rio Grande, que também banha o município, e que tem no Capivari seu maior afluente. O Aiuruoca tem sua foz no Rio Grande, porém já fora de Andrelândia.
O desenvolvimento posterior da região deveu-se ao abastecimento dos viajantes que percorriam a Estrada Real, entre Diamantina e Paraty. No século XIX, surgiu uma polêmica entre duas facções políticas, chamadas pejorativamente de Veados e Caranguejos. Embora ninguém com quem tenha falado saiba a origem destes apelidos tão poéticos, por incrível que pareça eles persistem até hoje.
Você verá que Andrelândia é uma vila pacata e limpa, com muita pecuária leiteira, campos e estradas bem conservados e uma população muito religiosa, como você poderá perceber, se for interrompido por uma procissão onde até os veículos são bentos pelo Padre.
Embora tenha me parecido uma cidade com uma boa condição social, há meio século a população de Andrelândia não cresce, sequer ultrapassando os 12 mil habitantes. Arantina é ainda menor, com apenas 5 mil moradores.
Para minha surpresa, existem na Serra do Santo Antônio pinturas rupestres, feitas pelos indígenas que habitaram a região 3.500 anos atrás. Elas foram desenhadas nos tons vermelho e ocre nos estilos astral, geométrico e zoomorfo. Estão protegidas por uma reserva particular, constituída por uma ONG, num raro exemplo de conservação privada.
É um sítio importante, com centenas de figuras (dizem ser 500, o que acho um exagero) rabiscadas um tanto confusa e informalmente ao longo de um paredão de 50 metros. Como é comum na atividade rupestre, acredita-se que foram feitas ao longo de épocas distintas. São expressivas e interessantes, mas não são bonitas ou harmoniosas.
A parede que contém as pinturas possui um perfil em negativo que permite abrigá-las da chuva. Foi a primeira vez que vi registros no granito, quase sempre ocorrem no arenito ou no calcário, rochas mais acessíveis a estas inscrições.
As pinturas pertencem ao Parque Arqueológico de Andrelândia, que é basicamente visitado apenas pela população regional. A partir de uma cerca, serão 1 ½ km até a sede e menos de 1 km até o paredão decorado, onde você sentirá uma emoção diferente ao apreciar figuras tão distantes e poderosas.
Mas, se seu destino for a montanha, retorne daquele ponto e escale por uma breve rampa de pedra, seguida por um curto trecho de mata. Sempre subindo, você passará por uma interessante gruta e algumas grandes pedras inseridas na sombra da mata.
Um caminho nítido pelo pasto irá conduzi-lo à encosta da montanha. Confesso que o cume do Pico do Santo Antônio, a pouco mais de 1.390 m de altitude, é um tanto decepcionante, com poucas pedras isoladas ao longo do capim circundante. Não foi um exercício difícil, algo como 1 hora para uma ascensão de 300 metros.
A vista não é tão rica em detalhes: ao norte você verá a vila de onde saiu, ao sul notará o prosseguimento da serra até o grande corpo do Pico do Turvo e, à volta, os campos agrícolas da região.
Devo dizer que, quando fui a Andrelândia, planejava caminhar pela crista até o Turvo, uma formação mais elevada, com 1.490 metros de altitude. Não é o ponto culminante do município, que pertence aos 1.535 metros da Serra da Natureza.
No caso do Turvo, nem seria uma distância tão grande, bastaria percorrer a sela entre os dois picos. Entretanto, não haveria resgate ao chegar ao fim, de forma que teríamos de retornar pelo mesmo caminho. Mas também poderíamos ter chegado separadamente ao Turvo, pelo sentido inverso.
E acabei não subindo até as antenas do Pico do Turvo. Talvez isto tenha resultado da natureza desanimada da região, que visitei num quente fim do inverno, quando ela estava bastante ressequida. Os campos um tanto frios estão assentados sobre solos ácidos e sujeitos a um clima seco. A vegetação não apresenta grande interesse, com pastagens de um verde opaco, escassez de matas frondosas, apesar do relevo movimentado.
A ausência de florestas e a pobreza da vegetação reduziram a fauna a pequenos roedores, poucos mamíferos e aves de pequeno porte. Imagine que animais comuns como a capivara, o quati, o tucano e o jacu já estão localmente quase extintos. E, que eu saiba, até hoje os fazendeiros continuam praticando a queima anual de seus pastos como forma de manejo.
Existem pequenas cachoeiras na região, aparentemente um tanto distantes. O maior número delas pertence ao Rio Capivari, mas há algumas bonitas quedas fora dele – como Roseta, Palmeirinhas, Bicas e Querubins. Ocupam locais abertos, sem a sombra das matas ciliares, que são um tanto raras na região.
As igrejas e o casario antigo merecem ser visitados. Há também uma vinícola bastante bem instalada, onde você pode comprar o vinho local para acompanhar seu farto e merecido jantar nos pacatos restaurantes da vila.