Aliás, ele é completamento solto da montanha e sua formação deve-se a uma esfoliação que solta camadas devido ao processo de alívio de pressão, como uma cebola, mas pode ser também por falha geológica. O totem é o que restou de uma antiga camada, basta ver a enorme quantidade de blocos rochosos na base do Pão de Açúcar, como a Pedra do Urubu, e as duas grandes chaminés interligadas que existem de ambos os lados, a Stop e a Galloti. E é claro, o próprio peso do Totem está fazendo ele desintegrar-se, como mostram as diversas fendas na base por onde passam algumas vias de escalada. Entretanto, como não há formação de fendas novas aparente, ele parece relativamente estável, mas vai saber… Esse tipo de estrutura é comum e existe em diversas outras paredes, como o Lagartão da Pedra Azul (ES), entre outros.
Em função desse nome, tem a via Lagartão (6o VIIC), finalizada em 1972, escalada que tornou-se um mito nos anos 70 e 80 devido à sua dificuldade para a época. Entretanto, sua conquista foi quase toda em escalada artificial, com escada de grampos de ¼” e de ½”, influência de uma escola européia praticada principalmente pelos austríacos, vide as vias que eles abriram no Rio de Janeiro na mesma época. De maneira oposta, foi aberta em 1944 a Chaminé Stop (3o IV), uma conquista brilhante naquele tempo por ter sido num estilo “limpo”, ou seja, sem artificial de grampos ou troncos de árvores, que eram muito comuns. A importância do Totem não pára aí, em 1983 foi aberta outra linha histórica na face oeste, que é ligeiramente de inclinação negativa, a Limiar da Loucura (7o VIIC). Alguns acreditavam ser a primeira via de oitavo grau no Brasil, aberta pelo Portela, Tartari e Poyares. Aliás, eles abriram as melhores vias do Totem, incluindo a Xeque Mate (6 o VIIb), na face oposta (leste).
O Totem causava calafrios nas décadas anteriores, e não apenas por causa do cadáver encontrado dentro da Chaminé Galloti (5o VI) durante a conquista em 1954, episódio que ficou conhecido como A Múmia da Galloti, mas também por causa da via Lagartão, que além de difícil, também é muito exposta (no sentido da verticalidade). Lembro de algumas frases… “O dia que minha avó morrer vou solar o Lagartão!”, dito pelo Marcelo Braga em meados dos anos 80. Ela morreu!
Outra frase: “Quando eu subir isto vou estar pronto para o Lagartão”, de autoria do Paulo Bastos (Macaco) tentando subir o boulder da oposição da Pedra do Urubu (VIIa) em 1982. Nos anos seguintes ele se tornou o melhor escalador de boulder do país! Em meados dos anos 80, o Marcelo Leite e eu fomos escalar o Lagartão.
Nos preparamos física e mentalmente. No platô do artificial, depois das fendas, paramos para descansar e resolvemos beber um lata de leite condensado (Leite Moça) para nos dar energia. Ora, uma mistura de medo, nervosismo, ansiedade e mais aquela maldita lata de doce… Poucos minutos depois descemos da parede desesperados por causa da diarréia! Depois do artificial tem um trecho horizontal bem delicado e técnico (VIIa), mas nos anos 80 havia um tufinho de gravatá – o finalzinho da raiz que sobrou do coitado – que era considerado a “agarra chave”… Lembro de alguém dizer: ” O dia que o tufinho quebrar F…
Ele deixou de existir há mais de 20 anos. Já vi bons escaladores da época, como o Maurício Motta, fazer aquela passagem de bota rígida com solado Vibram (para grapons).
Inúmeras histórias rolaram principalmente depois da abertura de outras vias, como As Lacas Também Amam (VIIc) em 1985, na mesma face oeste. Muitos escaladores ficaram presos na ponta da corda durante o rapel, porque perderam o contato com a rocha por causa da inclinação negativa. Alguns sem os cordeletes prussik! Ou seja, vários resgates foram feitos, mas sem grandes consequências para as vítimas, a não ser virar alvo de gozações bem humoradas, tais como: …”Tinham que ser falesistas!” Por ser lugar muito frequentado, pode-se esperar de tudo, como churrasco no Salão Azul da Stop! É isso mesmo! Existe um salão amplo e plano quase no meio da via, que lembra um caverna, que já foi palco para muitos churrascos e bivaques organizados pelos associados dos clubes. O pobre do Totem também serviu para muitos encontros românticos. Aliás, escaladores também são simples mortais dependentes de certa necessidade fisiológica-hormonal, ou seja, sexo.
Lembro deste caso… Subi as fendas do Lagartão em apenas uma enfiada de corda, passando pela a variante Dança das Cabeças. Escalava com o Kurt, um americano. Como costumo escalar rápido e em silênciol… Quando cheguei no platô da base do artificial encontrei um casal nu, fazendo amor. Foi um encontro tão repentino e direto que nem eles e nem eu conseguíamos dizer coisa alguma. Eles deviam achar que podiam ouvir vozes e barulho de metais tilintando e ter tempo para arrumarem-se. Envergonhados e sem dizer nada, rapelaram. Mas devo confessar que eles eram muito criativos. Escalar em silêncio total tem lá os seus problemas. Mas normalmente não é assim, geralmente é de forma anárquica e escandalosa, a exemplo do diálogo a seguir:
– Posso subir?
– Sim, pode.
– Iiiii… PRESTA ATENÇÃO PORQUE ESTOU NA M…
– Fique tranquilo, tô segurando!
– CHEGUEI!
– TÁ ANCORADO?
– Tô seguro, pode soltar!
– O QUÊ?
– TÔ PRESOOOOOO!
– OK, VOCÊ TÁ SOLTO!… POSSO SUBIR?
– Ainda não! …Agora pode!
– O QUÊ?
– SOOOBEEEE POOORRAAAAA!
– TEM CERTEZA? OLHA LÁ HEIN… TÔ SUBINDO!… RETESAAAAA!
Você já ouviu diálogos como este em algum lugar, não ouviu? No Totem ocorre com certa frequência. Ora, essa gritaria é desnecessária, basta um mínimo de procedimentos iniciais e entrosamento da dupla, além de estar preparado psicologicamente para tal escalada.
Passada esta fase histórica e mística, hoje o Totem virou um parque de diversão para as novas gerações, inclusive existe a “via do Totem”, que na verdade é a soma de partes de quatro vias que juntas somam 240 metros: Limiar das Lacas (VIIIa), As Lacas Também Amam (VIIC), Revolta dos Gravatás (VIIc) e A Um Passo do Espaço (VIIIc).
Enfim, a nomenclatura muda, os personagens se revezam, mitos aparecem e desaparecem, as dificuldades se transformam, mas o Totem continua lá proporcionando algumas das escaladas mais prazerosas do Rio de Janeiro e com um visual espetacular.
Divirtam-se!
Antonio Paulo Faria