O vale do Rio Sorocaba

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Situada ao sul de Sorocaba, a apenas 100km de SP, a Serra de São Francisco é o acanhada cumeeira de morros q se estende diagonalmente na direção Nordeste. Recheada de nascentes e pequenos vales, o q mais se destaca é o Vale do Rio Sorocaba. Mas não pelo imponente barragem q o represa e sim pela generosa quantidade de quedas e remansos q seu trajeto descortina. Atrativo natural da região, percorrer a trilha q acompanha seu sinuoso curso é programa ideal prum dia quente de verão. Motivo? Os complexos de cachus da Hidro, de São Francisco e da Vila da Light, de níveis de dificuldade bem diferenciados. Pra completar o rolê de 18km bem andados prum domingão escaldante, uma esticada involuntária até a imponente Pedreira Santa Elena.

Após sair não necessariamente cedo e rodar algo de 100kms pela Rod. Castelo Branco, chegávamos em Votorantim naquela manhã radiante de domingo por volta das 8:30hrs. No carro, eu, Alexandre e Ricardo nos impressionamos com a organização e simpatia daquela cidadezinha q transpira ar interiorano. Vizinha de Sorocaba, Votorantim nasceu orbitando a empresa (Grupo, no caso) q lhe empresta o nome, por sinal maior produtora de cimento do pais. Bem sinalizada, não tivemos grande dificuldade em encontrar o rumo pra Represa Itupararanga, nosso destino naquele dia e distante uns 11km dali. Antes, porém, uma parada estratégica num mercadinho local pra abastecer as pequenas mochilas e de encher nosso cantis com agua, embora o trajeto proposto naquele dia é generoso na fartura do precioso líquido. Em tempo: a trip proposta praquele dia demandava necessariamente carro por questões logísticas; dá pra fazer td de busão, mas ai há necessidade de pernoite, além de encarar um bom trecho de asfalto na sola, algo impensável naquele dia devido a última onda de calor.


Zarpamos então pelo centro da cidade, onde a arquitetura normal se mescla a do típico casario de vila industrial, exalando um charme especial. Deixando a urbe pra trás logo nos vimos na Estrada Municipal Votorantim-Piratuba, sentido sul, serpenteando colinas e colinas forradas de reflorestamento. Mal sabíamos q naquele suave sobe-e-desce estávamos passando pela acanhada Serra de São Francisco. Uma vez do outro lado, logo nos chamou a atenção o belo e enorme espelho dágua da Represa de Itupararanga, refletindo o firmamento estupidamente azul. Ela represa o Rio Sorocaba e tds os cursos d’água q correm da serra, pra abastecer Votorantim, Sorocaba e Região, além de atender a Fábrica CBA de alumínio como usina hidrelétrica p/ geração de energia. Além disso a represa é utilizada pra fins de lazer e está compreendida na APA de Itupararanga.


Passamos então por cima da barragem, onde o rugido do vertedouro realmente impressiona pelo volume d’água despencando vale abaixo, pra depois tocar mais algumas dezenas de metros ainda pela estrada. A paisagem aqui é relativamente seca, mas duma beleza singular. Pois bem, a via logo termina na entrada do Clube Náutico, clube de campo bem tradicional da cidade q se vale dos recursos hídricos a margem da represa. Ali tb é costume deixar os veículos em segurança no estacionamento mediante a irrisória taxa de dez pilas. Basta conversar com o tiozinho de plantão, pois está sempre afim de faturar um troco fácil. Segundo ele, não é recomendável deixar o veículo na estrada pois a molecada do clube geralmente sai meio “mamada” dali, barbarizando td q vê pela frente.
Uma vez com o carro estacionado, as 9:20hrs damos início propriamente dito ao “rolezinho” daquele domingo q prometia no quesito calor. Retornamos menos de 1km pela estrada até encontrar uma porteira fechada (a esquerda), logo antes de começar a gde barragem concretada, q por sua vez data 1911 e divide o lago represado do Vale do Rio Sorocaba. Na porteira, cercada de arame farpado, as inscrições de “Propriedade Particular – CBA – Cia Bras. de Alumínio – Votorantim” passam desapercebidas diante do aviso de “Proibida Entrada”, escrito em letras garrafais, logo abaixo. Aqui é preciso dar um jeito de passar pro outro lado. Não é difícil, basta buscar uma fenda pela cerca.

 

Uma vez do outro lado não tem erro, pois há diversas trilhas bem batidas q vão na direção do vale. Em caso de dúvidas, basta tocar sempre p/ direita. A medida q adentramos no vale, sempre no aberto, é possível avistar a muralha da barragem sob nova perspectiva, ou seja, de baixo. Dali basta acompanhar o vale, sempre através duma picada bem batida, ora larga ora estreita. Situada na suave encosta rente o rio, a vereda neste trecho inicial é margeada por um belo capinzal verde-claro q emula facilmente qq paisagem européia. Mas a semelhança com os Alpes rapidamente se dilui qdo a paisagem ganha contornos típicos do sertão, com cactos coroando rochedos, blocos curiosos de pedras e vegetação mais ressequida e espinhenta. Não é à toa q esta região é uma área de transição entre a Mata Atlântica e o cerrado.


A medida q adentramos cada vez mais no vale e os primeiros poços represados vão surgindo, o chão alterna terra, pedra e areia, até q as 10hrs chegamos no primeiro complexo do dia, a Cachu da Hidro. O local lembra facilmente qq balneário natureba do Espinhaço ou Cipó (MG), com uma sucessão de lajeados brilhantes repleto de fendas e caldeirões bem munidos de água, onde é possível sentar e relaxar. Uma rampa de pedra culmina num belo poço, onde a água se despeja numa cachuzinha inclinada de porte médio. Dali é possível observar um afluente do Rio Sorocaba, o Córrego da Cachoeira, despencando furiosamente do alto na outra margem, mais q justificando seu pertinente nome. Por ser ainda cedo, deixamos o tchibum na Hidro pra volta.


Dando continuidade a pernada, o caminho sempre acompanha o Rio Sorocaba pela margem esquerda, numa suave encosta de pasto ralo. Logo na curva sgte nos deparamos com outro laguinho represado, onde numa extremidade está a casa do “Seo” Clemente, único morador da área. Ali tb há fundações concretadas de aquedutos antigas lado a lado com tubulações mais recentes. Mas é a partir dali q o vale se estreita, a declividade aumenta, o caminho – até então suave –  se torna mais acidentado e a paisagem muda. A trilha dá lugar a um caminho cimentado, enqto uma enorme grade de contenção aparece pela esquerda. Lembra do filme “Jurassic Park”? Pois é, é uma grade enorme do mesmo naipe, só q ao invés de segurar um T-Rex a dita cuja daqui contem qq desmoronamento das enormes rochas q pipocam nesta encosta.


O caminho então começa a descer forte ao mesmo tempo em q os horizontes se abrem ao sul, descortinando o fundo e acidentado Vale do Rio Sorocaba dividindo o horizonte com a cidade de Sorocaba, reluzindo alva ao fundo. Pela declividade aumentada é possível ouvir o rugido furioso do então manso Rio Sorocaba despencando numa sequência de gdes quedas, no fundo, a nossa direita. Deduzimos q uma dessas quedas fosse a tal Cachu Poderosa mas, da mesma forma q a Hidro, deixamos pra passar nela na volta. A idéia era seguir esse caminho obvio e evidente até onde desse.


Foi ai, ao passar logo depois duma estrutura azul metálica, q o caminho embicou pra baixo e desceu de vez, bem forte, em ziguezagues. E lá fomos nos. Descendo, descendo e descendo. Sempre no seio duma florestinha baixa, ressequida e semi espinhenta, o q diluiu qq esperança de varar-mato ali caso fosse necessário. Mas uma vez no fundo daquele vale veio uma piramba em aclive, q encaramos a passo de tartaruga-manca. Pois é, mesmo na sombra o calor daquele horário pegava forte, o q nos fez consumir rapidamente nossa agua.


Foi ai q o caminho suavizou e, do outro lado do vale, passou a percorrer uma região de reflorestamentos de eucaliptos onde tivemos uns perdidos, ao tomar bifurcações na busca dalguma última cachu. Decidimos então nos manter sempre no caminho principal, q se embrenhou noutro vale sgte, ao norte. Após transpor uma porteira metálica amarela e o caminho descer forte por um tempo, desembocamos no q pareceu ser uma Pedreira. Lá, o Ricardo se encantou com um trator-escavadeira gigantesco q mereceu vários cliques. Foi ai q um veículo nos abordou afirmando q estávamos em área particular e q era proibido circular por ali, nos indicando gentilmente o caminho pra sair dali.


Pois bem, tomando a rota sinalizada pelos guardinhas caímos então num aceiro de linha de torres de alta tensão q nos levou pro outro lado doutro morro. La caímos numa estrada q nos deixou cara a cara com uma enorme pedreira, cujas dimensões estavam quase pau a pau com aquela famosa de Mairiporã, a do Dib. Um laguinho na sua base e o rugido dum rio serpenteando o q pareça ser uma pequena usina completava o cenário. Td indicava q estávamos nos domínios da Pedreira Santa Elena, quase 11kms ao norte de onde tínhamos deixado o veículo! Bem, eram 12:30hrs, o calor tava sufocante e o cansaço já dava as caras. Fim da “exploração”. Era hora de voltar e curtir as cachus. Antes, porém, descansamos um pouco e mastigamos umas maçãs providenciadas gentilmente pelo Ricardo..


Retornamos td caminho feito até a pedreira, com alguns atalhos oportunos (pelas torres de alta tensão e pelo reflorestamento de eucaliptos) q nos economizaram bons quilômetros de chão. Ainda assim a volta foi bem desgastante mas não pela declividade do terreno e sim pelo calor infernal daquele horário, q fez com q ficássemos sem o precioso liquido num piscar de olhos. Pois bem, depois de subir penosamente os quase 100m de desnível outra vez, chegamos um pouco antes daquela estrutura azulada metálica mencionada parágrafos acima. Ali, é preciso buscar na encosta do vale um maciço rochoso descendo  p/ fundo da garganta. Uma vez nele não teve erro, bastou descê-lo. E tome piramba íngreme através duma laje de inclinação de quase 60 graus! Aqui cautela e aderência no calçado é fundamental pq tombo vc só para no fundo do vale! O Alexandre q o diga. Mas pelo menos a vista daquela pirambeira de pedra nos dava uma perspectiva privilegiada do vale: além da garganta abrindo-se ao norte, pro sul se descortina uma bela e linda cachoeira, nosso objetivo àquela altura do campeonato.
Uma vez no fundo do vale não teve mais erro, bastou tocar uma óbvia picada subindo o rio e, num piscar de olhos, desembocamos na margem dum enorme lago de agua cristalina, onde despencava uma grandiosa queda (pelos meus cálculos) devia ter facilmente 50m verticais! Ela atende por vários nomes, embora o mais apropriado seja o primeiro: Cachu de São Francisco, Poderosa, “Paradise” ou até mesmo de Itupararanga. Cercada de enormes paredões e vegetação natural, esta queda tem alguns ptos de ancoragem pra pratica de rapel e cascading. Além disso, o centro do lago tem uma simpática prainha de areia dourada em formato de “ilha”, onde é possível descansar após entrar no piscinão, de profundidade considerável. No entanto, rente o lago não há areia pra se acomodar e sim enormes bloco de pedra onde é possível se acomodar confortavelmente. Pra nossa sorte, havia poucas pessoas, o q tornou nossa estadia bastante agradável, sem demasiada muvuca embora o inconfundível odor de “cannabis” estivesse sempre presente. Dureza era encontrar sombra, possível apenas sob alguns poucos arbustos. Mas pra q sombra se havia agua em fartura? Não nos fizemos de rogados e nos refrescamos até não poder mais. E tome tchibum e mais tchibum!


Satisfeitos e revigorados, as 16hrs resolvemos ir embora daquele paraíso natureba, até pq já tava começando a lotar de gente. Mas não sem antes passar noutras quedas rio abaixo. Retornamos pela trilha até a local da rampa íngreme de pedra, e dali pudemos observar claramente q a trilha tinha continuidade, embora estivesse bem menos obvia e evidente q no sentido contrário. E lá fomos nós, palmilhando aquela vereda pouco batida e eventualmente desviando de algum mato tombado no trajeto.


Em poucos minutos desembocamos noutro paraíso encravado no miolo daquele vale, o complexo chamado de Cachu da Vila da Light ou do Berne. Situado a menos de 400m da cachu anterior (rio abaixo) esta nova sequência de quedas tem volume de água médio e formações rochosas bem interessantes, como q esculpidas a mão. A cor d’água varia conforme a luminosidade q reflete no fundo das quedas. Olhando bem, uma centena de metros adiante há algumas casinhas no meio do mato, q provavelmente deve ser a vila q nomina o complexo. Pelas infos, as quedas serviam de lazer p/ famílias operarias da usina. Isso pq em tds as cachus aqui é possível banho, em especial no enorme lago na base das quedas, onde depois o Rio Sorocaba segue seu curso manso e sinuoso pro norte. A diferença da outra cachu logo acima e mais farofada, esta aqui não tinha ninguém e claro q repetimos a esbornia de banho refrescante. Desta vez com este paraíso exclusivamente dominado pela gente. Mais tchibum e tchibum!


Mas por volta das 17:30hrs e já quase extasiados de tanta água, percebemos q era hora de retornar. Dando adeus aquele pequeno paraíso retornamos pelo mesmo caminho da ida, afim de encarar a dura subida de mais de 50m daquele lajedão tremendamente inclinado. E tome subidão, ascensão está feita bem devagar. Mas não pelo cansaço e sim pelo calor pois o sol batia no rosto sem dó. Mas firmes e fortes enfim alcançamos o caminho cimentado, voltando por ele lentamente. O calor daquele fim de tarde realmente tava pegando e muitas paradas foram feitas durante o trajeto, principalmente nas biquinhas presentes na encosta direita. Lá, além de bebericar goles e goles do precioso líquido, encharcávamos o rosto e os bonés de modo a amenizar a forte sensação de calor daquela tarde.


Na volta vimos q o complexo da Hidro estava com gente saindo pelas beiradas, sinal de q é a cachu mais visitada pela proximidade com o início da trilha. Bem q tentamos dar nosso último tchibum escorregando pelo toboágua no centro do lajeado, mas a muvuca tava realmente desanimava e assim decidimos ir embora mesmo. Além disso, os quase  16km percorridos sob sol inclemente pediam uma botecada urgente. Não demorou e enfim alcançamos o início da trilha, na margem da Represa de Itupararanga, onde nos despedimos do Vale do Rio Sorocaba e seguimos buscar os veículos. Lá, mudamos nossas vestes por outras mais secas e confortáveis.
 
Na sequência zarpamos pra Votorantim, ainda mais ao avistar um negrume se avizinhando e tomando conta do céu. E enqto São Pedro mandava água sobre a cidade e a gente bebericava breja e refrescos, discutíamos novas possibilidades refrescantes pela Serra de São Francisco e arredores. Afinal, a área está repleta de recursos hídricos pra ninguém botar defeito. Além da APA Itupararanga, existem várias pedreiras c/ trilhas de interligação espalhadas no entorno da cidade. Tds com enormes lagos ideais pra banho. Portanto, não é de se estranhar q Votorantim seja reduto preferido dos bikers locais, pois desta maneira a chamada “Capital do Cimento” não deve em nada a qq balneário litorâneo q se preze. Ainda mais se levarmos em conta o passado de destruição e degradação da natureza, decorrentes diretamente da prática mineradora.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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