Você conheceu a região goiana de Pirenópolis na coluna anterior. Deixei para esta o relato sobre o Vale dos Dragões. Para mim, não há nada em Pirenópolis comparável a este lugar. Só não o visite em fins de semana, por causa dos turistas barulhentos. Pois é um local de recolhimento que exige silêncio e, até mesmo, reverência.
O vale dos Dragões fica numa área distante, alta e isolada, que foi comprada por budistas. Eles nomearam as oito cachoeiras lá existentes seguindo os passos do autoconhecimento. Estes foram ilustrados por histórias do dragão: por exemplo, Dragão Azul, Dragão Verdadeiro ou Rei dos Dragões, uma para cada queda.
Eu já as conhecia, e resolvi chegar lá como parte de uma longa travessia circular, da qual visitara no passado os locais mais interessantes. Só que, desta vez, cheguei nos Dragões a cavalo, na tarde do segundo dia de travessia.
Subimos a estrada do Morro do Frota e chegamos ao platô da bela Reserva da Vargem Grande. No dia seguinte, cavalgamos a Trilha do Defunto para alcançar o Vale Dois Irmãos e finalmente subir aos Dragões.
Se tivéssemos prosseguido, teríamos chegado à Cidade de Pedra e ao Parque dos Pirineus. Iniciaríamos então o retorno para a cidade por cânions e cachoeiras, num trajeto de 80 km em 5 a 7 dias. Tente fazê-lo, de preferência numa semana de inverno.
Percorrer as cachoeiras nos Dragões é um dos caminhos mais emocionantes que conheço. São formadas a partir de dois córregos, que se unem mais à frente.
Existem dois caminhos, e sugiro ir pelo baixo, que atravessa uma matinha e passa pelas seis primeiras quedas. Depois, você subirá para as últimas duas e voltará pela trilha alta e direta. Serão apenas 4 km, mas você poderá levar uma eternidade para percorrê-los.
Em cada cachoeira, você encontrará narrativas envolvendo o dragão, que fazem analogias com a condição espiritual de um discípulo budista à busca do conhecimento.
Talvez no início você ache a situação apenas curiosa. Mas, se conseguir parar o seu diálogo interior, irá se encantar com os pequenos relatos e, quem sabe, encontrar algum tipo de elevação ou espiritualidade.
Gostaria de fazer agora uma comparação. A mais conhecida das cachoeiras da região é o Salto Corumbá. É uma queda volumosa e monumental, de 55m, visível de longe diretamente da rodovia asfaltada rumo a Brasília. Não há mais nada à sua volta que não seja o espetáculo público do rio caudaloso se precipitando espetacularmente pela parede.
A maior queda nos Dragões chama-se Dragão Voador e cai também de 55m. Delicadamente inserida na mata, suas águas descem com gentileza da rocha, repousando timidamente num lago que me parece misterioso na sua serenidade. Não é um local de espetáculo e sim de recolhimento. As duas cachoeiras só são iguais na altura, diferindo de forma profunda na sua beleza e talvez significado.
Foram mágicos os dias que passei nos alojamentos dos Dragões. Busquei simplesmente o silêncio, que me acompanhou nas trilhas das cachoeiras, nos passeios às tardes pela serra e nas noites longas e suaves. Até hoje, quando reflito, ouço comigo esse silêncio.