Origens dos Campos de altitude.

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No Sul e Sudeste do Brasil é muito comum a ocorrência de vegetação campestre no topo das montanhas e planaltos mais altos. Este tipo de vegetação, totalmente discordante com a vegetação do entorno (Mata Atlântica e Mata de Araucária) sempre foi alvo de indagações de naturalistas e pesquisadores e só recentemente com o desenvolvimento de técnicas de palinologia foi possível saber com certeza suas origens e testar antigas hipóteses.


Os campos de altitude comportam formações vegetais herbáceas e arbustivas de grande beleza cênica. Elas são muito conhecidas por nós montanhistas que sempre estamos nos aventurando por suas paisagens, sendo que elas ocorrem com tipicidade nos topos da Serra Geral (RS, SC e PR), Serra do Mar (SC, PR, SP e RJ) e Serra da Mantiqueira (SP, MG e RJ).

Apesar de ser uma paisagem monótona e aparentemente sem grandes mudanças, elas são muito biodiversas, pois estes campos são formados por milhares de espécies vegetais principalmente da família das Poaceae, Asteraceae e Cyperaceae.  

A grande indagação sobre as origens deste tipo de vegetação se dá por duas perguntas: A primeira é, por que estes campos, que ficam entremeados a regiões que comportam grandes florestas em estágios avançados de sucessão ecológica não foram substituídas por florestas?  E depois, o porquê da distribuição geográfica desta vegetação em locais desconexos e isolados em regiões de topografia mais elevada e mais fria?

A hipótese mais interessante sobre a origem deste tipo de vegetação foi proposta pelo geógrafo alemão, residente no Paraná, Reinhard Maack na década de 1930. Maack, que coordenou entre diversas outras coisas em sua vida extra acadêmica e aventureira a primeira escalada ao Pico Paraná, afirmou que estes campos eram relictos vegetacionais da cobertura vegetal existente em boa parte das terras dos planaltos do Sul durante a era de glaciação que existiu entre 20 e 10 mil atrás.

Não era que Maack estava correto! Atualmente, com o advento de métodos de análise de antigos pólens de plantas preservados nos solos antigos é possível saber qual era a vegetação, com que freqüência ela ocorria e quando ela esteve em um determinado local.

Em minha dissertação de mestrado, tive acesso a muitos dados palinológicos de regiões de Serra e Planaltos do Sul e Sudeste do Brasil, estudados pela equipe do palinólogo alemão Herman Behling. As pesquisas de Behling são elucidativas e contribuem também para a Teoria dos Refúgios Florestais proposta por Aziz Ab´Sáber e Paulo Emilio Vanzolini que eu pude em outra oportunidade discutir aqui (veja).

Entre 20 mil e 10 mil anos atrás as condições climáticos do Sul e Sudeste do Brasil eram de 5 graus mais frio que o atual e a umidade era muito menor. Desta forma, as formações florestais ficaram desfavorecidas e se retraíram em regiões onde houve uma manutenção da umidade nas encostas de montanhas e planaltos. Os topos, por sua vez, eram de princípio regiões estéreis que foram colonizadas pela vegetação campestre, muito oportunista e adaptada a grandes estiagens e às freqüentes geadas.

A imagem que se pode fazer desta época é grande grandes áreas com vegetação aberta entremeada com florestinhas galeria sub tropical ao logo dos cursos d´água e também de encostas de morros. Um detalhe é que esta mata galeria era por vez composta por uma formação florestal chamada de Ombrófila Mista Aluvial, ou seja, floresta de Araucária em beira de rio.

A Araucária não gosta muito de terrenos encharcados de água, mas gosta bastante de umidade, tanto que é árvore mais abundante da região de Curitiba (Cori = Araucária, Tiba = Muita). A palavra ombrófila significa “amigo das chuvas” enquanto que “mista” se refere à mistura de floras tropicais e temperadas (Isto vou discutir mais adiante em outra coluna).

Ao término da fase mais critica da glaciação, houve uma atenuação do calor seguido por aquecimento, que foi o que aconteceu entre 10 e 5 mil anos atrás. Nesta fase não houve uma retomada da umidade e nisso prevaleceu o crescimento da floresta semi-decidual e de cerrados. A imagem que se pode fazer desta época era a de que nos topos existiam campos e em cotas mais abaixo já haviam matinhas nebulares seguidos por matas de cipó. Regiões como a do vale do Paraíba em São Paulo eram recobertas por cerrados sensu strictu.

Com o aumento da umidade a partir de 5 mil anos, as Araucárias se expandiram para os locais mais altos das Serras, formando as Florestas ombrófilas mistas, enquanto que a Mata atlântica se expandiu sobre as regiões mais quentes, formando as Florestas ombrófilas densas, deixando as Florestas de Araucária do Sudeste isoladas de seu centro do origem que são os planaltos do Sul. Desta forma, conclui-se que estas formações florestais sub-tropicais não se expandiram sob formas de pontes nos topos das serras, mas sim vieram por baixo, no fundo dos vales dos rios, sendo que foi somente com a retomada do calor e da umidade que elas vieram a colonizar os topos e se isolar formando os atuais “redutos” de Araucária tão comuns em Campos do Jordão (SP), Barbacena(MG), Itatiaia (RJ).

Os campos de altitude são, no entanto, os resquícios desta antiga vegetação que predominava nos planaltos, sendo que somente no topo das montanhas de hoje é que se encontram as mesmas condições climáticas da época da glaciação, que é a de frio, seguida pela impossibilidade da evolução de solos profundos, o que impede a presença da Araucária que facilmente colonizaria estas terras que diferentemente do passado, são atualmente úmidas, daí sua localização geográfica desfragmentada, pois elas só ocorrem onde climas muito específicos.

Com isso concluímos não somente o aspecto de vegetação relictual dos campos, como que sua tendência, com a manutenção do clima atual é seu desaparecimento. Contribui para a sua existência os impactos do fogo, que impossibilitam o avanço da vegetação florestal sob os campos e também os impactos do homem e de atividades pastoris que não substituem as gramíneas naturais por exóticas. Com isso, podemos concluir que medidas conservacionistas dos Parques como o de Itatiaia e do Marumbi mais contribuem para o desaparecimento dos campos do que para sua preservação, já que este tipo de vegetação é extremamente adaptável às queimadas e ao pisoteio e à presença do homem.

Note que durante esta explicação eu citei a presença de cerrados, como a do vale do Paraíba em SP. Pois bem, aí é que está a chave de todo o mistério e que é a contribuição do meu trabalho.

A vegetação de cerrado é a mais antiga do Brasil, sendo ela remetida épocas terciárias, ou seja, tem mais de 2 milhões de anos, talvez até mais do que isso, com antigos proto-cerrados que ocupavam vastos espaços do interior do continente, regiões hoje que abrigam florestas tropicais e sub-tropicais. Alguns destes locais ainda preservam manchas de cerrado, que são áreas que abrigaram esta vegetação até mesmo durante as fases mais secas dos períodos glaciais. Mas isso vou deixar para comentar na semana que vem, na continuação deste artigo sobre a origem dos campos de altitude…


Pedro Hauck, colunista do Altamontanha.com é também dono e editor do site Gentedemontanha e tem apoio de Botas Nômade.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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