Veja na coluna anterior um comentário sobre a natureza do PESM. Quero agora falar sobre os seus principais caminhos. Talvez seja mais simples abordar sucessivamente seus núcleos, veja o quadro de minha outra coluna.
Começo pelo núcleo de Itariru, que fica em Pedro de Toledo. Este é um povoado no extremo sul do Estado, na região do Vale do Ribeira. No momento é o menos interessante dos núcleos do Parque. E, certamente, o menos visitado, até mesmo por não ter ainda estrutura implantada. Talvez no futuro você possa conhecer seus rios pedregosos e suas belas cachoeiras.
Curucutu, que é nome de uma coruja grande e bonita, fica no sul do município de São Paulo, depois de uma terrível estradinha de terra. Este núcleo abriga interessantes campos nebulares, bem como a antiga trilha com 16 km de Conceição do Itanhaém até o litoral. O longo e antigo caminho do Rio Branquinho (onde às vezes andarilhos desavisados se perdem) também parte daqui. As demais trilhas que percorri são pequenas e não muito interessantes.
Itutinga representa a maior área do Parque e também a de história mais antiga e de ocupação mais complexa, por ser o trecho correspondente à capital. É neste núcleo que existem grandes e antigos caminhos do planalto até o litoral, partindo da vila de Paranapiacaba. Os dois principais são os do Vale do Mogi e do Quilombo, com cerca de 15 km, que descem até Cubatão pelas calhas destes rios.
Além de alguns caminhos altos próximos da sede, há pelo menos duas trilhas notáveis no percurso Mogi-Bertioga. Uma delas começa no Parque das Neblinas, com extensão de 10 km. Ela acompanha a maravilhosa adutora em arcos de alvenaria que desce até a planície. A outra parte de uma picada na mata a partir da rodovia e percorre 15 km. Passa no meio do caminho por uma poderosa cachoeira, que se verte por uma muralha de pedra.
Por fim, existe o Caminho do Mar, que desce para Santos pela primeira estrada em concreto do Brasil, de 1920. Ela foi a alternativa da época à histórica Calçada do Lorena do séc. XVIII, ligação entre o Planalto de Piratininga e a Baixada Santista
Até refazer tantos desses caminhos antigos, não havia percebido como é cruel a localização da cidade de São Paulo. Ela apresenta dois graves problemas: a verticalidade da parede serrana e a intensa formação de neblina.
Em nenhuma das tantas outras rodovias que se precipitam pela Serra do Mar, desde Santa Catarina até o Rio de Janeiro, é tão ameaçadora essa verticalidade enevoada das Rodovias Anchieta e Imigrantes, as vertiginosas estradas de ligação com o litoral.
Já Santa Virgínia e Cunha ficam no planalto. Seus principais caminhos chegam ao Pico do Corcovado (17 km ida e volta), no litoral de Ubatuba, e percorrem a deslumbrante calha do Rio Paraibuna, formador do Paraíba (há duas bem bonitas, uma com 4 km e outra circular com 7 km). Você pode ainda visitar em 13 km ida e volta a Cachoeira da Boneca. É também possível descer este rio por rafting.
Há duas pedras interessantes: Macela e Espelho, ambas com vistas estupendas lá de cima do mar infinito. A primeira é bastante fácil, requerendo uma manhã, e a segunda exige dois dias e 25 km dentro da exuberante mata fechada – este sendo o ponto culminante do Parque. Existem nos dois núcleos outros caminhos simpáticos à volta da sombreada Bacia do Paraibuna.
São três os núcleos litorâneos. O de São Sebastião abriga as impressionantes cachoeiras do Ribeirão do Itu, uma sucessão de oito quedas, visitáveis por um caminho de 8 km. Lá você encontrará uma curiosa via de serviço da Petrobrás: a bela Estrada da Limeira, com 25 km, única que conheço paralela ao litoral.
O núcleo de Caraguatatuba, o mais antigo do Parque, contém as trilhas históricas que conectavam o planalto ao litoral, em especial a dos Tropeiros (8 km) e da Mococa (15 km), ambas inseridas na mata. Ocorrem também picos relativamente elevados, mas cujos caminhos (que eu saiba) não são conhecidos. Lembro por fim a Estrada do Pavoeiro, que contorna a estreita Represa do Paraibuna.
Gostaria de voltar a um ponto da coluna precedente: a inexistência hoje de floresta primária na Serra do Mar. Se você duvidar, visite os dois jequitibás centenários um pouco fora da Trilha dos Tropeiros. Felizmente sobreviventes, mostram como teria sido a estupenda mata atlântica original.
A meu ver, o mais variado dos núcleos é o de Picinguaba, em Ubatuba. Ele liga estrategicamente as áreas de preservação do Estado com as do PN da Bocaina e do PE de Cunhambebe. É o único que chega até o litoral, na bela e longa Praia da Fazenda.
Além de conter a enorme Trilha do Corisco, antiga ligação de 20 km com Parati, acessa duas importantes montanhas, o Corcovado e o Cuscuzeiro, bem como a histórica Casa da Farinha. O caminho do Corcovado (são 14 km ida e volta a partir da Praia Dura) é o mais bonito que conheço em toda a Serra do Mar.
Mas você pode também percorrer trilhas menos exigentes, sejam no rio, na mata ou na praia. Alguns dos antigos caminhos entre povoados litorâneos foram desmanchados pela Rio-Santos. Existe ainda uma travessia um tanto difícil de 6 km através da mata de encosta até o litoral de Trindade, já no Estado do Rio.
Mas é possível que, quando você visitar o Parque, descubra que há dois novos núcleos: Bertioga, no litoral de mesmo nome, e Padre Dória, em homenagem ao Padre que implantou uma rota clandestina de escravos, no rumo de Salesópolis.
O Parque existiu em silêncio durante um longo período após sua fundação, numa prática infelizmente comum no Brasil – aqui, parques são criados e depois esquecidos, como se bastassem decretos para preservar a natureza.
O parque da Serra do Mar é parcialmente desconhecido, até mesmo pelos que lá trabalham, talvez devido às inativas gestões do passado. Seu formato, relevo e vegetação têm impedido uma integração entre suas diversas áreas. Acho que os gestores atuais estão finalmente valorizando este precioso patrimônio natural.