A causa dos macacos de Silver Spring foi alvo durante toda a década de 1980 nos Estados Unidos de uma batalha que envolveu pesquisadores, ativistas, políticos, advogados – e o público em geral. Esta disputa judicial se tornou o mais notório caso de defesa dos animais e o primeiro a chegar à Suprema Corte americana.
O simpático nome de Silver Spring designa uma cidade do Estado de Maryland, na Costa Leste norte-americana. Nela existe um instituto de pesquisas comportamentais. Foram para lá levados 17 macacos nascidos na natureza nas Filipinas. Os infelizes macacos foram alvo (ou melhor, vítima) das pesquisas do neurocientista Edward Taub.
Financiado pelo Governo, através do NIH (Instituto Nacional de Saúde), Taub desenvolveu experimentos nos quais eliminava o nervo aferente do braço, cuja função é levar os estímulos da pele ao cérebro.
O braço ficava completamente insensível, como se não fizesse parte do corpo – algumas cobaias chegavam a comer a pele e os dedos daquele braço. Traub imobilizava o outro membro, procurando constatar se os cérebros dos animais eram capazes de se organizar para reutilização dos braços insensíveis.
Traub depois eliminou os nervos aferentes de ambos os braços e até mesmo de toda espinha dorsal de algumas das cobaias. Ele veio a mutilar o corpo inteiro dos macacos, de forma a não puderem mais se perceber. Chegou até mesmo a retirar fetos dos úteros e aleijá-los, colocando-os de volta na mãe para que já nascessem sem qualquer sensação de seus próprios corpos.
E sua hipótese experimental foi provada: de fato, durante a agonia de suas vidas, os cérebros dos macacos foram reorganizados para recuperar os movimentos dos membros aleijados.
Alex Pacheco, um ativista dos direitos animais, começou a trabalhar naquele laboratório como assistente. Ele não revelou sua afiliação à PETA (ou O Povo pelo Tratamento Ético dos Animais), entidade que ajudara a fundar naquele mesmo ano.
Descobriu que os macacos eram mantidos em jaulas minúsculas, sem conforto ou iluminação, num ambiente imundo onde fezes, urina e alimentos se misturavam.
Seus membros amputados não recebiam curativos e eles mostravam-se psicóticos, ferindo-se a si mesmos e aos outros. Eles me estendiam seus tocos apodrecidos quando eu discretamente oferecia frutas tiradas dos meus bolsos, ele testemunhou.
Denunciado à Polícia, o laboratório teve suas cobaias apreendidas. Levadas para um abrigo, foram entretanto devolvidas a Taub, que acusou Pacheco de falsidade e negou os maus tratos.
O NIH suspendeu sua verba – mas teve de restabelecê-la após o apoio de 67 organizações médicas, imagino que muitas delas abrigando outros carniceiros ameaçados pelas denúncias.
Durante dois julgamentos amplamente divulgados entre 1981-83, Taub foi inocentado – e sujeito a multas de apenas US$ 3.500. A última das acusações caiu quando se arguiu a tecnicalidade de que as leis de Maryland não alcançavam laboratórios com apoio federal.
Os animais ficaram então sob a guarda do NIH. Até quase dez anos após a denúncia de Pacheco, os macacos continuaram inacreditavelmente sendo alvo de pesquisas cruéis no NIH. Um deles foi anestesiado e teve eletrodos colocados no seu cérebro, que comprovaram o surpreendente grau de reorganização do córtex. Ele foi morto em seguida.
Os demais sobreviventes – a esta altura alguns já tinham alcançado o alívio da morte – foram sujeitos a estudos de mapeamento cerebral e depois sacrificados em 1990. Isto aconteceu três dias depois que o pedido de custódia da PETA foi negado. Terminou assim o morticínio dos animais.
Após ter perdido a guarda dos macacos e ser ameaçado durante os cinco anos seguintes, Taub pensou que não mais conseguiria emprego – talvez nem mesmo em açougues. Porém obteve uma oferta da Universidade do Alabama, onde continuou suas pesquisas.
No tratamento por ele desenvolvido, os pacientes foram estimulados a usarem os membros afetados por enfarto, devido às restrições no uso dos outros membros sãos. Como resultado, seus cérebros criaram circuitos neurais alternativos que reabilitaram os membros prejudicados.
Seu trabalho foi aclamado como revolucionário e rendeu-lhe verbas e prêmios. Taub é casado com uma cantora lírica. Acredito que o resultado de sua vida é tão inverossímil como os enredos das óperas de sua esposa.
Pacheco nasceu nos Estados Unidos, viveu quando criança no México e chegou a pensar em se ordenar padre. A visita a um matadouro no Canadá mudou sua vida e tornou-o um ativista pelos direitos dos animais.
Engajou-se na Inglaterra no afundamento de um barco baleeiro e voltou aos Estados Unidos para estudar. Foi nesta época que participou da fundação da PETA. Durante este período, ofereceu-se para trabalhar no laboratório de Silver Spring, apenas por ser próximo de sua residência.
A batalha legal pela defesa dos macacos de Silver Spring mudou a PETA de uma modesta ação entre amigos para um movimento nacional de grande alcance e uma poderosa organização de âmbito mundial. Você saberá mais sobre ela na próxima coluna.
Durante as disputas de Silver Spring, a PETA envolveu-se num outro caso rumoroso. A Universidade da Califórnia conduziu em 1985 uma pesquisa na qual um grupo de macacos foi separado de suas mães e teve suas pálpebras costuradas, com um sensor fixado em suas cabeças. O objetivo era conduzir um estudo por três anos, ao cabo do qual naturalmente seriam mortos.
As regiões visuais, auditivas e motoras de seus cérebros seriam então avidamente analisadas, para pesquisar os desenvolvimentos neurais e comportamentais resultantes destas privações.
Porém ativistas invadiram o laboratório e sequestraram um dos macacos chamado Culotes (então com cinco semanas), libertaram centenas de cobaias e danificaram vários equipamentos.
Culotes havia sido criado em isolamento numa gaiola de aço – abandonado, cego e neurótico. O ataque foi filmado e o vídeo foi entregue à PETA, que o divulgou – não o assista, é grotesco.
A PETA levou então Culotes a um veterinário – ele verificou que as suturas eram grosseiras, que as bandagens estavam imundas e as pálpebras laceradas, que o animal estava infectado, fraco e ressecado. Você já sabe, a NIH conduziu entrementes uma investigação por vários meses, inocentando completamente a Universidade.
Mas a publicidade negativa fez com que ela parasse de costurar as pálpebras dos animais jovens e desistisse de metade de suas pesquisas. Culotes foi ressocializado e levado aos cinco meses para um santuário, onde foi criado por uma macaca.
As imagens do frágil e nervoso Culotes enfim recebendo o abraço peludo de sua mãe são inesquecíveis. Este pobre animal pôde então viver até os 20 anos de idade.
1 comentário
Praticamente toda pesquisa médica na época de Taub envolvia animais, inclusive aquelas em busca da cura do câncer, cardiopatias e Aids. Os estudos em animais de antigamente hoje salvam milhões de vidas humanas em todo o mundo.
É claro que os animais foram explorados, mas não podemos demonizar Edward Taub, tudo que fez estava de acordo com as leis da época. Agentes do governo já visitavam o laboratório de Taub em Maryland e confirmavam que tudo estava dentro das normas e os animais não eram-maltratados (na medida do possível). Alex Pacheco enganou Taub, começou a trabalhar em seu laboratório e armou diversas fotos para incriminá-lo. Isso coincidentemente ocorreu quando Taub estava de férias, longe do laboratório.
As fotos e as acusações levantaram o ódio da sociedade e júri estadunidenses. A vida de Taub e sua família virou um inferno, com infindáveis acusações e ameaças de morte constantes, que cessaram somente depois de anos de luta para limpar seu nome. Ele ganhou praticamente todas as acusações que foram feitas e as sociedades médicas que antes o rejeitaram, com medo de Pacheco e sua organização, voltaram atrás.
Nesse meio tempo, convenientemente, Pacheco e sua organização PETA ganharam enorme fama, reconhecimento e dinheiro.