Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens e os locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.
Artigo da Constituição de 1937, onde pela primeira vez a proteção da natureza aparece claramente como um princípio básico.
Com a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, o Brasil passa por uma grande transformação. A política agrária e exportadora baseada na monocultura do café desmorona junto com a queda das cotações na Bolsa americana. A escassez de divisas incentiva a produção local de bens industriais. A urbanização e a industrialização geram um novo modelo capitalista.
Após a Guerra Mundial, começa uma nova fase industrial, voltada para a indústria de base e para a construção da infraestrutura. O Governo inicia a modernização do seu aparelho administrativo. O nacionalismo se estabelece, com a valorização da cultura e da sociedade brasileiras. Antes disso, Cândido Rondon implanta as linhas telegráficas, para conectar o interior selvagem à costa desenvolvida.
O ambiente é dominado pelo desejo de modernização social e econômica. Novos programas são implantados nas áreas do trabalho, da indústria, da saúde, da educação e da política. Surgem renovadas manifestações culturais, voltadas para a defesa do patrimônio histórico e da preservação da natureza.
Existe nesta época um grupo de pensadores bastante coeso e influente, que se desenvolve à volta do Museu Nacional. Era então nossa principal instituição científica, com enorme coleção de espécies tropicais, importante atividade de ensino e presença de pesquisadores da natureza, ecologia, agricultura e geografia. Ele acolhe em 1934 a Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza.
É neste meio que prosperam as ideias sobre o uso prudente dos recursos naturais (embrião da sustentabilidade), sua defesa contra a crescente industrialização, a necessidade da intervenção do Estado (ou seja, a regulamentação e a fiscalização), o sistema legal de proteção (os códigos preservacionistas) e a formação de reservas naturais (vale dizer, os parques nacionais).
Acredito que a união desses pesquisadores decorreu até certo ponto da sua concentração nas cidades do Rio e São Paulo, então metrópoles médias, não muito além de um milhão de habitantes. Sua ligação era facilitada pela ferrovia Central do Brasil, implantada já no século anterior.
Nesta época existe grande fé na ciência, o que dá à opinião destes pensadores forte influência. Convém notar que eram todos ativos escritores, com divulgação em jornais, revistas e rádios. Assim, foram capazes de obter do Governo a edição sucessiva em 1933-34 dos Códigos de Minas, de Caça e Pesca, de Águas e Florestal – e até mesmo a lei de Proteção aos Animais.
Mas eles não eram apenas conhecidos no Brasil. Tinham também projeção internacional, participando de inúmeras associações europeias. Acredito que nossos cientistas tinham na enorme biodiversidade do país uma grande vantagem sobre seus colegas estrangeiros, sendo por eles respeitados.
Um dos mais notáveis naturalistas desta época foi Frederico Hoehne. Se Glaziou era francês e acabou retornando para sua pátria, o sueco Lofgren permaneceu até o fim no país. Já Hoehne era filho de alemães radicados no Brasil, e aqui residiu por toda sua vida. Isto reflete a crescente nacionalização e autonomia de nossos cientistas.
Hoehne foi um dos primeiros e um dos maiores botânicos brasileiros. Criado em região da mata atlântica, cedo começou a organizar seu orquidário, hábito que o acompanhou por toda a vida. Nomeado jardineiro-chefe do Museu Nacional, participou em seguida de sua primeira expedição científica em 1908, comandada por ninguém menos do que o Marechal Rondon.
Esta foi uma característica diferenciadora da atividade de Hoehne: durante 40 anos, tomou parte em quinze expedições por todo o país. Foi talvez o maior cientista de campo de sua geração, formou preciosas coleções de plantas, dirigiu influentes instituições de pesquisa (Instituto Butantã, Museu Paulista, Instituto de Botânica) e produziu diversas publicações.
Hoehne foi um ativo defensor da natureza, batalhando por uma silvicultura racional, pela preservação da mata nativa, pela criação de reservas que pudessem abrigar a reprodução da fauna, pelas práticas do reflorestamento, da arborização e da educação ambiental.
Com a ingenuidade daquela época romântica, Hoehne estimulou começar a querer bem às nossas plantas, animais e todas as produções da natureza (…) para com elas criar o ambiente que nos possa tornar felizes e alegres. Enxergava de uma forma benevolente os animais silvestres como nossos auxiliares, nossos amigos.
Mas possivelmente o maior naturalista da época foi Alberto Sampaio. Coube a ele estabelecer de maneira detalhada um projeto que associava o cuidado com a natureza ao nacionalismo e ao desenvolvimento, duas ideias de forte apelo na época do Estado Novo.
Formulou o conteúdo do Serviço Florestal, organizado em 1925. Os objetivos deste eram a preservação, a exploração racional e o reflorestamento – além da criação de hortos e reservas. Observe que Sampaio enxergava a importância do papel econômico, e não apenas ecológico, da floresta. Era favorável à exploração controlada das florestas indígenas ou nativas.
Mais tarde, publicou uma obra importante, onde descrevia a relação da flora com o clima e o solo e a inserção do homem em cada habitat. Ele também sistematizou a classificação dos biomas brasileiros, como mata amazônica, zona dos cocais (que ele descobriu), caatinga, cerrado, matas costeiras e zona dos pinhais. Uma espécie de geografia vegetal brasileira. Arthur Henrique de Oliveira diz: Ele tinha uma concepção organicista do mundo, na qual o homem e a natureza apareciam reconciliados.
Sampaio também classificou o que na época se chamava de patrimônio natural. Abordou as regiões de particular interesse de fauna e flora (chamadas de primores), a proteção e integração de indígenas e sertanejos, os sítios e paisagens relevantes (monumentos naturais) e a importância do ecoturismo.
O progresso brasileiro nas décadas seguintes desconsiderou os efeitos ambientais. As vozes de Sampaio, Hoehne e dos demais naturalistas foram ignoradas. Mesmo quando o movimento ambientalista se consolidou a partir de 1980, o exemplo desta geração de cientistas foi simplesmente esquecido.
Talvez você se surpreenda ao saber que, apesar de sua natureza exuberante, o Brasil só criou muito tardiamente suas reservas naturais. Depois do parque pioneiro de Yellowstone em 1872, muitos países seguiram seu exemplo: o Canadá em 1885, o México em 1894, a Argentina em 1903 e até mesmo o Congo em 1909.
Aqui no Brasil, em função dos estudos feitos pelo naturalista Luiz Gonzaga de Campos no início do século, foram previstos dois parques nacionais, ambos no então Território do Acre. Porém os decretos acabaram esquecidos e as reservas nunca foram implantadas.
E onde e por que foi criada nossa primeira reserva pública? Foi o Parque Nacional de Itatiaia, fundado em 1937 numa região espetacular da Serra da Mantiqueira. Formado com 12 mil hectares, desde a úmida região de mata atlântica até os rochosos elevados, foi depois ampliado para seus atuais 28 mil hectares, com inclusão da parte norte.
Sua natureza era grandemente conhecida, porque lá havia uma antiga estação biológica, sob gestão do Jardim Botânico do Rio. Paulo Campos Porto chefiava esta instituição e havia trabalhado como botânico na região do parque. Acredita-se que isto facilitou a escolha.
Além disto, o imponente Pico das Agulhas Negras, então considerado o ponto culminante da Mantiqueira, estava no seu interior. E a beleza do cenário estimularia a visitação turística, vista como importante para valorizar a natureza. Finalmente, o PNI estava inserido entre os três principais Estados do Sudeste.
Dois anos depois, foram criados os PNs de Foz do Iguaçu no Paraná e Serra dos Órgãos no Rio de Janeiro. Curiosamente, durante os vinte anos seguintes nenhum parque nacional foi fundado.
Novas (porém poucas) unidades só apareceram nas décadas de 1960, para proteger o cerrado que abraçava a nova capital, e 1970, para preservar a Amazônia, talvez por razões de segurança nacional. Mas até 1990 ainda havia um número bem limitado de reservas. Foi então que surgiu o IBAMA, para gerenciar este enorme patrimônio natural.
Você talvez possa imaginar que, apesar da ditadura de Vargas, o Brasil teria passado por um momento mágico na década de 1930. Uma brilhante geração de naturalistas, com conhecimento científico, experiência local e trânsito internacional, havia pesquisado e debatido sobre a preservação da natureza. Sua atuação mostrava-se coesa, sob a inspiração do nacionalismo e do desenvolvimento.
Por sua influência, uma sucessão de códigos legais sobre nosso patrimônio natural foi editada pelo Governo. Projetos de reflorestamento foram iniciados e o interior remoto do país foi conectado ao litoral urbanizado. Os três primeiros parques nacionais foram criados.
E, então, passou o momento, acabou a unidade de propósitos, o progresso veio a ser considerado prioritário, os novos cientistas que surgiram perderam relevância e influência – e a natureza brasileira foi então uma vez mais ignorada.