Paranapiacaba em Dois Tempos – 02

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Três dias depois de ter percorrido a “Trilha do Mogi“ voltávamos novamente à Paranapiacaba. Não tem jeito. A serra tem uma tendência a nos chamar. Porém nosso propósito é outro: subir ao alto do Pico do Itaguacira, tb conhecido como Pedra Grande de Quatinga, com as precárias infos q dispúnhamos e uns poucos pontos plotados pelo GPS do Nando. Diz a lenda q o Pico de Itaguacira (“pedra afiada“, em tupi-guarani), um enorme granito de 1196m encravado no alto da Serra do Mar, é o pto mais alto de Mogi das Cruzes e tem varios acessos partindo de Paranapiacaba, porem pouco conhecidos. Bem, era ver pra crer.


Veja a primeira parte do relato

E assim eu, o Nando,Vivi e Fabio saltamos do busao no mesmo lugar q o sábado anterior, as 9hrs, sob um sol radiante num dia igualmente promissor. Ao invés daquela ocasião, agora tomamos rumo sentido a vila atravessando-a por inteiro, em direção à Estrada do Taquarussu, a exatos 790m de altitude. Após o portal q nos dá boas-vindas ao Pq das Nascentes e a cancela dos guardinhas ambientais, caminhamos um tempão em meio ao frescor da sombra da mata ao redor, alternando suaves sobe-desce num ritmo bem satisfatorio. A conversa jogada fora no caminho é tão animada q nem nos damos conta qto passamos pela Cachu da Agua Fria e a entradinha da picada q leva ao Rio Quilombo, palco de tantas outras aventuras, mais adiante.

Por volta das 10hrs e quase 6km depois, caímos na simpática vila do Taquarussu, onde temos uma breve parada de descanso à sombra do gramado da bucolica praçinha central, ornada por canteiros de bromélias. O vilarejo tem uma historia interessante. Fica dentro da Faz. Taquarussu, propriedade particular, e foi formado pela vinda de trabalhadores italianos, durante a segunda Guerra Mundial para uma mineradora que explorava carvão. No local, encontramos a Igreja de Santa Luzia, um jardim com o coreto, o belo lago que contorna a Vila. Estamos a 810m de altitude.

Descansados, damos as costas ao vilarejo prosseguindo nossa jornada pela estrada, acompanhando um riachinho pela direita, sempre sentido nordeste e com suave declive. Revoadas de borboletas colorem o ambiente enqto a mata ao redor se reverza entre mata secundaria e bosques de eucaliptos e pinheiros, e nos provê de sombra fresca pro sol matinal a pino. Pela carta neste ponto adentramos já nos limites de Mogi das Cruzes.
As 10:40 tropeçamos com uma bifurcação na qual tomamos o ramo da direita, sentido camping do Simplão.

No caminho ignoramos uma estrada de terra à esquerda e logo topamos com duas casas, onde coletamos informações com o simpático José, um peão q cortava eucaliptos na região. Alem de nos passar valiosas infos, nos deu alguns frutos de cambuci com os quais eventualmente curtia uma famosa pinga tradicional da região. Nos disse q o caminho ao pico, o qual sua face sul era já bem visível, tinha dois acessos: um curto, porem extremamente difícil e confuso, onde bastava seguir pela estrada em q nos encontrávamos pra dali se esgueirar serra acima partindo de uma tal Cachu da Macumba, e outro fácil porem mais extenso, q foi o q decidimos seguir, q contornava o pico pela esquerda e o alcançava pela sua face norte.

Nos despedimos do José e voltamos poucos metros à estrada de terra q havíamos ignorado, pra dali prosseguir tranquilamente no aberto, sob forte sol das 11hrs. Após o Sitio Cachoeira andamos um tempão sem ver alma viva no caminho, e as 11:38 topamos com um improvável orelhão no meio do nada e lugar nenhum(!?), q era uma das referencias q o Ze havia nos dado. Tomamos então uma estradinha à direita q derivava da principal, e ia de encontro à serra do qual o pico despontava majestoso a nossa frente, espetando o céu. No caminho coletamos mais infos com outro tiozinho local, q apenas retificou aquelas passadas pelo José, e assim fomos nos aproximando cada vez mais do enorme pico, cujo domo rochoso despencando de sua face norte impressiona pelo tamanho.

Segue-se um sobe e desce sinuoso por entre pequenos morros, atravessamos um pequeno vale bem florestado onde um enorme rio marulha calmamente e bordejamos um extenso pinheiral ate dar noutra bifurcação. Ignoramos o ramo da direita, q leva ao “Pesqueiro de Trutas Pedrinhas” e vai dar novamente em Paranapiacaba, seguindo a da esquerda q envereda em direção ao pico cada vez com declividade maior. Mas após cruzar uma cerca e passar por uma casinha é q a subida aperta mesmo, e a estrada (cada vez mais precária) começa a bordejar encostas forradas de matacoes de samambaias, ganhando cocorutos sucessivos. A esta altura o céu começa a nublar, mas o calor abafado persiste inalterado encharcando rapidamente nossos rostos.

As 12:15 chegamos num trecho onde visivelmente percebemos q a estrada sobe dando a volta na montanha pela encosta esquerda, mas ai tomamos à nossa direita uma picada erodida e bem escorregadia (com vestígios de passagem de moto) em meio à mata, q sobe forte e provavelmente deve servir de atalho. Dito e feito, pouco depois caímos novamente na estrada, bem mais acima, ganhando altura num piscar de olhos. Mas não deu nem um tempo andando pela estrada q logo topamos com uma placa no arvoredo ao redor escrito “Caminho da Pedra Grande”, apontando pra uma picada em meio à mata, ao lado de um portão de alguma propriedade particular. Daqui não tem mais erro, saímos da estrada e tomamos a picada, as 12:40, lógico! A vereda se enfia na mata e sobe uma crista florestada por vários cocorutos, mas depois a pernada aperta ao bordejar a montanha pela sua íngreme encosta esquerda, alternando vários sobes e desces.

As 13hrs topamos com um bem-vindo córrego cruzando a trilha, onde o pessoal resolve descansar e bebericar do precioso liquido. Apesar de estar nublado, o calor e o mormaço aliados a subida forte nos fazem beber quase td nosso estoque nos cantis, e este pequeno córrego, na cota dos 950m, é o ultimo pto de água do caminho. Assim, abastecemos e continuamos o ataque final. Mal sabíamos q após o córrego&nbsp, era q a subida realmente apertava. E como apertava! Comecou com uma piramba quase vertical q so foi vencida com ajuda das mãos, nos firmando no arvoredo e pedras ao redor. A trilha íngreme, o chão escorregadio e vários trechos de escalaminhada se sucedem em ritmo intenso, onde varias teias de aranha cruzando o caminho sugerem ninguém passar por ali a algum tempo.

Mas finalmente as 13:20, após um arduo trecho de escalaminhada de raízes e rochas, emergimos no alto dos 1140m do amplo cume do Itaguacira. Um vasto capinzal e alguns pequenos trechos lajotados dominam o topo, cuja vista panorâmica é realmente soberba e permite um vislumbre geral em 360 graus, seja da Represa de Taiacupeba, das Cabeceiras do Quilombo e de Cubatao, de td trecho feito desde Paranapiacaba, de Quatinga, etc..enfim, uma vista realmente deslumbrante. Na borda leste, alem de vestígios de fogueira, há uma picada e se enfia nos arbustos e continua por uma crista descendente rumo sudeste. Provavelmente deve ser o acesso “difícil e confuso” mencionado pelo José, mas q fica pra uma outra ocasião conferir. E assim, donos do cume, ficamos um tempão apreciando a paisagem, descansando ao relento e beliscando nosso resto de lanche enqto jogamos conversa fora. Missao cumprida.

As 14:40 resolvemos tomar a trilha de volta, repisando nossos passos. O som de trovoes ao longe e do visu de Paranapiacaba totalmente encoberto reforçam esta decisão. Como pra descer td santo ajuda, a volta foi mais rápida q a ida, naturalmente. Resolutos a não voltar pra Paranapiacaba por estarmos relativamente mais próximos de Quatinga, na volta deixamos a picada principal em favor de outra q enveredava pra direita, após um arame farpado q denunciava alguma propriedade. La provavelmente encontraríamos alguém q nos indicaria o melhor caminho pra Quatinga. Não achamos ninguém, mas caímos num pequeno sitio vazio onde uma convidativa piscina (repleta de água de alguma nascente dali) foi mais um motivo de pit-stop pra descanso, tchibum e novo lanche. Ainda mais engrossado pelas deliciosas bananas de um pomar próximo.

O tempo q ameaçava fechar de vez, novamente se abria em td seu esplendor, permitindo de onde estávamos um visu da bela pedra na qual havíamos estado hora antes.
Sem pressa alguma, do sitio tomamos uma estrada de terra q não demorou em desembocar na estrada principal, do lado da “placa da Pedra Grande”, q bastou apenas seguir em frente. Assim fomos descendo a serra aos poucos e rapidamente perdemos altitude. Dando as costas pro Itaguacira, agora com sua enorme face rochosa norte iluminada pela iluminação da tarde, serpenteamos morro trás morro ate cruzar um riachinho e ter o primeiro contato com a civilização, passando pelo “Sitio Só Alegria”, as 16:20. Uma placa indica estarmos na Estrada Municipal Inelico Ribeiro da Silva q as 16:50 se mostra asfaltada, já na periferia de Quatinga.

Quatinga é alcançada 10min depois, e imediatamente nos dirigimos ao boteco mais próximo comemorar a trip daquele dia, com direito a travessia involuntária de quase 23km percorridos! Quatinga esta situada a 35km de Mogi das Cruzes e guarda um ambiente bucólico e hospitaleiro q remete às pequenas cidades do interior. Tao hospitaleiro q mal chegamos no boteco vários locais se juntaram a nós pra jogar conversa fora e pedir bebida. Destaque prum tiozinho q emprestou sua caranga – isto é, sua charrete – pro Nando e Vivian darem uma volta pela cidade. Tomamos finalmente o busao pra Mogi as 19:40, após sete cervejas, uma pinga de cambuci, um refri, duas porções e muitas historias engraçadas pra contar. O resto da trip pra Sampa foi embalada no mundo dos sonhos, naturalmente.

Retomando o raciocínio do primeiro parágrafo deste relato, existe publico pra td e qq tipo de trilha ou programa montanheiro. E a Serra de Paranapiacaba provê o andarilho de programas pra tds os gostos. Faceis ou difíceis, batidos ou desconhecidos. É uma serra sem meios termos. Encostas íngremes de mil metros encobertas de vigorosa floresta e abismos colossais protegem o imenso planalto repleto de mata densa e riachos cristalinos, onde brotam cumes rochosos q se elevam para o céu. E a “Trilha dos Tupiniquins” e o Pico do Itaguacira são dois ótimos exemplos diametralmente opostos de um mesmíssimo lugar . Exemplos entre muitos outros q a fantástica Paranapiacaba tem a oferecer.

Texto e Fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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