PARANAPIACABA: VOLTA NA SERRA RADICAL

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Próxima da paulicéia e cercada de mata atlântica por tds os lados, Paranapiacaba revelou faz tempo sua vocação p/ aventura. E opções é q não faltam. Fora os passeios tradicionalmente conhecidos, há aqueles menos (ou nada) divulgados, s/ mencionar aqueles q a criatividade inventar. E foi assim q, aproveitando uma brecha de sol numa semana totalmente comprometida, encaramos uma variante + radical da conhecida “Volta na Serra”. Descemos os 800m do planalto pela “Picada dos Tupinambás” até o Mogi, p/ depois subir td novamente pela pouco conhecida “Trilha do Padre”. Um circuitão cuja beleza de atrativos, traduzidos em visus espetaculares e incontáveis poços p/ banho, são proporcionais à demanda de fôlego e disposição p/ perrengue. Num dia só.
fotos: Tânia Silva


As chuvas da ultima semana haviam cristalizado minha decisão de permanecer em casa no fds. No entanto, a súbita brecha de bom tempo no sábado alentou possibilidade de tornar produtivo o domingo. Por conta disto tudo foi em cima da hora. Algumas idéias na cabeça, liga aqui e ali e pronto. Assim, eu, Ângelo, Tânia e Eliana tomamos o trem das 7hrs, onde nos deparamos c/ o folclórico Seu Caneco, q c/ sua prosa em alto tom não nos deixou dormir no vagão. Não bastasse no trem, encontramos novamente o tiozinho, distribuindo folhetinhos no ponto de bus em RG da Serra. Por sorte, desta vez ele não embarcou junto c/ seu discurso ecológico previamente decorado.

Chegamos, enfim, em Paranapiacaba as 9hrs. O sol brilhava c/ forca total num céu despido de nuvens, iluminando a ilustre vila inglesa de forma impar, ainda mais p/ q/ estávamos acostumados a vê-la c/ seu tradicional “fog londrino”. Após uma rápida passada na vila p/ registrar estes momentos raros, zarpamos de vez em direção ao inicio da “Raiz da Serra”, onde nos detivemos + uma vez p/ apreciar o visu do Mirante. Lá, o Vale do Mogi se debruçava sinuosamente serra abaixo num visu espetacular. A paisagem era enquadrada principalmente de verde, mas terminava c/ as alvas e fumegantes fabricas de Cubatão, ao fundo, limitadas pelo mar e céu azul, logo acima.

Começamos a trilha as 9:20, c/ o altímetro do Ângelo marcando 805m. O calor inicial foi substituído pelo frescor da mata fechada na qual adentramos, ornada principalmente de maria-sem-vergonhas e lírios d´água. O clima inicial da pernada era de descontração, mesmo qdo chapinhávamos na água q escorria por boa parte da trilha. As bicas e nascentes fartas de água reforçavam a idéia q as chuvas recentes haviam sido generosas à serra. Havia + gente na trilha, mas logo o bafafá da muvuca de grupos e excursões q tb aproveitavam aquele dia privilegiado foi substituído pelos sons da mata, enqto nos afastávamos mais e mais da vila.

No descampado da 2ª torre de alta tensão tivemos um visu da verdejante serra oposta, cortada por duas linhas férreas pelas quais passava constantemente uma ruidosa composição. E assim nos enfiamos novamente na mata, p/ começar a descer em largos ziguezagues, ora íngremes ou não, alternando chão batido, pedras e algumas valas erodidas. Logo adiante emergimos brevemente da mata, cercados de samambaias, apenas p/ sentir a forca do sol tostar nossa cachola e constatar q qto + descíamos + quente ficava. Aqui tb reparamos q a picada literalmente acompanha o largo aceiro das linhas de alta tensão serra abaixo, ora de um lado ora de outro, em meio à densa floresta.

Novamente no frescor da mata, a Eliana começa a sentir a descida, mas a tranqüilizamos c/ o tradicional “falta pouco!”. Mas depois, porem, fui obrigado a “chicoteá-la” p/ q seguisse adiante, s/ lamentações. P/ romper o silêncio, o Ângelo contava “piadas” q fariam corar de vergonha o Didi Mocó, e a Tânia achava graça apenas por educação. As 10:45 atravessamos o 1º riachinho, p/ em seguida andar num brejal perfumado pelo aroma dos enormes lírios q ornam a trilha. O 2º riachinho é atravessado saltando pedras ou enfiando o pé na água. Tds optaram pela segunda opção, à exceção do Ângelo, q acabou resvalando e se molhando + q a gente. Na seqüência bordejamos uma íngreme encosta por trilha estreita, acompanhando o tal 2º rio, q desce furioso numa sucessão de poços e cachus à nossa esquerda.

No caminho, mais uns 2 pequenos riachos são transpostos s/ dificuldade, ate a picada se afastar do rio e descer suavemente. Um último rio é atravessado e a umidade toma conta da trilha enqto os rugidos de um rio maior vão se tornando + audíveis. E não deu outra, as 11:30 chegamos ao Rio Mogi num bucólico e prazeroso local chamado “Prainha”, p/ alegria geral. O altímetro marcava exatos 100m. Incrível como o sol de quase meio-dia incidindo c/ td seu esplendor tornava maravilhosamente deslumbrantes aqueles mesmos poços q noutras ocasiões passaram, s/ despercebidos, apresentando tonalidades q variavam do turquesa ao esmeralda, esses piscinões e pequenas cachus foram motivo de pit-stop maior, seja p/ nos refrescarmos, p/ ficar a mercê da massagem de suas corredeiras ou apenas p/ permanecer estendidos sobre as pedras,&nbsp, descansando e tomando sol.

Após lanchar num banco de areia, partimos quase 12:30. Agora tínhamos q seguir pelo rio, fosse pela suas margens secas e forradas de pequenas pedras, mas principalmente chapinhando pelo Mogi mesmo, c/ água ate as canelas. O sol bate rijo e o calor esta terrível, e varias paradas são necessárias p/ beber água e molhar o rosto. O rio circula em meio a uma larga avenida de pedras semi-descobertas e não oferece maiores dificuldades, mas eu e o Ângelo respeitamos a lentidão das meninas, pouco habituadas a este tipo de programa, auxiliadas por um cajado improvisado, ambas tateiam duas vezes o terreno antes de pisar c/ segurança nalguma pedra!

E assim vamos descendo o rio aos poucos, contornando eventuais poções e cachus pelos corredores pedregosos q se apresentam repletos de poças, onde girinos nadam alegremente. As 13hrs passamos pelo 1º poção, onde descansamos brevemente na enorme pedra q serve de “trampolim”. Contornando a mesma pela esquerda por uma discreta picada, logo caímos no rio novamente. 15min depois passamos pelo 2ª poção, onde o Ângelo dá um tchibum e as meninas fazem outro breve descanso.

Não demora p/ rio se bifurcar, as 13:30, onde tomamos a ramificação da direita, mesmo sabendo q mais adiante os cursos d´água se reúnem outra vez. Contudo, antes disso percebe-se a discreta picada saindo pela margem direita. É aqui q deixamos o rio, as 13:40, p/ caminhar em terra firme. Ou quase, já q boa parte da trilha é o mais puro brejo em meio as altas moitas de lírios d´água, mas mesmo assim o avanço é bem + rápido. Passamos por bananeiras e uma bem-vinda bica -&nbsp, um córrego q desce a serra – onde abastecemos tds as garrafas, já q esta será nossa ultima água pelas próximas 3hrs.

A picada acompanha o rio em meio ao frescor da sombra da encosta a direita, ate q finalmente desembocamos numa picada maior, as 14hrs. É aqui onde começa o árduo retorno, a 50m acima do nível do mar. Tomando à direita, subimos lentamente c/ forte inclinação por uma trilha q apresenta um mato relativamente alto, principalmente jardins com marias-sem-vergonhas. O avanço é lento, porem regular. A vegetação oculta a trilha, o q demanda cautela nos trechos escorregadios ou íngremes, onde nos firmamos no arvoredo a disposição. Mas logo caímos numa vala maior, forrada de coquinho, onde o caminhar torna-se + fácil, embora ainda se ganhe altura rapidamente através de largos e intermináveis ziguezagues. Eventuais janelas na mata permitem algum visual, onde a brisa sopra e refresca nossos rostos suados.

As 14:50 a picada nivela numa crista, com mato caindo de ambos lados, e logo chegamos na clareira das torres de alta tensão. A vegetação novamente toma conta da trilha, principalmente de urtigas, q foram as maiores vilãs da subida. Bem q tentamos descansar nas torres, a 335m apesar da mata alta e do sol inclemente na cabeça, o consolo era o visual q daqui se tinha, simplesmente espetacular! Mas ao invés de descansar no sol, optamos por fazê-lo no frescor da sombra da vala, um pouco mais acima, após sair à esquerda do aceiro principal. De fato, o mato havia crescido a pto de ocultar a trilha. Se não conhecêssemos aqui de outros carnavais não encontraríamos a continuidade do caminho.

Pois bem, após breve descanso e muitos goles d´água, continuamos a subida pela “trilha”, isto é, pela vala. Menos mal q aqui não havia mto mato crescido, mas havia muitas arvores e mato tombado, principalmente matacões de urtigas, palmeiras, samambaias espinhentas e emaranhados de teias!!! Em função disto, o Ângelo tomou a dianteira p/ abrir caminho c/ seu facão, mas ainda assim a Tânia ganhou arranhões de urtigas e eu forrei a mão c/ espinhos. Isso s/ falar na declividade acentuada.

A passo de “tartaruga manca” alcançamos os 340m de uma crista, onde brechas nos brindavam c/ algum visu. A partir daqui a subida arrefece e torna-se agradável, ate alcançar um selado q pode gerar confusão em função da mata alta. Buscando bem, a trilha continua lá acompanhando a crista. Mas td q é bom dura pouco, pq outra vez nos vemos subindo forte, aos ziguezagues. Alem da declividade e do mato caído, cipós tendem a nos segurar, atrasando + o avanço. Ai nossa preocupação passou a ser chegar ate o final c/ luz natural, ate pq nenhum de nos havia trazido lanterna. Q mancada! Por conta disso resolvo carregar a mochila da Eliana, cujo rosto corado do arfar constante não escondiam sua falta de condicionamento. A Tânia, por sua vez, levou na boa, ou conseguiu disfarçar muito bem.

As 16:40 caímos noutra crista bem + roçada e c/ chão folhado, na faixa dos 520m. Aqui aparenta nivelar, mas é por pouco tempo, novamente passamos a subir forte, serpenteando serra acima, p/ penúria da pobre Eliana, q provavelmente devia estar repensando seriamente em aceitar novo convite deste naipe. As 17:20 damos noutra crista, nos 630m, onde sentamos no chão a fim de um breve pit-stop. Mas não por mto tempo, pq perigava a Eliana não levantar mais. Tínhamos q aproveitar o corpo quente e avançar o máximo q pudéssemos. Estávamos tds exaustos e ralados, uns mais q outros, mas havia q continuar. Eu e o Ângelo buscávamos animar as meninas, mas parece q nem as piadas infames dele já surtiam efeito.

Felizmente aqui a subida arrefece, e assim ganhamos os 750m do alto da serra as 17:45. A partir daqui a pernada acompanha a crista, sinuosamente, s/ maiores dificuldades. Passamos até por uma curiosa arvore c/ raiz exposta, q mereceu vários cliques. O tempo agora estava nublado, e nosso receio era q viesse chuva, o q felizmente não ocorreu. Pois bem, da crista, a picada se espreme em suaves sobe/desce pela encosta, atravessa uma rústica ponte p/ somente depois deixar a borda da serra e rumar p/ interior do planalto, enqto nuvens alvas se chocavam nos paredões ao redor.

Enfim, após andar um tanto em meio a algum mato alto, caímos numa picada bem + batida e, finalmente, na pontezinha sobre o córrego q sinaliza o fim da trilha, as 18:20. Fim de trilha, mas não de trip. Ainda tínhamos um bom trecho ate o asfalto. Como nosso lanche já havia terminado faz tempo e não víamos a hora de degustar comida de verdade, esse foi nosso estimulo p/ continuar caminhando.

Após um breve descanso p/ troca de meias, tomamos à esquerda na estrada de terra q se segue, na qual andamos um bom tempo. Logo caímos nos fundos de uns galpões, q seguindo em frente nos levam a uma propriedade particular aparentemente abandonada. Lá, um cara nos chamou a atenção c/ uma espingarda na mão! Era o segurança, q nos avisou q mais adiante havia uns cachorros. Explicamos q apenas passeávamos e queríamos somente sair, e ele nos acompanhou gentilmente ate o portão de saída. Pisamos no asfalto as 19:20. Cruzamos p/ outro lado e tomamos o bus 10min depois, rumo RG da Serra, onde paramos merecidamente na padoca a fim de fazer uma boquinha e bebemorar a árdua empreitada.

Na seqüência, tomamos o trem de volta p/ Est. Da Luz as 20:30, trajeto q fizemos embalados no mundo dos sonhos, onde nos despedimos e cada um seguiu rumo o aconchego de seu lar. O semblante de tds não escondia o cansaço, mas a satisfação do dever cumprido já valia a pena. Pra Eliana então, a sensação de vitoria era redobrada, pois mesmo se arrastando foi ate o final, decidida, embora caminharia feito o Robocop pelo resto da semana. Mas é por estas pequenas, porem significativas superações, q aventuras deste quilate valem a pena. Aventuras q Paranapiacaba tem de sobra. Por isso ela será sempre a opção nº 1 pra qq fds de bom tempo. Pq alem de ser a nossa tradicional porta de entrada da nossa grandiosa Serra do Mar, sempre terá opções ate onde o fôlego alcança.

Texto Jorge Soto&nbsp,&nbsp,
http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html
Fotos: Tânia Silva

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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