Parques do Ribeira: Histórias

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Em seguida às duas colunas anteriores sobre a região do Ribeira do Iguape, incluo agora alguns relatos sobre minhas visitas.

Os Municípios do Vale da Ribeira

Luzio: Não faz muito tempo, foi encotrado junto à sede do PE Rio Turvo o esqueleto fossilizado de um homem com 9 mil anos de idade. O Homem da Capelinha é também chamado de Luzio, numa referência à mineira Luzia, o mais antigo fóssil brasileiro e continentalEsta famosa descoberta em Lagoa Santa (MG) foi obra da arqueóloga Annette Emperaire, que seguiu recentemente os passos no século XIX de Peter Lund – você vai voltar a encontrar Lund mais abaixo.

Acredita-se que o esqueleto de Luzio foi enterrado num sambaqui, formação de conchas bastante comum na região, como você verá a seguir. Ele teria sido um caçador-coletor do litoral que teria vencido o relevo difícil e chegado ao vale. Luzio é o mais antigo registro de ocupação humana em São Paulo.

Fóssil de Luzio do Vale da Ribeira (Foto Divulgação)

O Peabiru: Existia de longa data um caminho que ligava os Andes (Cusco e possivelmente o Pacífico) a nosso litoral. Com um incrível tamanho de 3 mil km, tinha inúmeras bifurcações, partindo seja das atuais Florianópolis, Cananeia ou São Vicente. Esta rústica Via Appia atravessava todo o Brasil, chegava a Foz do Iguaçu e ao Paraguai e, através da Bolívia, terminava no Peru. Ela chegou a ser de fato usada para saquear as minas do Peru. Era usada por negociantes, padres, bandeirantes e aventureiros. Restam ainda vestígios do Peabiru, que indicam sua primorosa construção: era uma via rebaixada, com quase 1½ m de largura, recoberta por gramíneas e sinalizada com inscrições e mapas rupestres.

Mapa do Caminho do Peabiru

A Vila Fantasma: Existe no Canal de Ararapira os restos de uma cidade onde o mar foi solapando seu barranco e onde a navegação foi desviada pela abertura do Canal do Varadouro. Este canal criou uma ligação mais fácil com Paranaguá e originou a Ilha de Superagüi. A cidade foi sendo esvaziada, até que seu último habitante naufragou numa tempestade nos mares de Paranaguá. Hoje praticamente só sobrou sua pitoresca igrejinha, que parece observar curiosa o mar. Seus moradores se dispersaram por Curitiba, Paranaguá, Cananeia, Registro. Entretanto, sempre retornam em março para a festa de São José, patrono da igreja, e para rememorar um passado comum, que sobrevive ao tempo.

A Igreja de São José na Cidade Fantasma de Ararapira, PR (Foto Divulgação)

Os Sambaquis: Ao longo de nossa costa são encontrados com frequência os sambaquis, depósitos de conchas e ossos empilhados pela ação humana. Serviam de abrigo, santuário, mirante ou cemitério. As chuvas diluíam o cálcio no interior dessas estruturas, petrificando os materiais. Seus conteúdos assim preservados permitem o estudo da vida dos primeiros ocupantes de nosso litoral. Alguns, como o de Cananéia, são muito antigos, remontando a 8 mil anos. Há sambaquis gigantescos, com diâmetros de mais de uma centena de metros, como em Santa Catarina. Um belo exemplo chamado Casqueiro fica logo à entrada do Boqueirão Sul da Ilha Comprida, acessível pela balsa de Cananeia. Infelizmente, apesar de sua frequência em nosso litoral, continuam pouco pesquisados.

Sambaqui da Figueirinha em Santa Catarina (Foto Divulgação)

O Bacharel: O Bacharel Cosme Fernandes é uma das mais fascinantes figuras de nossa história precoce. Embora um homem letrado, era um degredado que chegou à Ilha Comprida, dependendo das fontes, um ano antes ou um ano depois que Cabral aportou no Brasil. Hoje parece assegurado ter fundado a mais antiga vila brasileira, Cananeia, em 1502. Com o tempo, tornou-se grande senhor de terras e escravos, operando um ativo entreposto, aliando-se aos índios guaranis e dominando audaciosamente nossa costa. Junto com o espanhol Ruy Moschera, derrotou os portugueses na primeira batalha de nossa colonização e devastou a vila de São Vicente. Foi provavelmente morto pelos índios, já com idade avançada.

O Bacharel de Cananeia (Pintura de Carlos Fabra)

Richard Krone: Nascido na Alemanha, ingressou na Marinha de seu país, chegando em Iguape aos 23 anos, onde viveu o resto de sua vida. É curioso como as pessoas eram versáteis nos fins do século XIX: Krone trabalhou como farmacêutico, retratista, arqueólogo, funcionário público, ornitólogo e por aí vai. Por mais de dez anos realizou um levantamento sistemático e pioneiro das cavernas de Iporanga, no que veio mais tarde a ser o PETAR. Descobriu a Caverna do Diabo junto com o dinamarquês Peter Lund, bem como a monumental Casa de Pedra. Estudou o curso subterrâneo de rios, a geologia e a zoologia da região e o bagre cego que leva o seu nome. Morreu aos 56 anos, como um membro querido da sociedade de Iguape.

Foto de Richard Krone numa Caverna

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

1 comentário

  1. Marlene A. Salvador em

    Olá, moro em Cajati, município onde fora encontrado os ossos de Luzio.
    A história oficial omiti alguns detalhes que considero muito importante para o feito.
    Fala-se pela cidade que na verdade um pequeno lavrador que instalou-se próximo a cachoeira, estava lavrando a terra quando deparou-se com o dito esqueleto e temendo tratar-se de um crime e ocultação de cadáver, parou seu trabalho e dirigiu-se a delegacia da cidade e relatou os fatos. Algumas autoridades locais dirigiram-se ao local, no intuito de desvendar o mistério, porem perceberam que se tratava de algo muito aquém do nosso tempo e comunicaram autoridades da capital. A principio eram apenas suspeitas, até que arqueólogos foram chamados e depois de vários testes confirmou-se que se tratava de um elemento da pré história brasileira.
    Recomendo que as publicações vindouras reconheçam a participação de indivíduos locais nesta tão significativa descoberta, pois se não fossem eles, nenhum arqueólogo teria chance de ter seu trabalho reconhecido pela comunidade acadêmica.

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