Art. 8 – Consideram-se de conservação perene, e são inalienáveis, salvo se o adquirente se obrigar, por si, seus herdeiros e sucessores, a mantê-las sob o regime legal respectivo, as florestas protetoras e as remanescentes.
Art. 9 – Os parques nacionais, estaduais ou municipais, constituem monumentos públicos naturais, que perpetuam em sua composição florística primitiva, trechos do país, que, por circunstâncias peculiares, o merecem.
Artigos do decreto que estabeleceu em 1934 nosso primeiro Código florestal.
Sempre pensei que o ambientalismo tinha começado no Brasil meio século atrás. Foi por acaso que encontrei um primeiro movimento ambientalista durante a década de 1930. Na realidade, uma interessante pesquisa identificou meia centena de autores que defenderam nossa natureza muito antes, entre os séculos XVII e XVIII.
No passado, já se discutia sobre o esgotamento de algumas espécies, como o pau brasil e a carnaúba no século XVI, e a tartaruga e o peixe-boi no século XVIII. Mas não vou recuar tão longe; comentarei sobre gente mais moderna, a partir do século passado.
Na realidade, meu relato é um pouco mais antigo, começa em meados do século XIX, quando chega ao Brasil (não se sabe se já contratado ou à busca de emprego) um botânico francês chamado Auguste Glaziou. Um rico empreiteiro chamou-o para realizar as obras do Passeio Público na região da Lapa no Rio de Janeiro, então capital do país.
Este foi o primeiro parque público das Américas e já existia desde o século anterior, tendo sido reformado por Glaziou. Ele mudou o traçado retilíneo anterior por alamedas curvas e sinuosas, tão ao gosto do paisagismo romântico. O resultado foi um belo jardim ao estilo inglês, imitando um bosque natural.
Dom Pedro II admirou o trabalho e encarregou-o do paisagismo da Quinta da Boa Vista e do Campo de Santana. Ambos ainda existem, a bela Quinta tendo sido residência da família real e o Campo localizando-se numa região grandemente urbanizada, hoje chamada Praça da República – ironicamente, por ter sido lá proclamada a república.
Glaziou desenhou inúmeros jardins, estabelecendo no país um influente estilo paisagístico. Adotou plantas brasileiras na grande transformação que realizou na paisagem das ruas e praças do Rio, participou de expedições botânicas pelo Sudeste, foi diretor dos parques e jardins da capital, quando criou um importante herbário (depois parcialmente doado à França).
Mas sua grande obra ambiental foi o início do reflorestamento dos morros da Tijuca no Rio, onde buscou espécies nativas da mata atlântica, durante os trinta anos em que procurou recriar a biodiversidade da floresta original. Após 40 anos no Brasil, Glaziou retornou a seu país natal, onde faleceu já idoso em 1906.
E então a Floresta da Tijuca será a segunda etapa deste relato. O Governo Imperial iniciou seu reflorestamento, para corrigir o desmatamento causado pelas culturas da cana e do café, que ameaçavam os mananciais do abastecimento do Rio.
Diversas propriedades foram desapropriadas, num esboço do que seriam a partir de então as áreas preservadas do país. Essa foi uma iniciativa considerada inédita e histórica. Foi provavelmente a primeira área protegida do Brasil.
Manuel Archer e depois Gastão d´Escragnolle conduziram esse projeto, de inacreditável meio século de duração, para o plantio variado de árvores. Ele pôde recuperar com espécies nativas (e também importadas) a degradação sofrida pela floresta.
As mudas vieram principalmente da Fazenda das Paineiras, ao lado da área reflorestada, bem como de viveiros na própria mata. Glaziou embelezou a floresta com mirantes, pontes e lagos, para que servissem de lazer e recreação à população. Em 1891, quando o projeto foi concluído, havia magnificamente cerca de 100 mil árvores plantadas. Hoje, se você as vir, não saberá distingui-las da floresta original.
Mas houve um outro importante projeto pioneiro de reflorestamento: o do eucalipto em São Paulo. Quem o conduziu foi o agrônomo Edmundo Navarro de Andrade, funcionário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, então em franca expansão. Foi o maior registrado no Brasil até os inícios do século.
Quase 80 anos depois, quando os técnicos da Aracruz, maior projeto de celulose do Brasil, foram pesquisar como melhor reflorestar suas áreas, encontraram as pesquisas de Navarro. Ele havia descoberto o melhor eucalipto para as dormentes da via férrea – e, significativamente, plantou-o ao longo do seu leito.
É importante conhecer a trajetória de André Rebouças, um engenheiro e político que viveu ainda durante a Monarquia, da qual era adepto. Trabalhou no abastecimento de água do Rio, na construção de portos e fortes, na Guerra do Paraguai, na execução de ferrovias, inclusive a dificílima ligação entre Curitiba e Paranaguá através da Serra da Graciosa.
Rebouças era liberal e progressista – foi um importante abolicionista, inclusive pelo fato de ser mulato. Sua visão era diferenciada: opunha-se a todo tipo de escravidão, inclusive à do colono imigrante, e preocupava-se com as implicações da abolição – defendia a emancipação dos escravos não só pela libertação, mas também pela posse da terra.
O primeiro parque natural do mundo foi Yellowstone em 1872. Entusiasmado com este exemplo, Rebouças propôs de maneira muito eloquente a criação de parques nacionais no país. Curiosamente, levava seus alunos a Itatiaia, que veio a ser depois o primeiro PN brasileiro. Seu alojamento leva há muito tempo o seu nome: Abrigo Rebouças.
Mas nunca sugeriu que lá fosse criada uma reserva natural. Sua proposta foi criar dois parques nacionais em Sete Quedas e na Ilha do Bananal – e nenhum deles foi concretizado. Hoje as Sete Quedas estão submersas e a Ilha de Bananal foi quase que inteiramente ocupada pelos índios.
O fim deste homem brilhante e combativo foi trágico: acompanhou Dom Pedro II ao exílio, presenciou seus últimos dias, trabalhou depois na África, onde a miséria o fez ir para a Ilha da Madeira, de onde nunca quis retornar ao Brasil – lá lecionou e (provavelmente) se suicidou em 1898.
Um outro imigrado, Alberto Loefgren, tornou-se conhecido e influente no Brasil. Ele era formado na Suécia em Ciências Naturais. Diferentemente de Glaziou, sua carreira se passou em São Paulo e durante a república, e ele se radicou definitivamente no Brasil, até sua morte em 1918.
Loefgren chegou ao Brasil junto com uma expedição científica sueca. É curioso como, durante todo o século XIX, se sucedem as empreitadas europeias para conhecerem, catalogarem e amostrarem nossa flora. Com sua natureza gigantesca e diversa, cujo acesso fora sistematicamente negado no período colonial, o Brasil era visto como um paraíso para a investigação da natureza.
Loefgren foi um importante escritor e pesquisador, com presença em diversas associações europeias – suas atividades originaram no Estado o Museu Paulista e o Horto Florestal. Estudou a flora de São Paulo, em especial para conhecer plantas têxteis, medicinais e forrageiras – veja que sua pesquisa era aplicada, voltada para o aproveitamento econômico.
Desenvolveu um pioneiro trabalho meteorológico, seja científico ou educacional. Pesquisou a fruticultura e os sambaquis, depósitos litorâneos de conchas dos homens primitivos. Criou diversos hortos no Nordeste, onde passou alguns anos, como iniciativa para o reflorestamento da região em combate à seca. É interessante notar a variedade de interesses e atividades desses primeiros naturalistas.
Nesta época, as florestas eram consideradas como as principais áreas naturais a serem preservadas, principalmente por seu conteúdo econômico. Loefgren foi o primeiro a apresentar um programa para a sua conservação – foi dele a proposta da regulamentação para a exploração das matas, incluindo a legislação florestal. Infelizmente, não foi aprovada pela Câmara paulista.
O código florestal que foi finalmente decretado trinta anos depois resultou do trabalho pioneiro de Loefgren.