PATI, A TRAVESSIA DA CHAPADA – 4

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Após uma ultima escalaminhada, chega-se ao fim deste vale circular, no vértice do cânion, onde um paredão de rocha totalmente vertical de quase 200 m obstrui qq avanço, e de onde despenca água embora com pouquíssimo volume. É a ultima cachoeira. As 13 hrs estamos no ´Mirante´, uma elevação formada por um imponente bloco de rochas sobrepostas no fim do cânion, de onde se tem uma vista ampla dos 8 km percorridos e do vale emparedado em td sua extensão! Olhando pra cima, tem-se a impressão q o paredão vai despencar sobre vc! Do lado do mirante, a piscina natural nos pés da cachu seria uma tentação pra aliviar o cansaço, mas como ali estávamos imersos nas sombras frescas (e frias) dos paredões a idéia ficou apenas no pensamento.


Pausa p/ descanso e lanche. Dose era desviar dos chuviscos trazidos da cachoeira pelo vento. Zói dizia q era melhor pouca água, pelo perigo das trombas d´água: qdo chove é preciso atenção, pois a precipitação escorre rapidamente das rochas e uma tromba d´água se forma do nada, arrastando td q tiver pela frente. Aqui tb estava repleto de ossadas de bichos, principalmente gdes roedores. Será q haviam despencado do alto ou ali era refeitório de onças, bem comuns na região? Vai saber…

Refeitos, começamos o duro ritual de retorno. Foi aqui q uma coceira na virilha dava indicios q havia pego os malditos carrapatos. Saco! E depois de uma boa andada, q demorava ´uma volta de relógio grande´, segundo Zoi, 15:30 chegamos na casa do Seu Beto, onde nos refugiamos brevemente do calor do sol abrasante. Novamente na trilha, chegamos na já manjada ponte de cimento logo depois. Ali me despedi do pessoal da Pisa, pois eles pernoitariam na casa de Seu Bezzo, perto dali. E já q tava ali, mandei ver mais uns refrescantes mergulhos nos poços sob a ponte pra fechar o dia.

Refiz calmamente e bem relaxado o trajeto q fizera o final do dia anterior, cruzar o rio e chegar na casa de Seu Masú, comi algo e apreciei o pôr-do-sol dourado estendendo sua sombra por td vale. Mais tarde, após a janta (desta vez na barraca), fiquei conversando com Seu Masu e sua mulher, q me confidencia do problema da falta de uma professora p/ crianças no vale todo, q são 13 ao total. É o descaso das autoridades ambientais e políticas c/ os moradores da região. Por volta das 21 hrs fui me recolher, cansado. Não tive dificuldade em apagar, mesmo tendo caminhado apenas 15 km naquele dia. O dia sgte seria puxado e teria q levantar cedo. À noite ventou um pouco e só não fui importunado pelos mocós – misto de preá e rato minúsculo – pq os cachorros do Seu Masu circulavam com freqüência pelo local.

4º DIA – DA PIRAMBEIRA LADEIRA DO IMPERIO ATE ANDARAI
Acordei as 5:10 de quinta, já claro, mas enrolei preguiçosamente no saco de dormir. Da mesma forma q o crepúsculo, a alvorada aqui começava bem cedo, tingindo o céu gradativamente de tons azul-escuro, escarlate, laranja e finalmente azul-claro! Um casal goiano c/ sua filhinha hospedado na casa, recém saia rumo Andaraí, e o filho de Seu Masu levava um burro q transportava a bagagem extra deles. Saiam cedo pq enfrentariam, assim como eu, a piramba da Ladeira do Império. Poderia tê-los acompanhado, mas a preguiça falou mais alto.

As 6:30 me despedi de Seu Masu, seguindo suas dicas. Daqui poderia perfeitamente retornar à ponte e de lá retomar a trilha oficial, mas seria perder quase meia hora. No entanto, há um atalho daqui mesmo q intercepta a mesma trilha, do outro lado do rio. Desci ate a margem do Pati,à minha esquerda, tomando uma picada q o acompanhava paralelo p/ sudoeste, vale adentro. Em pouco tempo, chega-se numa espécie de pequena praia fluvial, onde são visíveis as marcas de pegadas de cavalos e gente. Aqui eu passei batido, mas logo percebi pq não batia c/ as infos, e retornei, me guiando pelas pegadas no chão.&nbsp, É daqui, da prainha de areião, q se atravessa o largo rio, saltando de pedra em pedra. Na metade do rio, numa ilhota de pedras e troncos trazidos pela correnteza, fiquei estudando a outra margem e pronto! La estava ela, a continuação da trilha, escondida no meio da mata e próxima do q parecia ser outra casinha!

Já na outra margem, segui pelo íngreme carreiro de terra batida q beirava pela esquerda uma pequena e imperceptível propriedade. Assim q deixamos a cerca p/ trás, o trilho começa a ziguezaguear indefinidamente a encosta da serra, em meio a arbustos e mata rupestre, cada vez mais íngreme, exigindo um esforço e resistência consideráveis das pernas e joelhos. Subir isto aqui no sol do meio-dia – sem condições! Agora sei o porquê de sair cedo p/ encarar esta piramba…

Depois de um tempo interminável e muito ziguezague, olho p/ trás e percebo q já subi consideravelmente, ao mesmo tempo noto q a trilha de terra intercepta uma estrada de pedras, repleta de degraus naturais rochosos as vezes escavados na própria pedra. É a Ladeira do Império. A pernada continua forte e ininterrupta ate começar a ouvir vozes adiante, principalmente voz infantil. Apressei o passo (a duras penas) e alcancei o casal goiano e sua filhinha sapeca, com os quais seguimos a lenta subida! No trajeto, uma inscrição na rocha datada de ´19/07/61´ marca o fim d construção da ladeira, por sinal uma verdadeira obra de engenhosidade! Claro q muitas paradas são necessárias p/ retomar fôlego, afinal, depois tem muito chão ate Andaraí.

Por volta das 8hrs e 450m acima do nível do rio, uma ultima ladeirinha nos leva ao Mirante. Alcançamos o topo. Suando em bicas, é aqui q merecidamente descansamos nas pedras após tanta camelação. Alem de beliscar algo, apreciamos a paisagem q temos à nossa esquerda. O lugar faz jus ao nome e vale o esforço. Os mesmos cartões postais da travessia – Cachoeirão, Morro Branco, Pati – são vistos de outro ângulo, igualmente majestosos, e o Rio Pati, lá embaixo, serpenteia cânion adentro tal qual uma cobra preta num fundo verde.

É aqui q a trilha muda de direção, inicialmente pro norte e depois p/ leste. É aqui tb q deixamos o Pati e voltamos ao ´mundo´ novamente. A paisagem muda radicalmente, tal como se mudássemos a pagina de um livro de geografia! Os verdejantes vales cedem lugar ao agreste sertão baiano e vegetação rasteira de cerrado! A pernada é retomada em suave descida no meio da Serra do Ramalho, de poucas elevações e muita horizontalidade. O casal goiano decide estacionar na única bica q há neste trecho p/ fazer um lanchinho, mas eu apenas me abasteço de água e sigo em frente.

Dai em diante o caminho foi feito com o sol na moleira e o calor q o chão rochoso refletia. Uma flor vermelha bem bonita, raio de sol, é bem comum neste trecho pedregoso em meio aos arbustos espinhentos. Mais adiante, sempre em declive, contorno uns morros baixos, cruzo c/ uma galera riponga seguindo em sentido contrario. E as malditas mutucas-pitbull resolvem aparecer novamente, e apresso o passo tentando expulsa-las usando a camisa como abanador! Não demorou e alcanço os retardatários da galera da Pisa!! Era Zoi, q acompanhava a mais lerdinha do grupo, q por sinal tava mais a frente.

A pernada continua em descida pela ´BR´, como Zoi chamava a larga faixa de pedra aflorada na terra. A trilha era bem visível e atravessava extensas áreas outrora exploradas pelo garimpo de diamante, serpenteando a rala vegetação rupestre, recheada de cactos enormes e xique-xiques, um cacto florido. Atravessada a serra, as vistas agora se abrem permitindo, a oeste, uma panorâmica de Andaraí, pequenina, e os marimbus da Serra do Ramalho, atrás! A trilha passa por umas rampas de pedras, pedras soltas e trilhos de areia. Mas a pernada parece não render em função do calor e da inexistência de água por aqui! Nem vento, nem água, nem sombra, e sempre expostos ao sol inclemente do agreste. É neste trecho desolador q encontro o resto da galera da Pisa, acabadaços.

Cada vez mais perto da cidade, ziguezagueamos ladeiras de pedras e o caminho torna-se intuitivo. A trilha vai pro espaço e basta seguir rumo a cidade, bem visível. Um grupo de gringos passa pela gente, e logo estamos chegando nos primeiros muros e arvores da cidade, sinal q os quase 18km desde o inicio do dia estão p/ ser concluídos. Chegamos na extremidade oeste da cidade exatas 10:30, mortos de calor e sede!

Como já havia estado aqui uma semana atrás, não tive dificuldade em me orientar. Andaraí é pequenina e simpática, repleta de casas coloniais, tem uma cultura peculiar e forte influencia negra. Claro q fomos de cara p/ melhor sorveteria da cidade, a Apollo, onde detonamos sorvetes c/ a desculpa de nos reabastecer de energia. Casquinhas de seriguela, tamarindo, mangaba e carambola foram apenas o começo. Eu queria tb me esbaldar de cerveja mas na cidade td não havia (!?), apenas uma marca duvidosa ´Dávila´ tava disponível no freezer q, embora fosse ruim pacas, mandei ver assim mesmo!

E assim comemoramos a nossa aventura bem-sucedida, observando o vai-vem pacato de Andaraí e seus moradores circulando c/ guarda-chuva p/ se protegerem do sol inclemente. 1 hora depois uma van vinha buscar a galera, dos quais me despedi, antes de trocar emails e td mais. Não demorou e o busão p/ Vitória da Conquista tava estacionando bem ao lado, quase meio-dia! E assim, suado, sujo e esculhambado não pensei duas vezes e embarquei nele, p/ dar continuidade à trip pelo litoral bahiano, sem antes dormir na rodoviária, claro!

Como praticamente todas as trilhas da Chapada, a Travessia do Pati tb fora aberta século retrasado por tropeiros q abasteciam os garimpeiros em busca de ouro e diamante no além Sincorá, contando um pouco da historia daqui. Hj o único movimento é de andarilhos c/ mochila nas costas q garimpam a real sensação de isolamento total, de volta no tempo, de convívio de pessoas humildes e hospitaleiras, c/ cultura peculiar e muita simplicidade. Td isso já faria da trilha a sua atração por si só, mas junte isso num contexto de diversidade natural e paisagística num só local.

Esse é o Vale do Pati, um oásis no sertão. E somente a caminhada através dele ajuda a entender o porque de tanta fascinação pela Chapada Diamantina. E lembrar q aquilo td já foi mar um dia ajuda a gravar na retina e, principalmente, na memória, mais intensamente as pegadas deixadas no solo arenoso do Pati.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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