Seguramente uma das personalidades mais míticas da escalada brasileira é o Paulo Gil.
Já foi conhecido produtor de agarras de escalada, é o dono da academia 90 graus de São Paulo (sendo esta a mais popular e antiga da cidade de São Paulo) e sequer vi ninguém falar mal de sua pessoa. Uma pessoa conhecida como o protótipo de “gente boa”.
Antes de fechar a parceria do Blog de Escalada com a academia 90 graus, fiz uma entrevista com ele, para que falasse de temas um pouco menos festivos como administração de academias de escalada, regulamentação da escalada pela ABETA e formação de grandes nomes da escalada.
Arrisco dizer que a entrevista com o escalador Paulo Gil é uma das melhores publicadas este ano, por ter respondido todas as perguntas solicitamente e de maneira bem articulada.
Com vocês Paulo Gil :
1 – Paulo Gil, você administra uma das academias mais antigas do Brasil, e sem dúvida a mais popular da cidade de São Paulo. Qual o segredo?
Bem, tem um monte de “blá blá blá” que eu poderia te dizer, mas no fundo mesmo é que eu gosto muito do que faço e isso acaba refletindo no resultado final.
Tem a seguinte situação que tem que ser entendida:
Pense na 90 como um restaurante, e para coisa andar não adianta você gostar de comer, tem que gostar de cozinhar e de servir..caso contrário o negócio não vai rolar e, pior, você vai se aborrecer rapidinho quando não der o dinheiro que você precisava.
2 – Comenta-se que houve uma retração nos praticantes de escalada, assim como o mercado de escalada “encolheu”, como você enxerga esta situação?
É verdade, tecnicamente.
Quero dizer que em comparação às outras atividades e insumos da economia a escalada cresceu negativamente, ou seja:
Em 94 quando abri a 90 tínhamos um monte de escaladores e agora em 2010 tem um monte + um montinho..
Some a isso o fato de que hoje os valores relativos (preços) das coisas mudaram muito.
Um carro novo é definitivamente muito mais importante para a felicidade das pessoas do que 15/20 anos à trás. E nós (escalada) estamos muito depois de um “iFone4″…
3 – Qual foi o principal motivo (ou os motivos) que levou você a tantos anos atrás abrir uma academia de escalada?
A 90 foi uma conseqüência dos trabalhos com escalada que eu já estava envolvido desde 1989 com o muro lá do SESC Pompéia onde trabalhei com o Makoto (Ishibe).
Comecei profissionalmente nesta época trabalhando com aqueles programas de incentivo para executivos usando o universo da escalada como ferramenta.
Hoje uso muito do que aprendi neste meio.
Em 1990 fiz contato com o Corpo de Bombeiros do Butantã através de um amigo (Bareta) que resultou na execução de um muro de escalada de 30 metros (uso civil/militar) neste quartel e uma parceria que duraria mais de 10 anos como instrutor do Curso de Salvamento em Altura da corporação.
Ensinei muito, aprendi muito e fiz muitos amigos nessa experiência.
E após alguns anos resolvi que era hora de tentar andar pelas próprias pernas e criar um lugar só e exclusivamente apenas para a escalada esportiva.
4 – Muito se diz que uma academia de escalada somente há prejuízo, algumas sequer possuem gerente para organizar a academia, você concorda com esta afirmação de academia de escalada não gera lucro?
sei…é bem verdade que não uma das melhores idéias de investimento (econômico) que eu já tive na minha vida.
A academia se pagou em 1 ano.
E andou muito bem um bom tempo. Cheguei a fechar a academia (sem retorno nenhum) por duas semanas para um curso da Federação Francesa de escalada de competição.
Porém, posteriormente tivemos muita dificuldade no surgimento da Casa de Pedra (a 1ª), e nesta fase tive “fabricar” dinheiro para sustentar a existência da 90 graus por um ano inteiro.
Mas é fato que depois das trevas a coisa melhorou e acabamos sobrevivendo, chegando hoje numa situação até que de razoável estabilidade.
Arrisco crer que a principal razão para isto é que aprendi a administrar a academia de forma muito crua, rápida, conservadora e objetiva.
5 – Na sua academia há reconhecidamente grandes elogios aos seus monitores (simpatia e educação principalmente) assim como o histórico de acidentes de freqüentadores também baixo, qual é o critério que usa para estes números?
Esta questão financeiro-administrativa, a 90 graus foi criada para ser um Dojo de escalada.
Por definição um Dojo deve ser uma extensão da casa dos seus praticantes e por isso entendo, espero e respeito que cada um que escale e/ou trabalhe aqui tenha a sua parcela de dono e desta forma tenha orgulho de ajudar, participar e proteger o que é seu.
Isto previne acidentes e dá esse ar de cordialidade da academia.
Existe também entre nós da “diretoria´ uma cumplicidade quase “imoral” sobre tudo que acontece no dia a dia da 90, e desta forma acabamos sendo muito solidários uns com os outros.
Com exceção de um ou outro eu sempre me dei muito bem com as pessoas que trabalharam comigo.
6 – Nos últimos campeonatos no estado de São Paulo, e do Brasil, observou-se que os primeiros lugares do pódium treinavam na sua academia, há algum programa de treinamento especial a eles, ou a quem estiver interessado neste tipo de serviço?
Pessoalmente dou treinamento para várias pessoas e dentre elas estão alguns escaladores de competição que recebem basicamente a mesma atenção.
O que muda é que algum foco na escalada de competição eu acabo sendo forçado a dar.
Como organizei e fui “route setter” de diversos campeonatos, vou dando uma dica aqui outra ali do que um “route setter” faz ou deveria fazer pra “desgraçar” a vida de um atleta confiante.
7 – Da sua academia “nasceu” praticamente os principais escaladores do estado de São Paulo nos últimos anos (Cesinha e Rafael takahace), qual o segredo para descobrir e desenvolver talentos?
Cesinha, Rafinha, Linha Taka, Jan, Okuno, Fernado, Paloma, Andréa, Taís, Aninha, Flubber, Belê, Alê Silva (sim ele mesmo!), Ralf, Igor Epof, Aleta, NewRose (rs), Marcio Bruno, Kalango, Monique, Gleison, Pietro…é uma lista enorme (e incompleta) de talentos que eu tive/tenho o prazer do conviver e ver crescer.
O que ocorre é que nesses caras (como disse a lista está incompleta) a cabeça é que manda no corpo.
Por isso, é “fácil” de ver o talento apenas conversando com o cidadão.
É uma reação em cadeia onde a cabeça é quem acredita que é possível e o corpo responde:
-ok, agora deixa comigo!
Costumo dizer que a escalada é uma atividade mental muito boa pro corpo.
8 – Na sua academia há uma graduação peculiar de vias e boulders. Qual o motivo para que não use a graduação brasileira?
Não uso??
Não, né? Mas isso explico com mais calma depois..
9 – Apesar de possuir atletas “devorador de títulos” não aconteceram muitas etapas de campeonatos na sua academia, qual o motivo desta escassez?
Como disse, organizei diversos campeonatos na “Idade Média” da escalada e sempre que possível em locais públicos, pois acredito que campeonato é para ser um show de rock.
Os atletas têm que serem venerados, idolatrados, invejados por pessoas comuns que um dia gostariam de serem como aqueles ídolos.
Um campeonato numa academia só atrai o escalador e sua família (que é aquele pessoal que fica com cara de sono querendo ir embora). Pouco ajuda no crescimento do esporte.
No entanto, competições “metalingüísticas” (de escalador pra escalador) só no ano passado organizamos mais de meia dúzia na academia.
Fato pouco divulgado, pois foram realizados sem apoios e preferencialmente para o público da 90.
10 – Você também é uma pessoa que tem a fama de procurar sempre escalar, o que anda fazendo de escalada? Qual o seu estilo de escalada preferido?
Sou um viciado…tô tentando parar faz anos..não consigo…prefiro não falar sobre o assunto..
11 – De um ano para cá o número de “incidentes” (fechamento de locais de escalada, por exemplo) com escaladores e proprietários de rocha aumentou muito, como você visualiza isso?
Triste, muito triste mesmo!
Tem dono de propriedade tacanha?
Tem sim…mas nisso não podemos mexer.
Podemos deixar de jogar esparadrapo no chão, não levar um “sonzinho” pra dar um gás na cadena e aprender a “jogar” o jogo da política da boa vizinhança.
Educação &, paciência com os donos das pedras.
12 – Hoje, para quem deseja se iniciar na escalada, qual o procedimento que deva ter?
A escalada faz parte de uma grande gama de atividades. Qualquer porta séria é válida (não tem porta no viaduto da Sumaré).
Nos clubes, academias, cursos ou com amigos. Escalada, caminhada ou cavernas. São diversas as possibilidades.
Comecei com amigos com caminhadas, fui para exploração de cavernas (Sérgio Beck) e depois de alguns anos somei a escalada…hoje pedalo e amanhã na velhice quem sabe não vou até voar de balão (piadinha interna).
13 – Como Hoje está visualizado a “ameaça ABETA” para a prática da escalada no Brasil?
Não acredito neste sistema de controle totalitário de normas e procedimentos padronizados num meio anárquico como o da escalada. Veja, algum controle sobre profissionais da área é bem vindo, pois já presenciei instrutor dando curso sozinho no Baú para oito pessoas.
Como não é todo mundo que tem essa capacidade, os instrutores medíocres (2/3 alunos) poderiam ter alguma credencial que desse confiabilidade à sua capacidade.
Agora, exigir isso de todos os praticantes ou dar margem à essa interpretação na lei, só pode partir da cabeça de um apedeuta (ignorante por falta de instrução) ou de alguém com muita vontade de dar curso de formação.
É gratuito, não é?
14 – Há algum recado especial para quem escala?
Pare antes de começar por que depois não dá mais não..
Veja mais:
:: Conheça o site do Ginásio 90 Graus