Pedaladas pela Trilha do Telégrafo

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Entre Ariri (SP) e Guaraqueçaba (PR), no caminho das comunicações do Império, três dias de esforço. O limite é a resistência. O desafio é chegar.

 
Mochilas às costas, pé na lama e o peso extra da bicicleta, empurrada, arrastada e carregada pelas trilhas: 60 km de praia, 78 km de estradas e 18 km de rios, córregos, banhados e muita lama. Aventura pra ninguém botar defeito. O caminho; de Iguape (SP) a Guaraqueçaba (PR), transpondo uma das regiões mais esquecidas e abandonadas do litoral sul brasileiro, por onde passou a primeira linha de comunicação entre São Paulo e Paranaguá, ainda no tempo do Império, a Trilha do Telégrafo.
 
Considerada uma das mais seletivas trilhas para a prática do off-road no Brasil, a Trilha do Telégrafo é desafio para jipeiros, que em condições normais, fazem a travessia em três dias. Exige técnica, perícia e companheirismo. De bicicleta, que se tenha notícias, ninguém até então havia tentado transpor este caminho. 
 
Lançado o desafio, 25 ciclo turistas, incluindo a equipe Gazeta do Povo/Trilha na Mata, partiram de Curitiba rumo a Iguape, São Paulo, onde começou a aventura. Os sinos da centenária igreja matriz tocaram às 6 horas. Montamos nas bicicletas e atravessamos o canal que separa o continente de Ilha Comprida. Vinte minutos depois, a praia,  uma extensa faixa de areia que se perde no horizonte, pouco povoada, pouco freqüentada.
 
Escoltados por dois jipes de apoio, tocados pelos incansáveis André Back e Jorge Casagrande, fundamentais nas pedaladas pelas areias de Ilha Comprida, o primeiro dia exigiu muito esforço e preparou o espírito para o que viria depois. Contra um forte vento sul, o grupo não conseguiu fazer mais do que 9 km/h de média.
 
Vencido o primeiro dia, subimos na balsa que faz a travessia da baía de Cananéia e desembarcamos no centro da cidade histórica (469 anos), onde o bandeirante Pedro Lobo, em setembro do ano seguinte em que a nau de Martim Afonso de Souza fundeou ancora nas águas da baía, marcou a primeira expedição em busca das riquezas do sul. Cananéia conserva o legado português, patrimônio histórico e cultural.
 
Às 5h30m, depois de um reforçado café da manhã, partimos em busca de Porto cubatão e da estrada para Ariri, a cidade mais ao sul do estado de São Paulo. Depois da areia, a estrada de chão batido. Mais 48 km de subidas e descidas, sentindo a civilização ficando para trás. “Aonde vão?”, perguntavam alguns dos moradores que encontrávamos a nossa passagem. “Vão passar pelo Telégrafo, são loucos!”, era o que ouvíamos. De todos, apenas os jipeiros, não nos acompanhariam na trilha, Gerson Kleina, nosso guia, e mais 6 pessoas já haviam feito a trilha. Todos de 4×4.
 
20 km antes do Ariri, o marco zero da Trilha do Telégrafo. Até agora, um aquecimento. Os próximos 18 quilômetros, o desafio. Carregamos as mochilas, checamos as bicicletas, deixamos para trás nosso apoio e saímos por uma estrada secundária, por um caminho que se tornava cada vez mais lamacento, escorregadio e estreito. A estrada estava acabando.
 
Conseguimos pedalar por mais dois quilômetros. Depois, pé na lama, empurrando, arrastando ou carregando as bicicletas. Rios, riachos, banhados que pareciam não ter fim, lama, muita lama, numa estrada que nunca existiu, num caminho alternativo entre São Paulo e Paraná, ao pé da serra, aberto na Mata atlântica, por onde passou o cabo do telégrafo nos tempos do Império.
 
Um caminho que parece ligar nada a coisa alguma. Os que moram ao longo da trilha se utilizam de mulas e cavalos cada vez que precisam ir à cidade. Numa destas propriedades, seis horas e 12 km depois de entrarmos na trilha, montamos acampamento, jantamos e literalmente apagamos.
 
Alvorada às 5h30m. Café. Desmonta acampamento, arruma mochila. Os últimos quatro quilômetros do Telégrafo são percorridos nos morros que separam os estados de São Paulo e Paraná e levam ao distrito de Batuva, em Guaraqueçaba. Apesar do terreno alto, a lama parecia ter dobrado de quantidade, que somada às subidas íngremes tornavam o esforço ainda maior. Outras duas horas para cobrir a distancia e finalmente de volta às bicicletas, pedalando por outros 30 quilômetros até o píer de Guaraqueçaba. 
 
Depois a recompensa, antes de embarcarmos rumo a Paranaguá e de volta a Curitiba; um almoço regado a frutos do mar para repor energias e a satisfação de um desafio vencido. 
 
Publicado na Gazeta do Povo, 22 de janeiro de 2001
Protagonistas: Allan Douglas Costa Pinto, Alexandre Correia Conceição, Angela Lobo Bernal, Alessandro Gulin, Carlos Eduardo, Dasio de Oliveira, Dasio de Oliveira  Jr., Gerson (Bambu) Klaina, Hudson M. De Oliveira Jr., Heron Matosso, Jonathan Campos, José Pioli, Josete de Sá, Juliana M. Fiori, Julio César Fiori, , Mario Milani, Mario Milani Filho, Martin Schreiner, Oscar Maurício Ferreira, Renato Ricetti Filho, Rubens Herman, Tiago R. M. Oliveira, Tânia Cabral e Wido Shreiner.
Locais visitados: Iguape, Ilha Comprida, Cananéia, Porto Cubatão, Itapitangui, Bairro de Taquari, Batuva, Guaraqueçaba e Paranaguá.
Data da aventura: 1 de setembro de 2000
 
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Sobre o autor

VITAMINA – Henrique Paulo Schmidlin Como outros jovens da geração alemã de Curitiba dos anos de 1940, Henrique Paulo foi conhecer o Marumbi, escalou, e voltou uma, duas, muitas vezes. Tornou-se um dos mais completos escaladores das montanhas paranaenses. Alinhou-se entre os melhores escaladores de rocha de sua época e participou da abertura de vias que se tornaram clássicas, como a Passagem Oeste do Abrolhos e a Fenda Y, a primeira grande parede da face norte da Esfinge, cuja dificuldade técnica é respeitada ainda hoje, mesmo com emprego de modernos equipamentos. É dono de imenso currículo de primeiras chegadas em montanhas de nossas serras. De espírito inventivo, desenvolveu ferramentas, mochilas, sacos de dormir. Confeccionou suas próprias roupas para varar mata fechada, em lona grossa e forte, cheia de bolsos estratégicos para bússola, cadernetas, etc. Criou e incentivou várias modalidades esportivas serranas, destacando-se as provas Corrida Marumbi Morretes, Marumbi Orienteering, Corridas de Caiaques e Botes no Nhundiaquara, entre outras. Pratica vôo livre, paraglider. É uma fonte de referências. Aventureiro inveterado, viaja sempre com um caderninho na mão, onde anota e faz croquis detalhados. Documenta suas viagens e depois as encaderna meticulosamente. Dentro da tradição marumbinista foi batizado por Vitamina, por estar sempre roendo cenoura e outros energéticos naturais. É dono de grande resistência física e grande companheiro de aventuras serranas. Henrique Paulo Schmidlin nasceu em 7 de outubro de 1930, é advogado e por mais de uma década foi Curador do Patrimônio Natural do Paraná. Pela soma de sua biografia e personalidade, fundiu-se ao cargo, tornando-se ele próprio patrimônio do Estado, que lhe concedeu o título de Cidadão Benemérito do Paraná.

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