Pedra do Cruzeiro- Escalaminhadas no Seridó

0

O Rio Grande do Norte reserva pérolas q vão além do seu belo, notório e extenso litoral. Escondido no interior do sertão potiguar existe uma região repleta de serras respeitáveis q se elevam na horizontalidade agreste típica da caatinga, td isso em meio a cursos d“água e enormes açudes. Esse local atende pelo nome de Seridó e abrange os municípios de Currais Novos, Acari, Parelhas, Cerro Corá, Jardim do Seridó, Caicó e Carnaúba dos Dantas. Destino pouco (ou nada) explorado, o Seridó vem aos poucos atraindo aventureiros dispostos a desvendar suas belezas naturais ainda incógnitas do turista-radical brasileiro, numa das paisagens + exóticas do interior do país.

Levantei c/ uma leve ressaca relativamente cedo, ainda qdo a cidade parecia descansar dos festejos do dia anterior. Enqto arrumava minhas tralhas e beliscava o desjejum no apertado cubículo q era meu quarto, lembrei da exaustiva maratona q havia sido à viagem ate ali. Chegar em Currais Novos, centro do Seridó, não foi fácil. Lembrei da viagem desconfortável e interminável no “latão” da Viação Jardinense q, saindo de Campina Gde as 15:30, rasgou o agreste e desolador sertão potiguar por 5hrs infernais p/ percorrer menos de 200km, em meio às “crateras” da péssima e poeirenta BR-230.

Lembrei tb q qdo pensava estar no fim do mundo, a lacônica placa de um entroncamento (“Praça do Meio do Mundo”) me informou q tava apenas a meio-caminho dele. Lembrei das paradas em Soledade, Juazeirinho, Junco, Parelhas, Caicó e Acari, assim como das crianças esquálidas q carreguei no colo – por educação – e das bagagens alheias se amontoando em minhas pernas devido à típica superlotação do busão. Lembrei tb de alguém nos presentear c/ a cacofonia estridente de um radinho ligado no som do “Forró Cavalo-de-Pau”, como se o calor abafado no interior não fosse martírio já suficiente. Lembrei do alivio q foi saltar do “latão”, cansado, sujo e imundo, as 20:30, e da sorte em encontrar logo pouso no “Hotel Familiar”, descendo 2 quarteirões atrás da rodoviária. Lembrei do prazer q foi tomar uma simples ducha e, em seguida, degustar uma cerveja gelada apreciando o vai-vem da pacata Currais Novos se preparando p/ reveillon. Lembrei do trio de amigas q fiz – tb hospedes do muquifo – c/ as quais comemorei de forma providencial e modesta a passagem de ano, regado a pinga, frango e farofa. E lembrei, finalmente, q fui deitar após a simplória queima de fogos, acabado e exausto.

E lá estava eu agora no marasmo do 1º dia do ano, coletando infos aqui e acolá de modo a tornar produtiva minha breve passagem pela região. Meu tempo era curto e por essa razão me limitei a dar rolês por Currais Novos e Acari, q em tese são o centrão do sertão seridoense e guardam atrativos interessantes no quesito “montanhas”. Resolvi então conhecer inicialmente uma tal Pedra do Cruzeiro, em Acari, local q tinha a melhor vista do grandioso Açude Gargalheiras e uma geral de tds as serras ao redor. Pois então vamos lá.

Dessa forma, me dirigi a um pto próximo onde dividi uma lotação (numa Brasília caindo aos pedaços) c/ outras pessoas q se dirigiam a Acari, as 7hrs. Alias aqui lotações é o q não faltam já q s/ fiscalização qq um faz do seu veiculo particular, seja ele carro ou moto, algo oportunamente coletivo. Currais Novos é uma cidade simples c/ detalhes pitorescos, cujo maior magazine são as “Casas Potiguar” e as campainhas das casas são conhecidas como “cigarreiras”. Antiga aldeia de índios canindés e janduís, a cidade nasceu de 3 currais construídos, em 1755, afim de estimular o povoamento naquela região, quase divisa com a Paraíba.

Num piscar de olhos, deixamos a cidade p/ ganhar o asfalto q nos separa apenas 15km de Acari. No caminho converso c/ o motorista, enqto já avisto as silhuetas cada vez maiores de montanhas despontarem no horizonte. Me conta q aquela região&nbsp, serrana está repleta de minas desativadas de tungstênio e algumas ate viraram atração turística. Logo o asfalto se espreme entre as&nbsp, Serras Pau Pedra e a Serra de Acauã, p/ depois acompanhar as elevações rochosas da Serra do Saguim Cordeiro e Do Juazeiro. Claro q não são montanhas q se assemelhem à qq uma da Mantiqueira ou Serra dos Órgãos, mas suas dimensões acanhadas são significativas se comparadas à horizontalidade típica do sertão nordestino.

Salto em Acari as 7:15, já de olho nalguma sinalização q indique meu destino. Ali é considerada a cidade + limpa do país e já fora antiga aldeia cariri q ganhou sua alcunha devido a um peixe bem comum no Rio Acauã, q banha a cidade. Assim, fui me guiando pelo emplacamento “Represa Gargalheiras”, sempre sentido nordeste, embora direção fosse óbvia, a cidade está aos pés de um enorme maciço rochoso q parece se espichar p/ sudoeste, quebrando pros lados em vários serrotes menores. Não demora e já me vejo caminhando numa estrada deserta singrando a agreste caatinga – dominada por arbustos ressequidos e arvores de pequeno porte, como algarobas, baraúnas, cardeiro, juremas e umbuzeiros desfolhados ou retorcidos – cruzando eventualmente c/ algum motoqueiro no sentido contrario. Felizmente, o sol ainda não bate forte a pto de incomodar a caminhada.

Aos poucos, a estrada bordeja a Serra do Minador pela direita ate esbarrar – 5km depois feitos em 40min – numa bifurcação marcada por um quiosque de bebidas. Este, por sinal se encontra às margens do gigantesco Açude Gargalheiras – o nome oficial é Marechal Dutra – cujas dimensões realmente impressionam c/ sua beleza rústica, alem de ser o maior reservatório de água do Seridó. Da bifurcação tomo à estrada a direita, q beira o açude durante um tempo e atravessa a pequena vila de pescadores de nome homônimo, onde simpáticas casas coloridas se perfilam durante um curto trecho ao longo da estrada. Mas logo a mesma corta p/ esquerda, ainda beirando o açude, mas eu continuo reto por um caminho de terra q se logo encosta no sopé da Serra do Pai Preto. Aqui há uma capelinha c/ uma santa, rodeada de flores e velas, local onde provavelmente deve haver procissões nalguma época do ano.

Do lado esquerdo da capelinha, percebe-se nitidamente uma trilha subindo o morro e é por ali q começo a ganhar altitude, a passos rápidos por largos e íngremes ziguezagues, em meio aos arbustos secos e espinhentos de aspecto rude. No caminho, cactos, macambiras, coroas-de-frade, angicos, catingueiras, mata seca e td sorte de vegetação tipicamente de caatinga. Calangos e teiús de td tipo e tamanho fogem assustados diante minha presença, enqto avanço ofegante numa picada q cada vez torna-se cava vez + íngreme e árida. O chão arenoso é escorregadio, e se alterna com lajes e rochedos, nos quais há firmeza maior de apoios aos pés.

O calor matinal logo se faz sentir, e não demora p/ minha camiseta se empapar de suor. Um tempo depois a trilha dá praticamente num paredão rochoso quase vertical. E agora? Pois bem, aqui nos esgueiramos na base escalaminhada, numa espécie de canaletinha em meio a terra e mata remanescente rente à rocha, nos segurando em fios elétricos de grossura razoável (isso mesmo, cabos elétricos e não corda!) deixados ali justamente p/ auxiliar na subida.

Alcanço então um amplo ombro rochoso q nos possibilita já uma bela visão ao redor, mas ainda tem uns 10m de pura pedra a ser superado p/ chegar de fato ao cume da montanha. Pros menos condicionados chegar ate aqui já ta de bom tamanho, pois o espaço “seguro” é sempre rente à pedra c/ vestígios de alguma mata, como bromélias e xique-xiques. O resto são lajes escorregadias q se bobear, bye bye. Razão pela qual não fiz mta questão de me aproximar das lajes + panorâmicas, q terminavam em desníveis abruptos, onde grampos denunciavam a pratica de rapel.

Pois bem, deste ombro rochoso há duas opções pro cume: escalar as paredes rochosas verticais restantes feito lagartixa, ou fazer como eu, me enfiar numa gruta ao lado formada por blocos desmoronados e dali escalaminhar s/ dificuldade ate o alto. Num piscar de olhos emergi no topo, como q nascendo de uma fenda aberta na rocha, e me sentei na larga e gde laje de pedra q domina parte do cume. Ali tb há o q fora outrora um imponente cruzeiro, mas q hj apenas resta sua armação ainda intacta. Presumo q o desnível total não ultrapasse nem 300m, vencido c/ relativa facilidade em quase meia hr.

Tds as montanhas ao redor tem esta média de altitude, nem mais nem menos. São subidas árduas, claro, devido ao calor e sol inclementes. Dito e feito, as 8:30 o sol já começa a bater rijo, mas a vista daqui de cima compensa cada gota de suor vertida na ascensão. Numa panorâmica privilegiada de 360 graus, vislumbramos ao norte/nordeste o enorme espelho d´água esmeralda do Açude Gargalheiras sendo abraçado pelas Serras da Lagoa Seca e pela Serra de Acauã, a leste temos os contrafortes escarpados da Serra do Chamisco se encontrando com a Serra do Maracujá, q por sua vez se espicha pro sul em espigões menores, logo abaixo, vemos as paredes de concreto do açude sangrando o Rio Acauã, q depois de represado serpenteia a planura do sertão em direção a Acari, agora uma mancha branca diminuta no quadrante leste.

O topo é largo, levemente acidentado e c/ vários mirantes privilegiados separados por rochas, mato e alguns abismos, mas nada q um bom “jump” não resolva. Dono absoluto do cume estico a camisa p/ secar numa rocha e paro p/ descansar uns bons minutos apenas p/ sentir a pele tostando gradativamente. Pequenas aves como tiziu, teteu, papasebo, rolinhas, cacuruta, salta-estaca e tantas outras pousam perto de mim, curiosas, p/ depois rasgar o céu azul, indo atrás de seu sustento em meio aos escassos recursos q o árido sertão oferece.

A volta é feita na metade do tempo, embora tenha me perdido no trecho final, mas nada q um vara-mato (no caso, vara-arbusto e vara-cacto) não desse conta. Na estrada novamente, continuei ate o final&nbsp, e, após algumas poucas pousadas, alcanço a barragem vista do alto. Imponente, suas dimensões ao vivo impressionam ainda mais, à diferença da perspectiva diminuta do alto do morro. Na seqüência, retorno tranquilamente ate a bifurcação do quiosque, as 10hrs, onde o calor reinante me obriga a tomar 2 refrigerantes. Sim, isso mesmo, 2 refrigerantes. Se tomasse cerveja sentiria + sede e as pernadas matinais ainda não haviam terminado. A besteira foi não ter trazido nenhuma mochila de ataque, garrafa d´água ou lanche. Subestimar distancia no sertão pode custar caro.

Do quiosque tomei a outra bifurcação, aquela q bordejava o lago pela esquerda. O asfalto agora dava lugar a uma poeirenta estrada de terra tremendamente exposta, mas por sorte consegui carona na caçamba de um veiculo q me poupou andar quase 2km sob sol, agora de fritar miolos. Saltei então num local aprazível chamado de “Prainha”, q nada + é um largo areão à beira da represa q faz de balneário local. O lugar tinha poucos banhistas, p/ tristeza do quiosque instalado bem ao lado, s/ nenhum cliente. Lá dei um merecido tchibum nas águas calmas e esverdeadas do Gargalheiras, apenas p/ constar q guardavam uma certa viscosidade e sua cor se devia à gde presença de algas em suspensão. De qq forma, o banho já fora refrescante o suficiente p/ compensar a pernada matinal.

Meia hora depois de descansar à sombra de um juazeiro + robusto resolvo voltar à Acari, ainda + qdo o quiosque aumenta o volume c/ o som inconfundível de uma sanfona e triangulo sintetizados. Não tem jeito, o forró é a trilha sonora do nordeste. Já de olho nos banhistas motorizados q retornavam, peço carona despudoradamente c/ relativo sucesso, e assim me pouco de quase 8km de ter minhas células epidérmicas cruelmente calcinadas pelos caprichos do Astro-Rei.

Eram quase 11:30 qdo saltei em Acari, q por sua vez parecia uma cidade deserta naquele horário. Tb pudera, o sol fumegante e o calor escaldante obrigam td mundo a se enfiar em casa, tanto q até o comercio fecha no horário do almoço. Era incrível como não havia ninguém na rua, mas assim mesmo me dirigi a um bar onde parecia td mundo concentrado. Lá sim mandei ver 2 brejas geladas no gargalo, e enqto conversava com um jovem tomei conhecimento de vários outros programas aventureiros da região, mas q são + comuns no inverno, onde a temperatura e o sol são + amenos: tem o trekking pelo Cânion Apertados e pela Serra da Lagoa Seca, tem ate uma travessia q o grupo escoteiro local faz e q serviu de base numa corrida de aventura q teve por lá, q sai de Currais Novos, percorre a Serra do Chapéu, passa pelo Apertados e pelo Açude, até dar em Acari. E isso pq eu apenas me limitei apenas à Currais Novos e Acari, pois os demais municípios tem tb seus programas natureba-radicais, como a subida da Lágea Formosa (San Rafael), pedaladas pela Serra da Formiga (Caicó), canoagem no Rio Potengui (Cerro Cora), trekking na serra Boqueirão (Parelhas), entre muitos outros. S/ comentar as excursões aos labirintos de cavernas q se emaranha nas minas desativadas na região, e até sítios arqueológicos c/ inscrições rupestres pouco conhecidos do gde publico.

Na seqüência, tomei um busão q me levou de volta à Currais Novos, onde a paisagem humana não era diferente de Acari. Deserta, fiz questão de engrossar o numero de desaparecidos e fui direto p/ hotel, onde me dei uma duchada e dormi o restante da tarde a fim de dar um rolê no Pico do Totoró, perto dali, num horário + ameno. Dormi c/ ventilador ligado no máximo, alias o tal eletrodoméstico é artigo indispensável no sertão potiguar, seja pra aplacar o calor durante o dia, seja p/ afastar os pernilongos à noite, horário em q as sanguessugas surgem em doses maciças.

É verdade q nesta minha breve passagem pela região nem sequer arranhei 1% das possibilidades q este belo rincão do sertão nordestino oferece, mas fica a deixa de retorno numa próxima oportunidade. De preferência, no inverno e c/ tempo de sobra, onde a temperatura permite programas radicais p/ tds os gostos e de vários níveis. Seja caminhando, escalando, pedalando ou remando em meio a um bioma tipicamente brasileiro, a Caatinga, a região do Seridó é uma agradável surpresa q pode não ter as gdes alturas da região sul/sudeste, mas q mesmo assim suas serras conseguem fascinar pela beleza de suas rústicas formas, pela natureza exótica à sua volta e pela cultura e o povo acolhedor q concentram.

Jorge Soto – Fotos e texto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html

Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

Deixe seu comentário