Persistência brasileira no Cotopaxi

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Tentei uma vez e o tempo não ajudou, me fazendo voltar a 5.240 metros. Tentei uma segunda vez com previsão de tempo perfeita, mas o tempo não quis seguir o protocolo e não pude sequer sair do refúgio, pois nevava forte e havia uma fina camada de verglass do lado de fora do refúgio. Novamente, todos que ousaram sair voltaram. Alguns dias se passaram e acabei decidindo por subir de novo ao ônibus até o parque, não podia voltar do Equador sem ver esta cratera!

Eu sei, eu sei, enganei todo mundo com essa. Aposto que todos os amigos e leitores pensaram que eu não tentei o Cotopaxi de novo e por isso perdi a escalada e, por conseguinte o cume, mas eu voltei no dia 14 de janeiro disposto a jogar minhas fichas, com uma gripe forte e com uma faringite braba.


Aborrecido, derrotado pela imprevisibilidade do tempo equatoriano, eu estava praticamente decidido a não tentar uma terceira vez, mas escutei e li alguns conselhos. Aquelas palavras de última hora que são gostosas de ler. Rob (Holanda – amigo do summitpost) me disse “Paulo, o Cotopaxi é assim mesmo, você precisa tentar uma terceira vez!” (olhei o livro virtual de cume do vulcão e ele mesmo tentou três vezes pra conseguir cume em dezembro passado). O Boris me disse para não desistir, tentar mais uma vez: “Paulo hermano, você não pode voltar pro Brasil sem escalar o Coto!”. Lili me disse pra não perder as esperanças também, me apoiando e dando força por e-mail.


O problema é: Depois de tentar o Cotopaxi pela primeira vez, tentei o Illiniza Norte também sem sorte. Fiz cume no Guagua Pichincha e tentei a segunda vez no Cotopaxi. Uma forte gripe me pegou resultando em uma faringite terrível. Além da gripe, não pude fazer o que quis no Cotopaxi que era acampar e não dormir no refúgio. A neve estava fofa, molhada, nevava sem parar e havia risco de avalanches (que mais tarde aconteceu). Má sorte com o tempo, má sorte com a saúde, má sorte com o terreno = psicológico abalado. Depois de bundiar no albergue só engordando, e refletir um bocado, já de tarde no dia 13 de janeiro levantei e disse a mim mesmo: “Quer saber, vou tentar uma vez mais!”. Chega de sentir pena de si próprio!


Fui ao mesmo lugar (agência Gulliver) e consegui transporte pelos mesmos vinte dólares até o estacionamento, de novo, a 4.550 metros. Sairia de Quito na manhã de 14 de janeiro. Voltei ao albergue tossindo, escarrando pela rua, com o psicológico completamente renovado. É engraçado como “o amor pela montanha move montanhas”. Preparei as mochilas, separei tudo, deixei o que pude no locker do albergue e fui dormir cheio de esperança. Acordei cedo e saí pra esperar o micro-ônibus. Enquanto esperava acabei conhecendo um grupo de brasileiros (Luana Gouveia, Rafael Maccheri, Samantha Vasques e André Taka) que me reconheceu de nome por causa do mochileiros.com, comunidade do orkut onde eu moderava e dava dicas, além do próprio altamontanha. Batemos um papo e subimos no ônibus com tempo promissor, céu azul imaculado. Assim que eu subi no ônibus escutei meu nome: “Paulo?!”. Era o Pedro, guia local que conheci enquanto tentava o Illiniza Norte, ele guiava um pequeno grupo na ocasião, e estava no ônibus na mesma posição (guia turístico) que ocupava na minha segunda tentativa no Cotopaxi. Isso significou brincadeiras sobre minha má sorte, mas também muito desejo de sorte pra esta tentativa, que prometia pelo tempo perfeito. Muito bom, uma cara familiar para a viagem seria legal.


Seguimos pra estrada. O tempo estava inacreditável! Em minutos desfrutamos da primeira vista do Cotopaxi. De fato, minha primeira do vulcão! Um gigante branco repleto de cascatas de gelo, seracs e gretas. Meu coração palpitou…


Chegando ao parque o Pedro mandou o motorista parar na grande planície a 3.800 metros pra que todos tirassem fotos, com medo de nuvens se aproximarem e acabarem com a festa. Deliciei-me com as primeiras fotos e de cara uma panorâmica do vulcão.


No estacionamento nuvens chegaram e acabaram parcialmente com a vista, pensei nesta hora “de novo não…”. Todos desceram e começaram a caminhada até o refúgio já que fazia parte do pacote dos outros passageiros do ônibus. Pagaram por um tour no parque que inclui visita ao refúgio, almoço por lá e caminhada até o glaciar. Para mim, o serviço terminava ali mesmo no estacionamento. Peguei minhas duas filhas, joguei nas costas e comecei minha caminhada solitário, escutando no mp3 um pouco de Ozzy pra descontrair a carga pesada e a garganta cortante ressecada pela faringite e pelo frio.


Desta vez, apesar de gripado subi mais rápido ainda, só cinqüenta minutos. Deixei as mochilas na salinha de entrada do refúgio e entrei. De cara fui muito bem recebido por outros dois guias que me reconheceram também no ato, e depois outros. Todos sabiam que eu era o brasileiro solitário azarado com o tempo, e que aquela seria minha terceira tentativa no vulcão. Pronto, comecei a escutar várias piadas…O engraçado é que eles não conseguem falar Paulo, então todos me chamavam de Pablo sempre. Piadas e mais piadas…rs


Saí, céu limpo mais uma vez! Fiz mais fotos. Estiquei até o espaço indicado pra camping coberto de neve, geralmente é arenoso. Condições da neve: ótima! Não estava derretendo, não havia vento e raramente alguém passava ali, agora sim, minha casa própria móvel seria devidamente fotografada em um dos vulcões mais belos da América latina!


Voltei ao refúgio. Pedro e Luiz (outro guia que me conhecia já) me arranjaram almoço de graça, beleza! Enquanto almoçava e batia papo com todo o povo multinacional na mesa, escutei: “Parofes!” com sotaque gringo e muita empolgação. Era o Gavin. Estava com o seu grupo da Earth treks (http://www.earthtreksclimbing.com/): Tim, Stephan e Dan Jenkins. Este último, Dan Jenkins, parceiro e amigo de Chris Warner (http://highaltitudeleadership.com/pages/Chris_Warner_key_note_speaking.php), escalador norte-americano com várias ascensões inéditas no Himalaia, rotas novas e etc. Que legal! Conheci os caras, trocamos rápidas palavras já que estavam almoçando. Os quatro subiram liderados pelo Dan começando a uma da manhã, junto de um guia local.


De novo na mesa, terminei a refeição, recebi alguns desejos de boa sorte e segui meu caminho solitário até o campo nevado pra poder montar meu acampamento. Como o tempo estava bom montei a barraca com calma, aproveitando cada minuto daquele dia maravilhoso e divertido. Enfim, às 14:00h o acampamento estava pronto, o interior da barraca “arrumado”, e eu estava bundiando pra lá e pra cá.



Visual da minha barraca no Cotopaxi.


A “arrumação” da barraca e vista exterior


A tarde passou rapidamente, esbarrei com o Boris no refúgio, nem sabia que ele estava lá guiando de novo. Rápido papo, pois ele estava ocupado com três clientes austríacos, parti pro meu cafofo e o conforto gelado exterior de minha barraca a 4.865 metros. Pouco depois de 17:00h derreti neve, fiz um chá e bebi, depois cozinhei a janta e comi. Fiz algumas fotos e me preparei pra dormir. Como subiria em solitário, não quis me despedir de ninguém, decidi deitar logo e dormir evitando assim formalidades.


Mesmo problema de sempre, não dormi merda nenhuma, nem um minuto sequer. O céu estrelado me chamava pra olhar o exterior da barraca e a paisagem sensacional. Escutando música comecei a rascunhar este relato, medi temperatura dentro da barraca lá pelas 22:00h e era de –4°C, do lado de fora –6.5°C. Olhei um pouco mais o céu e não acreditava em quão perfeito estava o tempo. Pensei “Nossa, parece até um pedido de desculpas do Cotopaxi pra mim!”. De repente meu relógio despertou: 23:30h. Game face on!


Levantei, fiz uma checagem na mochila e saí quase pronto depois de beber uma vitamina c e um resfenol. Levei a mochila pro refúgio, terminei de me arrumar lá, encontrei um pessoal (guias) e desejei boa sorte a todos. Depois disso comecei a caminhar a uma da manhã, sozinho. Olhando pra cima já via grupos próximos à linha de entrada do glaciar, onde voltei na primeira tentativa, já a 5.200 metros. Desfrutando do luar que iluminava o caminho e a uma temperatura que estava mais amena ainda com só –3°C, deixei a luz da lanterna no mínimo para poupar energia. Como uma formiga subindo uma árvore segui meu caminho sorrateiramente, as vezes aproveitando por estar fora do glaciar (sem risco de gretas) e fazendo o meu próprio caminho, saindo do engarrafamento de gente.


Chegando no glaciar o frio passou a ser de –6°C. Temperatura agradável, garantindo neve firme pra escalada. Melhor assim pra mim, sentia um pouco de calor com toda minha roupa e ainda a pluma. Subi a montanha passeando, olhando atentamente cada formação de gelo curiosa. As horas foram passando e fui evoluindo devagar, lutando pra proteger minha garganta do ar seco gelado dos –8°C a 5.550 metros, mas de nada adiantava.


Bem, o Cotopaxi é vendido como uma montanha fácil e que não requer nenhuma experiência, mas isto não é verdade. As vezes, caminhando, eu passava a apenas centímetros de um pequeno buraco de meio metro no chão, quando o iluminava pra olhar, não via o fundo. O Cotopaxi é coberto de gretas na rota normal e em qualquer outro lugar que se vá e 85% delas só vi na descida. Mesmo assim, fiquei impressionado. Vi no Cotopaxi uma característica que não vi em outras montanhas, toda pendente de gelo termina em uma greta e isso é terrível, pois qualquer queda sem sucesso na tentativa de self arrest vai terminar no fundo de uma greta que pode ter até sessenta metros de profundidade! Preocupante não?


Existe também épocas e épocas no Cotopaxi. Épocas em que uma grande greta se abre logo após a Yanasacha (grande parede rochosa que se vê abaixo do cume) necessitando de escadas para sua travessia assim como na cascata de gelo do Everest. Épocas em que ela se fecha com neve fresca que congela por semanas ou meses. É fácil sim, mas exposto a repleto de riscos ocultos. Todo cuidado é pouco.


Notei uma coisa muito desagradável no caminho: do lado esquerdo ou do lado direito das marcas de botas na neve sobre o glaciar, notei muitos pontos com vômito no chão. Pelo menos um a cada vinte minutos de escalada. Das três uma: Ou os clientes não queriam desistir do cume e continuavam o ataque mesmo a meio caminho de um sério problema com altitude, Ou os guias não tinham voz ativa suficiente pra faze-los descer, Ou os próprios guias incentivavam seus clientes a continuar ignorando o sinal de problemas explicitado pelos vômitos. Preocupante.


Cheguei a 5.800 metros. Há um curto trecho de cerca de quinze metros verticais de escalada em gelo. Se estivesse nevada seria fácil, caminhada na sua leve inclinação de máximos 50°, mas estava sem neve fresca e era verglass puro. Duro feito rocha, tive que cravar com força as piquetas pra escalar, solando é claro. Enquanto o fazia, um guia achou fotogênico e pediu a seus dois clientes pra esperarem um pouco enquanto ele me fotografava algumas vezes. Como procurei aquele guia depois que desci, ia pedir as fotos! Bem, continuo procurando por ele hehehe. Achei comédia, interessante ele ainda curtir a montanha e fazer fotos enquanto trabalha, comportamento diferente de um guia que provavelmente já escalou a montanha incontáveis vezes.


Bem, rapidamente terminei, enquanto recuperava o fôlego acima da escalada já, esbarrei com o Gavin e seus companheiros descendo, foram rápidos fazendo cume em pouco menos de cinco horas. Pronto, segui meu caminho já de novo sozinho por uma pequena “rua” esculpida entre dois domos de gelo já abaixo do cume. Passei por essa pequena rua, uma caminhada em linha reta virando à esquerda desse trecho de escalada de uns trinta metros, após isso uma curva acentuada à direita e bem longa, terminando em um enorme domo de gelo que faz parte de um complexo de três domos de gelo que compõem o cume do Cotopaxi. Para subir esse domo, o mínimo que posso atribuir à inclinação é de 50 ou 55°. Bem, bem exposta e pra variar, abaixo dela uma greta assusta no caso de queda.


Estava sozinho, já no topo do domo, cerca de trinta metros acima, o Boris levava seus clientes a últimos e tímidos passos pro cume do vulcão, e eu tinha que superar sozinho esta última etapa nevada, com flocos de neve enormes, quase do tamanho de pequenas bolas de gude, SOLTOS.


Boris subiu encordado com seus clientes e eu subiria sozinho. Tive que afundar mão a mão, pé a pé na rampa inclinada, adrenado, concentrado pra não escorregar ou deslocar muita neve porquê se isso acontecesse, dificilmente eu conseguiria parar com tanta neve fofa e com flocos tão grandes, e pararia no fundo da greta logo abaixo. Malditas gretas do Cotopaxi! Eu enterrava as piquetas e mãos junto e isso me deu um frio tremendo nas mãos.


Sem errar, calculando cada passada e cada afundada de mão, já com os dedos meio congelados, cheguei ao topo do domo. Uma leve trilha na neve fresca seguia à esquerda e subia a última pequena rampa pro cume, com no máximo 20° de inclinação. Recuperei o fôlego e subi já emocionado, chorando. O que despertou minhas lágrimas foi escutar os gritos dos austríacos no cume, felizes e comemorando.


Finalmente cume! Reencontrei o Boris no cume com seus clientes, mas nem fui ao seu encontro. Afastei-me uns metros e obviamente, desabei em mais lágrimas por vários minutos, oito ou nove, só olhando a cratera e seus diversos pontos de fumarolas. Catei os pedaços de lágrimas congelados que queimavam meu rosto, fiz um vídeo de cume, um dos austríacos se ofereceu pra fazer minha foto de cume e me impressionei, a foto ficou boa. Agradeci, com a máquina na mão fui até o Boris, o abracei e escutei os parabéns, primeiros de muitos!



Vídeo no cume do vulcão Cotopaxi, eu estava emocionado!


Havia ligado o gps cinco minutos antes de chegar ao cume pra dar tempo de ele alinhar, queria medir o cume já que em qualquer livro de escalada, página na internet, a referência nominal de altitude é a mesma, 5.897 metros. Como o cume do Cotopaxi não é a cratera propriamente dita e sim o glaciar, isso pode mudar de ano em ano assim como acontece com o Mont Blanc, dependendo da profundidade do glaciar. Olhei pro gps e me dava precisão de oito metros, a leitura que tive sem nenhuma alteração de pressão foi de 5.911 metros. Isso varia muito, mas pode ser que o Cotopaxi agora seja um cume de 5.900 metros e não mais 5.800 metros, o que faz sentido já que no mês de janeiro nevou no Equador como não nevava há 35 anos. No cume da montanha o frio é suficiente pra que essa neve fresca seja congelada dia após dia, incorporada ao glaciar do cume em pouco tempo. Bem, só um pensamento, uma possibilidade. Isso realmente não importa muito.


Voltei pra borda do domo de gelo e fotografei a cratera dezenas de metros abaixo, fiz três panorâmicas pra ter certeza de que uma funcionaria. Preferi pecar pelo excesso. Depois de uns vinte minutos percebi que Boris já havia descido com seus clientes (um deles levou pro cume uma guitarra inflável de borracha e fez fotos muito cômicas no cume!). Uma última dupla estava fazendo fotos. Decidi descer e comemorar fazendo esqui-bunda quando saísse do glaciar 650 metros verticais abaixo.


Com cuidado redobrado desescalei o domo de gelo do cume de novo sozinho, chegando a uma parte mais segura aproveitei pra fazer fotos do glaciar e da paisagem do vale dois mil metros abaixo!


A visão mais espetacular e ao mesmo tempo fantasmagórica que já tive, caminhar sozinho dentro do glaciar do Cotopaxi olhando pra todo lado e vendo um verdadeiro deserto de gelo, ao mesmo tempo que era observado logo acima pela Yanasacha, aquela enorme parede rochosa que parece um olho. O chato é não poder sair do caminho já marcado, pois o risco de cair dentro de uma greta, como expliquei anteriormente, é assustadoramente grande. Tinha em meu coração a obrigatoriedade de observar e registrar o glaciar pelo menos algumas vezes, sabe-se lá quanto tempo ele vai durar…Em apenas cinco anos o glaciar do Cotopaxi que ficava na linha dos 4.900 metros bem próximo do refúgio retrocedeu pra linha dos 5.200 metros, bastante rápido.


Mais um susto na descida, o vento gelado junto da mesma prática de enfiar fundo as piquetas na neve fresca com mãos e tudo não deu bom resultado. Comecei a sentir uma dor aguda no dedo indicador da mão esquerda e ao tentar move-lo, notei que estava rígido. Mas que merda, de novo?! Tirei a luva pra avaliar e ao ver o dedo me deu meio que um desespero, estava roxo e duro, bem duro. Dedo do pé estou cagando mas da mão não!!! Pra minha sorte era recente, bem recente, então não chegava a ser nem um primeiro grau o que já causaria alguma bolha, então era fácil de resolver. Nessa hora eu já tinha alcançado o Boris e seus clientes. Coloquei o dedo gélido dentro da boca, o mantive aquecido forçando ar quente de meu corpo pra boca, como se estivesse expirando mas sem liberar o ar quente. Assim em apenas uns cinco minutos consegui aquecer o dedo, recoloquei as luvas, mão dentro da pluma debaixo do braço e aqueci mais um pouco.


Junto do caso do vulcão San Pedro, este foi o caso mais assustador de congelamento em mão que eu já tive, pois dessa vez senti dor, muita dor. Para a próxima viagem, antes de mais nada, preciso comprar novas luvas. As que uso da BD não estão dando conta do recado quando o frio fica na casa dos –8°C pra baixo, e isso é temperatura normal de se pegar em alta montanha.


Depois disso o Boris já tinha feito segurança pros seus clientes desescalando o lance de verglass, então levantei e segui desescalando também. Aproveitei e tirei uma foto do refúgio e de minha barraca ao lado um pouco afastada. Única barraca, único pontinho colorido no campo nevado.


A partir dali minha descida foi rápida já que fiz esqui-bunda, aliás, não encontrei nenhuma marca de esqui bunda na descida. Possivelmente fui o único a faze-lo. Descendo rápido assim, acabei chegando ao refúgio antes de alguns grupos que já desciam enquanto eu ia pro cume.


Nem tive tempo de tirar os crampoons e já fui argüido por alguns guias sobre o cume, em seguida sendo parabenizado pelo sucesso e pela persistência. Processo este que se repetiu algumas vezes mais. Arrumei minhas tralhas e fui pra minha barraca. Lá comecei lentamente a desmontar o acampamento e jogar tudo dentro da minha mochila sem arrumar, nem a barraca entrou no saco, como estava foi pra mochila de tão feliz que estava! Voltei em seguida pro refúgio já pronto pra descer e tentar transporte/ carona pra estrada ou direto pra Quito.


Cheguei no estacionamento cansado sentindo a gripe e a dor na garganta que obviamente estava pior, havia dúzias de carros lá. Fiz um vídeo com 360° de vista do parque, troquei de bota e me agasalhei, pois fazia frio (ou eu tinha febre) e me deitei no chão agarrado às minhas mochilas e caí no sono por quase duas horas! Acordei com crianças andando perto de mim, europeus. Me olhavam como se estivessem com pena de um mendigo. Ahahahaha comédia!



360° de vista do estacionamento do Parque do Cotopaxi


Logo em seguida vi o Luiz de novo, descendo com outro grupo de turistas, perguntei sobre vaga no ônibus e fiquei feliz em receber uma resposta positiva. Pulei dentro e depois de meia hora o ônibus deixou o parque seguindo direto pra Quito. Dormi quase toda a viagem de volta pra cidade, tive febre dentro do ônibus e até calafrios, a febre deve ter sido alta. Entretanto estava feliz, realizado, sentindo o gostinho de missão cumprida. Voltar ao Brasil sem chegar ao topo do Cotopaxi pra mim não era uma opção. Perder nas duas primeiras tentativas foi uma experiência irritante. Pensei em desistir, mas, como disse no início deste texto, escutei e li o que precisava pra mudar de idéia radicalmente e meti a cara por esta terceira vez.


O melhor de tudo é que a volta também foi de graça pra mim! Que máximo, o meu custo pra escalar o vulcão foi de só vinte e dois dólares, dá pra acreditar? Vinte do transporte e dois da entrada do parque.


No geral, a viagem ao Equador não foi de todo um sucesso, mas não foi um fracasso. Esperava fazer alguns cumes a mais no próprio Equador, mas isso não rolou. Acima de tudo, não tinha nenhuma intenção de contrair uma gripe tão degradante durante a viagem, e também não queria ter meu psicológico tão abalado quanto foi. Por outro lado, conheci outro país andino incrível, pude fazer minhas observações de pessoas e comportamentos, fotos de pessoas, fiz quatro cumes e voltei pra casa com mais experiência. Não posso reclamar eu sei.


Nem tudo deu certo, mas, escalei o Coto como queria, estilo alpino e com minha barraca montada na base, sem refúgio.


Feliz. Não preciso mais passar outros três anos olhando a mesma foto do Cotopaxi no meu atlas, posso passar outros vinte ou trinta olhando as minhas fotos!


Abrazos a todos


Parofes

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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