Entramos na Avenida Brasil a 120 Km/h com todo mundo a nossa volta andando a 160 Km/h. Mal conseguíamos ler as poucas e confusas placas que apareciam e sem pedir qualquer informação fomos enroscar no Aeroporto do Galeão onde as coisas se complicaram. Numa tentativa de contornar a quadra acabamos por entrar num morro. A ruela escura espremeu-se entre duas paredes maciças e descrevendo curvas sinuosas foi subindo sem parar.
Começaram a aparecer carcaças de carros depenados e outros objetos abandonados pela rua e não havia nenhuma entrada para fazer a volta. Encontramos duas motos descendo a rua escura com os faróis apagados e seus quatro ocupantes nos mediram de cabo a rabo antes de seguir seu caminho. Foi o que me bastou para numa atitude radical e perigosa, fazer um meio cavalo de pau e forçar a descida. Ao sair na avenida reencontramos as motos estacionadas tranqüilas em frente a um templo evangélico na entrada da favela. Um táxi que encontramos num posto de gasolina nos guiou em segurança até nosso destino, nas proximidades, e lá fomos recepcionados pela Sara que já nos aguardava para o jantar.
A Juliana desenvolveu, na descida do Sino e agravou durante o passeio por Petrópolis, uma reação alérgica nos dois joelhos que suponho ser um a espécie de bursite. As rótulas estavam boiando imersas num líquido. Comprei medicamentos, pomadas e iniciei um tratamento com massagens e bolsas de água quente. Conversamos com o Hugo e a Sara até altas horas naquela noite e ao acordar na manhã seguinte vi da cobertura do apartamento a figura imponente do Pão de Açúcar elevando-se a pouca distância por detrás de uma parede de edifícios.
Superfície desafiadora de rocha nua contra um céu meio indefinido. Deixamos a Juliana deitada numa rede descansando e partimos com cordas e cadeirinhas na mochila de ataque. No aterro do Flamengo tomamos um busão para a Urca e descemos quase dentro da vila militar. Ao perguntar para um morador onde começar a escalar recebemos a informação de que aquilo era área militar onde a atividade era proibida e nos vinte anos que ele morava ali nunca viu ninguém escalando a pedra. Aquilo foi um balde de água fria em nossas pretensões, mas preferimos ignora-lo e seguimos até a estação do bondinho ensaiando algumas perguntas.
Andando pela rua começamos a ver gente pendurada em tudo quanto é pedra e nos indicaram o caminho no final da pista Capitão ou Tenente Coutinho que começa na praia vermelha. Ainda na entrada encontramos um instrutor de escalada que, com seu linguajar característico, nos informou detalhadamente do percurso a seguir, além dos hábitos e costumes das "Cachorras"com as quais estava indignado.
Ao final da pista de Cooper seguimos pela encosta rochosa até o início de uma leve aderência cercada de caraguatás. A trilha de terra escala um primeiro ombro e depois se transforma numa aderência muito inclinada de pedra nua que vai terminar nas pedras castigadas pelas ondas lá embaixo. Alguns lances de trepa-mato depois e chega-se a base de um escalão vertical de vinte metros com boas agarras e alguns bons pontos de descanso. O Pioli e o Primata equiparam-se com as cordas e as cadeirinhas e subiram sem problemas, eu comprovando a máxima do segurança que se fo… enunciada primitivamente em 1999 no Dedo de Deus subi solando.
A escalada é fácil se não olhar para baixo pois o escalão se une a uma aderência e vai acabar na água, muitos metros abaixo. Para cima começa uma trilha no meio do mato que acaba embaixo do platô onde está acentada a estação final do bondinho. Não seriam necessários nem vinte minutos para vencer o desnível se não fosse a paisagem desconcertante que nos rodeia e impõe paradas a cada passo para melhor admira-la.
O mar arrebentando-se contra as pedras bem abaixo. Inúmeras ilhas, fortalezas e barcos ao redor compõem uma visão de sonho. No alto do platô artificial visitamos as instalações do bondinho, a loja de cristais e as cervejas da lanchonete. Descemos de graça pelo bondinho até a estação intermediária e de lá por uma trilha até a pista onde havíamos começado.
No dia seguinte trouxemos a Juliana que já estava melhor e também algumas bananas para atrair os pequenos macacos sagüi que em bandos vivem por ali. As pedras do Pão de Açúcar formam uma verdadeira escola de escalada. Não tem pedra por ali que não esteja totalmente grampeada e com no mínimo dois sujeitos dependurados. Com um pincel e paciência seria possível recolher magnésio para um ano de escalada. Aliás para escalar por aqui não é necessário levar magnésio porque toda saliência de pedra está repleta do produto.
Subimos rapidamente até a parede vertical e lá encontramos uma turma entretida em tentar convencer a namorada de um deles a continuar a subida. Encalhada na metade do caminho não conseguia subir nem descer e já se formava um grande congestionamento abaixo dela. Sempre pronto a ajudar, o Primata pegou uma corda e partiu para a boa ação. Enquanto ele gentilmente amarrava a moça, a Juliana, mesmo machucada escalou pela lateral e parecendo uma aranha chegou na crista da elevação. Minutos depois o Primata começou a inçar a moça, que rodopiando e esfregando-se na pedra feito um saco de batatas logo também chegou ao topo do escalão para o delírio da platéia que esperava pacientemente a vez de subir.
Já no alto do platô, enquanto apreciávamos aquela vista estupenda bebendo uma cervejinha bem gelada às três da tarde resolvemos acabar com o dia do Paulo Marinho que naquela hora devia estar trancafiado no escritório preenchendo relatórios interessantíssimos. Pagamos uma fortuna pelo cartão telefônico e outra pela caneta, mas ligamos de lá para contar em tempo real tudo o que estávamos vendo e fazendo. Ver a cara dele naquele momento não teria preço.
No final da pista de Cooper, embaixo do Pão de Açúcar e ao lado da vila militar, o Primata quis mijar e saiu correndo sobre uma grande rampa de pedra em direção do mato. No impulso gritei – Pare, pare, devolva minha câmera. Assustados, todos os transeuntes encararam o Primata que intimidado perdeu o rebolado. A noite fomos satisfazer o desejo da Juliana de andar por Ipanema. O Primata não quis nos acompanhar e o Hugo estava muito cansado pelas duas madrugadas que ficamos conversando, então seguimos apenas com a Sara e o Pioli.
Tomamos o metrô no Catete e descemos em Copacabana, dali pegamos o busão até Ipanema. Seguimos a pé pelas calçadas da Av. Barata Ribeiro parando nas poucas lojas abertas no percurso até o mar e num quiosque de praia sentamos para bebericar algumas cervejas. O clima de insegurança é bastante nítido nas ruas e no comércio. Há muitas lojas e prédios abandonados e o mendigos dormem semi-nus pelas calçadas. Mas precisa-se mencionar o alto astral do carioca, mesmo os mais miseráveis catadores de papel cantarolam durante suas atividades irradiando uma alegria contagiante que raramente encontramos em cidadãos cheios de posses em Sampa ou Ctba.
Voltamos muito tarde e não encontramos o Primata no apartamento, isto nos preocupou um pouco, mas na manhã seguinte ele nos contou que entediou-se e para se distrair desceu do prédio, entrando numa festa de Hip-Hop que se realizava na entrada do morro que subimos na chegada. Com aquela cara de gaúcho ele deve ter passado despercebido no meio daquela tigrada toda, mas o que importa é que voltou vivo ao nosso convívio. Um gosto amargo nos invadiu naquela manhã de sábado, 27 de julho, enquanto carregávamos as tralhas no porta malas do Corsa.
Havíamos sido muito bem tratados pelo Hugo e pela Sara durante nossa estadia aqui. Os jantares que nos preparou a Sara serão para sempre inesquecíveis, mas a saudade de casa já apertava o coração. É bom partir, mas é muito melhor voltar. Dirigi até São José dos Campos, daí assumiu o Pioli que levou até o Paraná onde novamente sentei na boléia para chegar a noite em Curitiba. O Hugo Fialho morreu pouco tempo depois.