Subimos e contornamos mais este obstáculo, chamado de a Cabeça do Dinossauro com a última claridade do dia e descemos a face oposta até o Vale das Antas onde existe um gramado cercado por caratuvas imensas. A clareira é plana e possui ótimos espaços para armar as barracas. Afastado alguns metros passa um riacho de águas límpidas correndo sobre um fundo de areias brancas. Todo o perímetro é protegido do vento por moitas de caratuvas com mais de três metros de altura que formam os mocós usados como banheiros. Tratamos logo de montar o acampamento.
O Pioli encontrou um recanto separado e os paulistas armaram uma grande barraca da Trilhas & Rumos e entocaram-se todos lá dentro. Quando a Juliana entrou para arrumar o interior da nossa, encontrou um inquilino indesejado. Uma grande tarântula passeava pelo teto e foi preciso muita ginástica para conseguir a reintegração de posse sem ferir a invasora. Montamos a cozinha bem ao lado das barracas e novamente fizemos uma festa gastronômica.
Os vizinhos não botaram a cara para fora e até cozinhavam dentro do avancê da barraca. Um deles trabalha numa empresa que promove esportes de aventura e eventos relacionados. Durante o jantar notamos um movimento furtivo entre as caratuvas e fizemos uma ceva para atrair os visitantes. Não demorou e surgiu o primeiro ratinho, calmamente sentou-se nas patas traseiras e passou a deliciar-se com o biscoito que apanhou na mão da Juliana. Muito rápidos parecia que pulavam com as patas traseiras usando os rabos para manterem o equilíbrio como se fossem pequenos cangurus.
O vento frio, nosso companheiro inseparável finalmente nos abandonou e nuvens ameaçadoras concentraram-se sobre a clareira, choveu torrencialmente durante toda a madrugada. Acordamos tarde e lá pelas oito horas ainda chovia quando nossos vizinhos partiram. Calmamente esperamos a chuva cessar para fazer o café e desmontar o acampamento. O Primata fez um mingau de leite em pó e se empanturrou com ele. Como não conseguiu comer tudo começou a oferecer aquela nojeira e para não desperdiçar comida resolvi ajuda-lo, adicionei um pouco de conhaque medicinal e mandei ver.
Infeliz idéia a minha, aquele leite me fez tão mal que passei metade do dia arrotando conhaque. Lá pelas dez recomeçamos a andar ainda dentro do nevoeiro. Atravessamos o córrego por outro pontilhão e começamos a subir pelo mato fechado e encharcado. Cruzamos alguns atoleiros e muito pouco enxergávamos no túnel de mato, apenas andávamos tiritando de frio pela neblina até que a vegetação foi diminuindo e novamente apareceram as grandes lajes de pedra.
Depois da Pedra da Baleia vimos que estávamos subindo por uma aresta bastante exposta e a intervalos o nevoeiro se abria nos mostrando profundas grotas e grandes paredões de pedra nua. O vento frio nos reencontrou, mas não conseguia varrer a forte neblina, apenas abria pequenos buracos por onde conseguíamos ver alguma coisa ao redor. Andamos pela cumeada rochosa até o precipício que nos separa do Sino, ali molhados e tiritando de frio, sentamos na beira do abismo para o lanche do meio dia.
A névoa se debatia enlouquecida nas pedras e no alto já se viam manchas azuladas do céu. Apostamos alto na limpada do tempo e ganhamos a sorte grande. O vento varreu o nevoeiro para longe e atravessamos a grota dos Sete Ecos gritando e vendo os paredões verticais da Pedra do Sino contra um céu azul limpíssimo. Começamos a escalar a Pedra do Sino às quatorze horas cruzando o pequeno vale e seguindo por uma estreita fresta a esquerda até o lance do Cavalinho, uma pedra vertical que você pega o topo, vai a esquerda dela e pula como se fosse montar num cavalo.
A direita o paredão vertical do cume e a esquerda o precipício sem fim, acima o céu azul e abaixo um rebuliço de vapor. Lentamente fomos contornando o paredão e numa passagem difícil há uma escada metálica fixada à rocha, depois uma longa rampa segue em direção do azul profundo. A paisagem se alarga sobre vários lajeados e um pilar de concreto com seção quadrada e um metro de altura marca os 2.263 metros da montanha mais alta do Rio de Janeiro.
No cume vimos o Dedo de Deus muito perto e bem abaixo. Víamos também todo o Rio de Janeiro e Niterói, a ponte, o Corcovado e o Pão de Açúcar, tudo de uma só vez. Enquanto curtíamos em êxtase esta paisagem chegou uma figura exótica ao local. Alto e loiro, estranhamente vestido, descalçou as botas e começou a circular só de meias, comendo laranjas. Este sim poderia ser francês ou alemão, mas era dinamarquês e não levou nem cinco minutos para o Primata se auto convidar para o lanche na maior intimidade.
Começamos a descer para Teresópolis, perto do cume via-se alguns gramados pouco abaixo, no meio do mato e antes de atingi-los encontramos um grande abrigo construído de madeira em forma de chalé com caixa d´água, fossa e outros confortos. O Primata diz que foi construído no ano anterior com o uso de helicópteros. Em frente a trilha segue bem plana e com alguns trechos alagados, depois começa a descer em grandes zig-zags que nunca acabam. Muito larga em meio a paisagem exuberante que lembra um pouco a Conceição vai descendo lentamente.
Ficamos indignados quando o Primata a ela se referiu negativamente, pois ficava cada vez mais bonita. Monótona em sua beleza, não saia do lugar perdendo-se em tantos zig-zags. Contam que foi aberta para conduzir os aristocratas em suas liteiras até o alto da serra como foi moda durante o final do período imperial. Mal havíamos começado a percorrê-la e já estávamos dando plena razão ao reclamante e tomávamos todos os atalhos que encontrávamos, mas cientes do problema a eficiente administração do parque tratou de gastar centenas de metros de arame farpado para preservar o percurso original.
A trilha arrastou-se até a sede do parque, muitos zig-zags abaixo aonde chegamos a noitinha. Descansamos um pouco no começo da trilha aérea e depois voltamos a andar pela estrada até a entrada do parque aonde chegamos às 18:00 horas. Na guarita descobrimos que o último ônibus parte da rodoviária as 19:00 horas para Petrópolis e também que não precisamos pagar nada ao parque que fecha a bilheteria as 17:00 horas deixando livre da taxa todos os que saem depois deste horário.
Examinadas todas as alternativas resolvemos correr até o ponto de ônibus mais próximo. Embarcamos e depois de descer no centro voltamos a correr feito malucos pelas calçadas até a rodoviária. Depois de percorrer 45 Km a pé pelo alto da serra esta última corrida foi de matar. Embarcamos menos de cinco minutos após comprar as passagens e novamente atravessamos a serra. A quarta vez em quatro dias e apesar de estarmos a três dias suando e sem banho nossos companheiros de viajem não cheiravam muito melhor que nós e talvez por isto não reclamaram.
Em Petrópolis, de banho tomado, queríamos comer um espeto corrido para recuperar o atrasado e com a ajuda da anfitriã começamos a procurar uma churrascaria. A Fátima esgotou todas as tentativas e não conseguimos achar aberto um gaúcho sequer naquela noite de terça-feira e afinal nos contentamos com a velha pizza. Mas como também não havia pizzaria aberta tivemos de encomendá-las em um disk pizza e levá-las para comer em casa. Uma quarta pizza desceria muito bem, mas lembrando de toda a ginástica necessária para conseguir as três anteriores resolvemos deixar a gula para o dia seguinte durante o planejado tour pela cidade.
Acordamos tarde naquela manhã preguiçosa e após nos livrar do Primata partimos para o Museu Imperial, almoçamos fartamente num restaurante nas proximidades e dali para a Catedral, depois a casa de Santos Dumont e alguns comércios de cristais. Tudo a pé e no ritmo das passadas rápidas da Fátima, andamos por becos e avenidas, cruzamos muitas pontes e apreciamos velhos palácios. Nossa anfitriã aparenta estar um pouco deprimida por sua recente perda, mas desdobra-se em atenções para melhor nos atender.
Planeja uma insensata caminhada solitária até Aparecida, sonha comprar um Jeep e levar uma vida errante, sem mencionar o fato de nos recolher em sua casa. Os amigos do Primata são conhecidos por não ter todos os parafusos no lugar. Na noite anterior ainda discutíamos o que fazer em seguida. Pensamos em escalar o Dedo de Deus se o tempo ajudasse e o tempo estava ótimo. Cogitou-se escalar o Pico da Bandeira na Serra do Caparão, mas a distância a percorrer nos desanimou. Visitar as Agulhas Negras a meio caminho de casa parecia o mais lógico, mas tivemos notícias de que devido ao incêndio do ano passado estavam exigindo guias e não nos havíamos cadastrado em tempo hábil.
Continua nas pedras do Pão de Açúcar….
Na verdade estávamos cansados demais para fazer qualquer coisa mais pesada e queríamos apenas prolongar aquela moleza.