Uma enorme porta de aço cravada na montanha c/ uma placa q anunciava laconicamente “Proibida a entrada de pessoas estranhas”, quiçá nos avisasse dos perigos daquele outrora túnel de escoamento. O Julio teve a honra de abrir a porta e lá fomos nós, sendo engolidos pelo negrume q veio a seguir, c/ a boca do túnel se transformando num pequenino e distante ponto de luz a medida q ingressávamos nas entranhas da montanha. O túnel é bem espaçoso (4m alt x 5m larg) e, por incrível q pareça seco nalguns trechos, embora boa parte dele estivesse imerso em poças formadas por água mineral escorrendo pelas paredes.
Enqto avançamos o bréu total só era rompido pelo facho da lanterna do Julio, q ora apontava algumas numerações na parede ou iluminava os inúmeros morcegos residentes q davam rasantes sob nossas cabeças! Embora o túnel tivesse 1500m de extensão e terminasse numa comporta de aço, não andamos nem 200m não pq lá pela metade a água parecia chegar na altura do joelho, misturada às fezes dos nossos amigos voadores, mas sim pelo horário avançado daquela tarde. O retorno se fez tranqüilo, e c/ o sentimento de ter o dia ganho em pouco tempo já estávamos no ponto onde deixáramos as mochilas, tomando a picada em direção a “Cachu dos Cabos”, onde paramos p/ descansar e beliscar alguma coisa a beira de um poçinho de água cristalina, as 16hrs.
As 17hrs voltamos até a encruzilhada c/ o “Cristóvão” e continuamos pela “Conceição” sentido Rio Cotia, agora a passo rápido. Andamos durante um bom tempo em meio a brejos, cruzamos 3 córregos e uma decrépita ponte de madeira. A esta altura estávamos bem cansados, e a noite mal dormida no busão cobrava seu preço, c/ direito a mtos tombos meus. A Márcia cochilou sentada na breve parada no Rio Manilhado. Já escurecia qdo alcançamos, as 18:20, o q restara da “ponte de troncos” do grandioso Rio Cotia (570m alt.), mas ainda não era aqui nosso pernoite. Voltamos uns 100m pela trilha ate tomar, à direita, a picada q acompanha o rio serra acima.
Assim, sob o facho de lanternas subimos a ardilosa trilha de pedras e brejo, ate o trecho onde se cruza p/ outro lado do rio, travessia feita c/ + segurança enfiando a canela na água à arriscar pular por pedras lisas como sabão. Do outro lado do rio, a picada sobe s/ maiores dificuldades ate a hora de cruzar o rio novamente. A escuridão da noite, mesmo faiscando de vagalumes, transforma o sussurro doce do rio num rugir amedrontador, tornando uma simplória travessia em + um trabalho de Hercules. Assim, avançamos c/ cautela redobrada por entre as gdes pedras do rio, nos equilibrando c/ as cargueiras nas costas e desviando das piscinas de águas límpidas até a base do platô e subir pela encosta para finalmente alcançar o local de nosso pernoite, o “Disco-Porto” (740m alt.), as 19:30! Nos estiramos na laje de concreto p/ descansar e enqto os demais iam chegando, apreciávamos o imponente contorno do Ibitirati silhuetado num céu coalhado de estrelas!
Não era a toa q o “Disco-Porto” recebia aquela denominação; encravado no meio da Serra do Ibitiraquire e das + altas montanhas dali, aquele vasto platô artificial – na verdade, um antigo acampamento de obras – não apenas seria o local apropriado p/ aterrissagem de eventuais seres do espaço como tb era o local ideal p/ pernoite no meio de td aquele terreno acidentado. Montamos as barracas cada um num nicho de sua preferência e de lá não arredei pé! Estava exausto, morrendo de sono, c/ corpo td deteriorado, dolorido e ardendo dos ralados; mal belisquei alguma coisa e “desfaleci” no meu saco de dormir. Eventualmente acordava naquele estado básico entre sono e vigília, e percebia q o resto do povo preparava pacientemente uma janta cheirosa de arroz, feijão e macarrão. E tornava a cair no sono, naquela noite q mostrou-se fria e úmida durante a madrugada.
Levantei as 5:30 do domingo, mas fiquei enrolando por meia hora. Qdo espiei fora da barraca vi q o Paulo e Zig já estavam posicionados clicando a bela alvorada daquele privilegiado mirante! De um lado tínhamos um formidável visual da serra se esparramando p/ litoral; do outro, as paredes rochosas do Ibitirati, a encosta forrada de mato do Ferraria e o Caratuva nos cercavam tal qual um anfiteatro de pura pedra! A medida q os raios solares tocaram nossas barracas naquela manha de exatos 6º C, fomos levantando e enqto tomávamos café nossas mochilas foram engolindo o equipamento.
As 8:30 fizemos um rápido ataque à “Janela de Cotia”, próximo dali. Assim, bordejamos a encosta de mata em direção à base do Ibitirati, passando cuidadosamente sobre o Rio Cotia pelos 4 dormentes q restaram da antiga ponte dos vagonetes e, em meio a muita lama e brejo, chegamos no portão de aço cravado na rocha, desta vez menor q o da “Conceição”. Entramos e fomos ate o final dos seus 500m, alternando trechos secos, planos, acidentados e/ou molhados. Víamos precariamente a luz de onde entráramos, mas não víamos a luz no fim do túnel. Tal qual a “Conceição”, uma comporta de aço nos separava do resto da montanha. Ali perto, curiosas formações “fálicas” de cálcio brotando do chão (estalagmites) são motivos de gozação do Julio, enqto os de cima (estalagtites) são clicados à exaustão por sua beleza menos pornográfica!
Retornamos apenas p/ pegar as mochilas e colocar pé na trilha novamente, as 10:10, atravessando o rio e descendo a mesma trilha do dia anterior, agora prestando + atenção aos detalhes q passaram desapercebidos na escuridão, como muros de arrimo e fundações de casas em meio à mata. Antes de cruzar novamente o rio p/ descê-lo em definitivo, subimos uma vala pedregosa apenas p/ clicar poços e cachus do Rio Cotia de uma margem de seu leito c/ visu privilegiado, no mesmo instante em q ameaçou chover.
Dali até a “Trilha da Conceição” e “ponte dos troncos” chegamos num piscar de olhos, as 11:30. Pelo desvio q cruza o rio + abaixo retornamos ao trilho, agora uma precária estrada florida por onde andamos um tempão, tendo como cia apenas alguns tucanos barulhentos. As 12:30 uma picada deriva pela esquerda do caminho principal. É a continuação do “Cristóvão”, vindo do cruzamento p/ “Janela da Conceição”. Não demora ate outro caminho nos interceptar pela esquerda, q em 10min nos leva à “Piscina do Elefante”, um enorme reservatório de compensação abandonado da década de 50, hj tomado pelo mato e muito pé-de-goiaba.
Ate aqui fomos apenas eu, Julio e o Zig, onde alcançamos um belo mirante c/ largas vistas da serra despencando abruptamente na planície do Bairro Alto, distrito rural de Antonina. Um belo e colorido exemplar de surucuá gentilmente pousou p/ o Zig, enqto a macacada fazia uma tremenda algazarra mata adentro. Ainda ladeando as paredes do reservatório, chegamos finalmente nas estruturas e fundações de onde partia um “Aquaduto” de concreto c/ tubos de aço (infelizmente roubados) q corta a selva e vai ate o edifício da Usina de Cotia, no Bairro Alto. Contemplar estas ruínas teve a mesma sensação de descobrir algum templo perdido numa “rainforest” qq da Birmânia ou da Guatemala! E a comparação não é gratuita: cipós, mata e raízes envolvem as estruturas de tal forma conferindo a estas reminiscências da historia um charme e beleza impares, realçado ainda + pelo jogo de luzes no interior da floresta. Pausa p/ muitos cliques q registrassem imagens q já tinham valido aquele dia! Voltamos à “Conceição” apenas p/ descer o restante da estrada, ignorar a trilha p/ “Cachu do Saci”, passar 2 vezes por baixo do velho “Aquaduto”, e em seguida alcançar as primeiras casas do Bairro Alto, as 14:30hrs! Paramos no primeiro botequinho q encontramos a fim de nos informar dos horários de bus e, claro, comemorar o final da empreitada com refris e brejas! Com tempo de sobra, rumamos pras ruínas do edifício da Usina de Cotia, onde tomamos um merecido “banho de índio” nas águas geladas do Rio Cachoeira. Um digno “grand finale” p/ lavar a alma de tds. Bem, de quase tds, já q apenas eu, Guto e Zig criamos coragem de cair de fato na água.
Na seqüencia, tomamos o busão p/ Antonina as 17:15hrs, onde chegamos sacolejando uma hr depois, e de lá pegamos imediatamente condução regular p/ Curitiba, onde chegamos as 20:15hrs. Nos despedimos de nossos novos amigos, e zarpamos p/ “Terra da Garoa” as 21hrs, onde finalmente chegamos na metade da madrugada de segunda, c/ algum tempo de sobra p/ descansar e encarar mais um dia de labuta, à contragosto.
Detentor da filosofia do “é preferível se arrepender do q foi feito àquilo q se deixou de fazer”, tivemos a rara e prazerosa oportunidade de palmilhar por completo esta picada menos conhecida, fazer novos amigos e, principalmente, voltar no tempo.
Detentor da filosofia do “é preferível se arrepender do q foi feito àquilo q se deixou de fazer”, tivemos a rara e prazerosa oportunidade de palmilhar por completo esta picada menos conhecida, fazer novos amigos e, principalmente, voltar no tempo.
Essa é a “Picada do Cristóvão”, q leva esse nome em homenagem a um sitiante do sec. XVIII, e concentra em seu trajeto um imenso campo de ruínas de várias épocas até se perder no tempo. E embora existam tantos vestígios monumentais, a maioria destas reminiscências ainda se encontra sutilmente escondidas, esperando ainda p/ serem descobertas por algum andarilho mais determinado em percorrer este trilho colonial. Mas q não apenas pelo prazer do desafio, mas sim p/ ajudar a preservar e manter este pedaço esquecido de nossa historia. Dessa forma, é possível fazer c/ q esta antiga vereda torne novamente a ouvir pegadas no seu chão úmido por mais e mais tempo.
Texto de Jorge Soto – http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html – Fotos de Paulo Marinho