Por: Igor Spanner
E lá fomos nós de novo… Lembro direitinho como começou toda essa história de encarar a famosa e tradicionalíssima via Leste do Pico Maior, dos Três Picos, na região de Salinas, em Nova Friburgo – RJ.
Foi em uma excursão do ano passado, acho que na Agulha do Diabo ou no Dedo de Deus, que o Márcio veio com uma história de que a gente tinha que fazer a via Leste do Pico Maior, porque a via era clássica, e Salinas era “a Meca” dos montanhistas, e que não podíamos ficar sem escalar essa via, etc. Logicamente, a gente imediatamente concordou e disse que, em 2009, esse seria o nosso projeto: entrar na via Leste. Só que, até então, eu não tinha a menor idéia de que via era essa, nem como era e nem onde ficava. Mas concordamos em ir. Isso é o que dá adotar a política do “topo qualquer parada”.
Alguns meses depois, fui pesquisar na internet algumas informações acerca da tão famosa via Leste. Aí caiu a ficha (mas ainda ficou um pouco presa… ela só acabou de cair mesmo foi no dia da escalada, quando entramos na via). A via Leste não é uma simples via, trata-se de um “Big Wall” com uns 700 metros de parede, tendo sido considerada essa via, por muito anos, a maior via de escalada do Brasil. Bem, acho que assim ficou explicado de onde surgiu e de quem partiu essa idéia doida de entrar na via Leste.
E começamos a preparar a nossa investida à Leste em junho, quando marcamos a data e começamos a procurar um guia. A idéia era ir com um guia que conhecesse a via de escalada, pois vários amigos montanhistas e membros de outros clubes já haviam dito que é bem fácil “se perder na parede” quando se escala a via Leste, além de ser bem fácil também se perder nos “trocentos” rapéis da volta. Pois bem, o Santiago entrou em contato com o pessoal do Clube Excursionista Carioca, eu entrei em contato com o Waldecy, do CERJ, e Fábio Gandra contatou uns amigos lá de Friburgo que conheciam bem a via. O pessoal do Carioca estava viabilizando uma dupla para nos guiar lá, quando o Fábio Gandra nos trouxe a notícia de que o amigo dele, Rafael Sardinha, seria nosso guia na escalada. “Fechou então”, pensamos. Estava tudo certo: guia confirmado, alojamento já escolhido, previsão de tempo melhorando a cada dia, e participantes prontos para escalar. Seríamos duas cordadas participantes (Igor e Márcio, Rogério e Júlio) mais a cordada guia na frente mostrando o caminho (Rafael e Fábio Gandra).
É, teria sido assim… Simples. Mas na montanha sempre vale aquele velho ditado: “se podemos dificultar, para que facilitar?”. Na quarta-feira, o Fábio me passa um recado no celular dizendo que o Rafael estava doente e que não tinha certeza se poderia guiar a gente na Leste. Nisso a previsão do tempo estava perfeita. Falei com o Fábio na quinta, e nada do Rafael melhorar…
Chegou sexta-feira. Vamos, não vamos? Resolvemos ir… Na sexta, ainda peguei uma dicas preciosas com o Waldecy e com o Rafael Villaça, mas a ficha agora sim começava a desenrolar e cair de verdade: a vontade de ir era tanta que íamos entrar, à vista, na Leste mesmo.
E fomos… Saímos às 8h de sábado de Resende, eu, Júlio, Rogério e Fábio com destino a Volta Redonda, onde nos encontraríamos com o Márcio e seguiríamos apenas em um carro. Por volta das 9h30min, saímos de Volta Redonda. Seguimos até o restaurante Paraíso da Serra (aquele próximo à Santinha do Dedo de Deus), onde paramos para almoçar, por volta do meio dia. Comemos muito, muito mesmo, e seguimos viagem para Salinas. Tentamos não perder, porque queríamos chegar ainda de dia para fazer um reconhecimento da trilha até a base da via, seguindo as recomendações do pessoal que já tinha feito essa escalada.
E passa povoado aqui, vilarejo ali, pega estrada de chão, sobe barranco acolá… Chegamos, finalmente, por volta das 16h, ao abrigo “República 3 Picos”, do Paulo Mascarin, o abrigo que fica mais próximo da base das montanhas. E realmente o local é fantástico. São paredes gigantescas de rocha e muitos picos para se subir. Realmente monstruosos os Três Picos e o Capacete ao lado.
Rapidamente descarregamos as coisas e identificamos todo o traçado da via, acompanhando o croqui do Guia da Região dos Três Picos, do Sérgio Tartari. O Júlio e o Márcio ficaram organizando as coisas no acampamento do abrigo enquanto eu, Fábio e Rogério fomos rapidamente fazer o reconhecimento da trilha, evitando atrasos e erros no dia seguinte, pois a caminhada até a base da montanha seria feita ainda de madrugada no dia seguinte.
Iniciamos a trilha às 16h45 e chegamos, sem maiores dificuldades, às 17h20 minutos na base da escalada. Fomos o mais rápido que conseguimos para aproveitar a luz do dia ainda. A ficha então caiu mais um pouquinho… A via é realmente muito grande. Já vi que teríamos muito trabalho no dia seguinte, uma vez que essa seria a primeira escalada em “Big Wall” de todos os participantes… Mas, como nessa vida, para tudo sempre há uma primeira vez, lá fomos nós.
Rapidamente, voltamos ao acampamento, aonde chegamos às 17h45min, e tomamos um banho gelado, mais tão gelado, que chegou a doer a cabeça e todas as articulações do corpo de tanto frio. Parecia mais uma ducha de granizo que de água. Mas ficamos limpos!.
Fizemos um lanche reforçado e passamos a coletar mais dicas com o pessoal que estava por lá e já conhecia ou tinha acabado de fazer a via Leste. Alguns retornavam da montanha por volta das 19h30min. A nossa maior preocupação, por incrível que pareça, nem era com a escalada em si, com a subida propriamente dita, mas sim com a descida, que é feita somente por rapéis em paredes, fendas e até chaminés. Muitos relatos na internet alertavam sobre a dificuldade de se localizar os grampos da via mais usual de descida (a via Sylvio Mendes), principalmente se for feita à noite.
Começamos nossa concentração para a escalada: Fábio e Rogério trataram logo de ir para a barraca descansar, Márcio e Júlio ficaram com o pessoal que estava por lá, dentro do abrigo, contando e ouvindo muitas histórias de montanha, e eu fiquei do lado de fora apenas contemplando a beleza e serenidade do local. O céu estava absolutamente fantástico, totalmente limpo e estrelado, e fazia um frio considerável, mas purificador ao mesmo tempo.
Quando o Júlio e o Márcio saíram, por volta das 20h30min, fomos todos dormir, porque havíamos combinado de tocar a alvorada às 4h do dia seguinte, para percorrer a trilha ainda à noite e iniciarmos a escalada com os primeiros raios de sol, conforme a orientação do pessoal montanhista. E assim fizemos…