Apesar da encomenda, o que nos saiu foi algo um pouco diferente das verdadeiras condições Invernais. As temperaturas subiram bem mais alto que a modesta altitude de 1925 metros do Cântaro Magro (por direito de honra, o verdadeiro cume da Serra da Estrela) e atingiram valores acima dos 10 graus. No entanto, o clima esse deixava brilhar o Sol e, o céu de um azul intenso obrigava a escalar qualquer coisa. Algo teria de sair, neste magnifico dia de horizontes longínquos.
Fomos então à caça de faces norte, a única orientação que poderia permitir alguma escalada mista digna desse nome. ,
Desde a estrada, observámos atentamente todas as paredes sombreadas que íamos descobrindo no vale do Covão do Ferro, imaginando vias a interligarem escassas linhas de neve ainda entalada entre os diedros e blocos de granito.
Abandonámos o carro num pequeno estacionamento que antecede a arqui-famosa “Curva do Cântaro” (inteiramente ocupada por viaturas que se esqueceram de estacionar em “espinha”, de forma a deixar lugar para mais alguém) e decidimos ir dar uma vista de olhos ao “Cântaro Raso”, mesmo ali ao lado.
Há uns dias, o grau de humidade era tão elevado que fomos obrigados a abandonar ali uma cinta à volta de um bloco, deixando para trás, via “rapel”, uma linha que nos pareceu interessante. Agora, merecia a pena uma nova vista de olhos. ,
Uma pequena linha elegante de neve subia um diedro evidente.
A sombra mantinha as temperaturas frescas. “Mmm… isto parece prometer!”
No inicio do primeiro lance. "A coisa promete!"
Ainda no primeiro lance.
Para cima não avistávamos a continuidade. Tratava-se de um erro de perspectiva provocado pela proximidade. As paredes de rocha vertical impedem a visão das “colagens” da neve, instalada em ângulos menos verticais. Desde baixo, colados à parede, parecia “tudo rocha”. ,
Uma “piolada” confirmou a consistência aceitável. Pena as temperaturas altas que impediam a congelação perfeita da neve, agora devidamente transformada.
No entanto, a linha apresentava boa pinta. Merecia uma tentativa.
De imediato, o terreno empinou e, apesar das dificuldades nunca se elevarem a valores insuportáveis, a escalada manteve uma continuidade surpreendente.
A chegar à primeira reunião.
Perspectiva da primeira reunião.
Fomos interligando placas de neve, entrecortada por passos um pouco mais desafiadores. As protecções, colocadas em fendas perfeitas ofereciam o grau de confiança necessária para arriscar um pouco mais, nalgumas curtas secções em que os crampons elevavam-se apenas em neve efémera.
No final do segundo lance.
Ainda no final do segundo lance. Erva tracção… do melhor!
A curiosa entrada na segunda reunião.
Os piolets eram traccionados ora em neve suspeita, ora em gancheios precários, ora… em nada de nada, sendo nestes casos relegados para segundo plano, inúteis, naqueles passos em que era mais eficiente utilizar as mãos para progredir. Era o “with or without you” relativamente ás ferramentas de alpinista ou, traduzindo como deve ser: “Contigo ou… sentigo!”
Piolos para quê, se…
O Sol radioso, saudou-nos no topo do Cântaro Raso.
A partir desse momento, as sombras da parede norte albergavam uma estética via de escalada mista, num terreno mais aéreo que a primeira visão fez supor. ,
A Serra da Estrela sempre a surpreender!
A Daniela prestes a realizar a ultima parte da via.
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Pouco tempo depois, a uns quilómetros de distância para sul, tínhamos à frente um belo prato de Mexilhões e uma alegre sangria para celebrar a nova escalada. E nos pés… umas sandálias de Verão… sim, porque afinal, o Inverno já terminou!