Recomeçando no Caparaó

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Voltar ao Brasil depois de conhecer mais montanhas nos Andes não é fácil. Precisava fazer isso de uma maneira diferente, indo a um lugar novo, ares novos, montanhas novas! Por isso decidi ir conhecer o Parque Nacional da Serra do Caparaó, criado em 1961. O motivo pelo qual nunca havia visitado o parque antes é simples, a distância e a mundana vida corrida de São Paulo.


Os números assustam, para viagens que normalmente faço por aqui o custo da passagem para chegar não passa dos cinqüenta reais quando muito, ou uma “vaquinha” na gasolina e por aí vai. Para chegar a Manhumirim a passagem já me custou pesados R$ 108,00 que já joguei pra frente pra ver como fica depois, pior, parcelando em três vezes. Chegando lá a viagem não acabou, é preciso pegar outro ônibus para Alto Caparaó, cidade onde fica a entrada mineira do parque, mais R$ 4,10. Na praça principal de Alto Caparaó há uma placa que diz que São Paulo dista 830 kms! É muito chão…

Enfim, pé no atoleiro e fui. Quando sentei no ônibus às 19h de sábado dia 24 de abril, que tinha como destino final Carangola (outro pequeno município mineiro), mil e uma coisas começaram a me ocupar os pensamentos. Aqueles que comecei a ter em 1996 quando larguei emprego pela primeira vez pra mochilar, iguais aos que tive em 2006 quando larguei de novo outro emprego para mochilar mais uma vez. O desgraçado “e agora?”. Mais uma vez respirei fundo, pensei e sintetizei a resposta eu mesmo “relaxa Paulo, a vida é muito curta pra se preocupar com isso, viva!”. Foi suficiente, pragmático. Resumindo em palavras cultas sem perder as estribeiras e a etiqueta: CAGUEI PARA ESTA PORRA!

O motorista se apresentou, ligou o carro e antes que ele deixasse a rodoviária Tietê para mais uma longa viagem de cerca de 12 horas, um outro funcionário da Itapemirim distribuiu uma revista chamada “Na Poltrona” para cada um dos passageiros. Revista essa que eu não conhecia até então. Gostei muito da editoração, serviço gráfico muito bom (o emprego que larguei em 2006 era uma gráfica em que trabalhei na área financeira por quase 9 anos) e matérias interessantes.

É preciso saber ler nas entrelinhas e captar mensagens subliminares que chegam quase que com o vento (ou pelo menos é confortante rotular assim he he he), virando as páginas vi uma reportagem de sete páginas sobre a Serra dos Órgãos, aquele lugar maravilhoso. Era justamente o que eu precisava ver e ler para me colocar no clima.

Está bom? Mais? Lá vai: Por formação sou Historiador. Virando mais páginas vi uma excelente matéria acadêmica escrita pela Historiadora Mary Del Piore sobre a Marquesa de Santos, que foi amante de D. Pedro I e com ele teve 3 filhos. Super interessante o artigo de apenas duas páginas.

É isso, adorei a revista. Combinou duas coisas que eu adoro. Hoje cedo quando cheguei em casa escrevi para a redação parabenizando o trabalho.

Continuando…

Faz um bocado de tempo que tento marcar de ir ao Caparaó mas sempre sai algo errado ou o tempo não é suficiente. Agora que eu fiz meu tempo, poderia passar lá quanto tempo quisesse curtindo o local. Assim sendo, fui só com passagem de ida. Calma, também não ficaria lá mais 70 dias, disse pra lili que voltaria quarta ou quinta-feira rs.

A viagem foi longa, interminável. Sequer luz do dia eu tinha para admirar as paisagens, viagem noturna não proporciona isso. Tentei dormir o máximo e quando não dormia, meus amigos Mozart, MD45, Megadeth, Williams e Basil Poledouris me faziam companhia.

Pela manhã de domingo dia 25 desci na pequena e simples rodoviária de Manhumirim, Minas Gerais. Ali mesmo me informei e comprei a próxima passagem com a Empresa Rio Doce ao custo de R$ 4,10 para o município Alto Caparaó, mais uns 25 kms de viagem, cidade que fica a quase exatos 1.000 metros de altitude. Se eu tivesse chegado um pouquinho mais cedo sairia quase que imediatamente para lá, mas sem problemas, aguardei o próximo.

Cheguei em Alto Caparaó às 09:20h. Me informei no bar atrás da igreja da pracinha sobre o caminho para a portaria do parque. Fiquei surpreso, era a rua ao lado! Cidade pequena é uma mão na roda. Lá fui eu subindo a rua…Me veio à cabeça a minha passeada pelo Pico do Lopo em 2008 na também mineira Extrema, aquela estrada da Embratel (8km), inacabável…Tão inacabável que bivaquei na estrada mesmo he he he…Então, subindo e logo cheguei na portaria, era dez da manhã e eu já suava bastante, fazia calor, pra mim muito calor. A diferença é que esta subida é de meros 2 kms.

Me registrei, bati um papo com o guarda-parque que aliás era muito gente boa, educado. Me disse que havia bastante gente até mais acima, o que não gostei. Mas subi com a esperança deste cenário mudar porque era domingo, geralmente é dia de descida pois segunda a vida de correria por dinheiro recomeça. Comecei a subir, fotografei a placa indicativa e me concentrei na longa subida de mais 6kms até o primeiro camping chamado Tronqueira, a 1.970 metros. Será que as estradas desgostam de mim? Nunca fiz nada de errado com elas he he he…

Carona? Que nada, ninguém dava. Durante a minha subida de 2 horas passaram por mim dezenas de carros subindo e depois de dez minutos desciam. Me ignoravam por completo quando de meus apelos por carona sob sol e gotas e gotas de suor caindo nas vistas. A maioria era caminhonete tipo S10 e Ranger, com caçamba vazia! Bastava o cara mandar eu pular ali e pulava mas não. Tudo bem, nada dá 100% certo mesmo. Pelo menos pouco antes de chegar lá em cima um Quati apareceu com sua família toda pouco acima do barranco ao lado da estrada, manteve sua família escondida mas ele não agüentou de curiosidade e me observou. Foi suficiente para eu fotografa-lo! Pelo menos isso…

Depois de um bom martírio cheguei ao camping. Muito legal e como tudo que eu vira até então, uma ótima infra-estrutura. Claro, tinha que me sentar um pouco, tomar um pseudo banho na torneira que ali há. Quando sentei já limpo e com outra camisa porque a outra desapareceu em meio a um litro de suor, um rapaz se aproximou com uma prancheta e me pediu para responder uma pesquisa.

Sem problemas! Precisava de uma parada mesmo! Era sobre os atrativos turísticos da cidade e características relevantes ao turismo de aventura. Levou uns cinco minutos ou talvez dez. O rapaz era gente boa, ficou interessado por eu ir sozinho e até pediu pra tirar uma foto comigo! Claro, tiramos a foto!

Enquanto eu o respondia via os carros indo embora, pessoas descendo. Uma van com umas quinze pessoas desceu, era um guia e seus clientes que haviam subido o Bandeira. Por último desceu uma menina do sul, sei que era do sul pois ela falava muito “guri” nas suas frases. Me disse que duas amigas estavam descendo mas não se lembrava se ainda havia gente no Terreirão.

Terminei a pesquisa com o rapaz, peguei as duas mochilas e fui embora. Mais 3.7 kms de trilha pra chegar ao segundo camping do parque na parte mineira, Terreirão a 2.370 metros de altitude. Ainda estava sem pressa. Continuei no mesmo passo só que agora é possível curtir o caminho só pelo fato de ter o nome “trilha” e não “estrada” apesar de serem bem similares de tão aberta que é a trilha.

Encontrei as duas meninas descendo. Elas me disseram que acima só havia um casal com um guia e que não iriam acampar, eu ficaria sozinho então lá.

O tempo começou a mudar, muitas nuvens tomavam conta do céu diretamente acima de mim, o que não ajudava muito pra fotos. Por isso, nem desci para ver a cachoeira bonita que tem 80 metros de queda d’água, seria desperdício de energia sem luz solar pra caprichar nas fotos. Ignorei a marcação de entrada e segui para cima. Depois de pouco menos de duas horas cheguei lá no Terreirão, já cansado e com a virilha doendo. Sinto essa dor sempre que fico um bom tempo sem atividades físicas e ando muito em seguida. Passava pouco das duas da tarde, tinha bastante nuvem no céu que abria e fechava rapidamente apesar de pouco vento.

O casal estava lá mesmo com o guia se preparando para descer. Bati um papo com o guia (que não me lembro o nome), ele disse que talvez subisse na manhã seguinte pra me acompanhar pois nunca ouvira falar do Tesouro e Tesourinho. Até então eu tinha intenção de subi-los também.

Preguiçosamente montei minha barraca, fiz meu almoço, fotos, vídeos, descansei…Quando deu 16hs eu comecei a reorganizar o lixo do camping, que tem uma baita estrutura, gostei muito. Mas as latas de lixo estavam bem cheias e os quatis abrem catando o que comer. Recoloquei o lixo nas latas e fechei direito. E são vários tambores de lixo daquele grande, uns seis ou sete.

Agora tinha que dormir, estava exausto, com dores na perna, sozinho…jantei uma feijoada (a que saudade que eu estava da swift!) e fui dormir. O dia seguinte seria teoricamente duro!

Continua…

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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