No último sábado, dia 30 de janeiro, Delcides Félix de Oliveira, sub tenente reformado da Polícia Militar do Paraná, faleceu no Marumbi. Conversamos com o montanhista Rafael Wojcik, que presenciou o ocorrido e conta como foram as últimas horas do policial em mais um triste acidente fatal na Serra do Mar paranaense.
O dia amanheceu entre nuvens, mas apesar do tempo não tão perfeito, a temperatura amena era convidativa para uma caminhada em montanha naquele sábado, o último do mês de janeiro de 2021. O mês havia sido chuvoso e caloroso, como sempre é o verão, considerado temporada baixa no montanhismo brasileiro.
O cume do Olimpo, que no alto de seus 1539 metros, apresenta um desnível de 1100, sendo um treino para alguns e um desafio para outros. Para Félix, corredor e muito ativo fisicamente, subir o Marumbi era um treino forte. O sub tenente aposentado era praticante de corrida, tinha uma vida ativa e conhecia bem a montanha. Mesmo com todos os indícios que esta seria mais um ataque com sucesso a uma das montanhas mais famosas do Sul do Brasil, o passeio acabou terminando de forma trágica.
Na companhia de mais 5 amigos, Rafael também é um veterano das montanhas. Escalador há mais de 25 anos, ele é sócio de uma loja de equipamentos de montanhismo e foi atraído pelo Marumbi pelos mesmos motivos, mas o destino quis que Rafael fosse uma das últimas pessoas a encontrar com Félix ainda com vida.
O Resgate
“Eu estava subindo pela frontal e por volta das 10:50 encontrei o senhor caído cerca de 30 metros abaixo da maior sequência de degraus antes de chegar ao Olimpo”. Relata Rafael, comentando como foi se deparar com Félix ferido na trilha principal do Pico do Olimpo: “Felix estava acompanhado de um amigo, consciente, porém com um corte profundo na testa e relatando muita dor na região das costelas”.
Questionado como foi o acidente, Rafael afirma que Félix sofreu uma queda. Porém nem ele e nem seu companheiro de caminhada presenciaram o acidente: “Felix caiu logo no início da sequência dos grampos, onde havia uma poça de sangue e foi descendo sozinho até parar no local onde foi encontrado. Ele era o cerra fila e seu amigo caminhava sempre próximo a ele, porém um pouco acima. Quando este amigo deu falta de Felix, ele retornou para encontrá-lo. Pouco antes de chegar, escutou Felix pedindo ajuda e inicialmente achou que era uma brincadeira, pois eles estavam brincando que estavam um pouco lentos, até fazer contato visual e constatar o acidente”.
Quando Rafael encontrou Félix e seu amigo, ele imediatamente ligou para os bombeiros para dar a notícia do acidente. O sinal de celular estava intermitente, o que atrapalhou o inicio do registro da ocorrência. Sabendo da necessidade de se planejar uma evacuação aérea, Rafael passou a estudar o relevo da região para ajudar no planejamento da aproximação aérea e passar a localização para os bombeiros:
“As 11:11 eu cheguei até o início dos degraus para fazer uma foto do local onde poderia ser feita a descida do socorrista. Ao retornar até a vítima, por volta das 11:13 constatei que ele, Félix, tinha perdido a consciência, mas ainda tinha pulso. Comecei então a fazer massagem cardíaca nele e pedi auxílio para a Carol, que era uma outra amiga que acabara de chegar. Fran que tinha chegado comigo, ficou responsável pelas comunicações via celular”.
Uma vez que a comunicação com os bombeiros havia sido bem sucedida, o grupo passou a se concentrar em reanimar a vítima enquanto esperavam pelo socorro. “Nosso objetivo era manter a massagem cardíaca até que o socorro chegasse e ele chegou por volta das 11:50. Pedi para outras pessoas que estavam próximas subirem até os grampos para sinalizar para a aeronave, que os localizou, fez um reconhecimento e foi para pouso no campinho para preparar a descida do socorrista. Quando a aeronave foi para pouso, já estávamos há mais de meia hora na massagem e o pulso deve foi diminuindo até parar… A Carol até insistiu para que continuássemos, mas já não adiantava mais.”
Quando o helicóptero do Batalhão de Operações Aéreas (BPMOA), se acercou da vítima, Rafael ficou numa posição mais alta para sinalizar para a aeronave o local do acidente. “Passei então a me concentrar na orientação da aeronave para indicar o local de descida do socorrista, pois neste meio tempo, a Fran recebeu uma ligação sendo informada que a aeronave ia deixar o socorrista no cume e na minha avaliação, era possível descer logo ao lado dos degraus. Assim que escutei a aeronave subindo, fui novamente para os degraus para indicar um possível local de descida de rapel do socorrista. O tripulante visualizou minhas indicações e então a aeronave posicionou para o socorrista descer. Isso aconteceu às 12:06”.
Mesmo tendo passado apenas uma hora e dezesseis minutos do incidente, a gravidade do ferimento de Félix se tornou irreversível: “Após o desembarque o socorrista foi até o Felix, constatou sua morte e comunicou a aeronave que foi novamente para pouso e iniciamos os trabalhos para o transporte. Após prepararmos o Felix na maca, o socorrista localizou uma pequena abertura entre as árvores, por onde poderia ser feita a remoção. Pedi então para que as pessoas que estavam por perto, fossem até ali para baixar a vegetação para que pudéssemos posicionar a maca naquele local. Neste momento começavam a chegar os amigos de Felix que estavam no cume e não sabiam do acontecido. Pedi então para o amigo que localizou Felix ir de encontro a eles e contar o que aconteceu um pouco mais acima, para não haver nenhum tipo de interferência por emoção no trabalho que estávamos fazendo, uma vez que precisávamos finalizar logo aquilo, pois o tempo estava mudando e com tempo ruim, a aeronave não poderia subir novamente para fazer a remoção”.
A causa do acidente
Após o resgate do corpo de Félix, que ocorreu às 13:13, foi natural o questionamento sobre quais teriam sido os motivos do acidente. Infelizmente ter experiência e boa forma física não nos isentam de sofrermos acidentes e o provável é que Félix sofreu uma queda depois de ter escorregado num trecho inclinado da trilha.
O Marumbi tem encostas extremamente íngremes e em muitos pontos a trilha torna-se muito vertical e nestes trechos há vergalhões de aço cravados na rocha que servem de escada. Foi em um destes lances verticais que Félix caiu e bateu a cabeça.
Sobre os motivos do acidente, Rafael afirma: “Próximo ao início dos degraus, havia uma poça de sangue (eu passando várias vezes por ali, não vi) e logo por ali existe uma passagem de um pequeno platô bastante escorregadia, mas que possuí degraus para as mãos, porém aqueles degraus estavam um pouco encobertos pela vegetação e é possível que a queda possa ter ocorrido por ali. Ninguém, nem o amigo de Félix consegue afirmar exatamente o que aconteceu, pois no momento ele estava sozinho, mas a chance de o acidente ter sido causado por um escorregão seja na rocha ou em um dos degraus é grande, parece que foi uma grande fatalidade”.
Bastante ativo por seu trabalho na Polícia Militar, após a reforma, Delcides Félix de Oliveira passou a atuar na área de segurança pública e atualmente trabalhava na fiscalização do Porto de Paranaguá. Em 1990 ele foi homenageado pelo então governador Roberto Requião. O AltaMontanha lamenta sua morte.
Assista ao vídeo abaixo da avaliação do acidente:
14 Comentários
Para nós Montanhistas é fundamental esses relatos competentes que nos ajudam a evoluir.Paraben
s!
Conhecimento e experiência ajuda muito mais não quer dizer que não podemos sofrer algum tipo de acidente nesse momento é que temos que manter a calma e analisar a situação.
Certeza Absoluta de que você fez o que estava ao seu alcance. Relato triste mas muito importante. Obrigado por compartilhar.
Uma triste fatalidade. Pêsames à família e amigos do militar falecido.
Acredito que este tipo de ocorrência deveria ser seriamente mapeado e estudado para identificar as causas e fornecer elementos de prevenção.
Uma triste fatalidade e um excelente relato para tirar as aprendizagens.
Parabens ao Rafael e a Carol em ajudar nessas horas tao complicadas.
Tenho um esclarecimento, sem criticar de maneira alguma os primeiros socorristas que tenho a certeza que fizeram o melhor e com muita coragem: a massagem cardiaca (RCP) é recomendada para pacientes adultos que nao tenham pulso ou respiracao. Se ele tem pulso, o ideal é monitorar as vias aereas, respiracao e circulacao (neste ultima, estancar qualquer possivel sangramento para que o paciente nao entre em estado de choque hipovolemico) e manter o paciente confortavel e aquecido ate o resgate chegar. (http://www.heart.org/idc/groups/heart-public/@wcm/@ecc/documents/downloadable/ucm_317343.pdf)
Pensei a mesma coisa sobre a RCP.
Já passei por ali e sempre pensei que poderia usar cadeirinha de escala e um talabarte de via ferrata, pois é muito exposto esse trecho, e nem todas as pessoas tem condições de subir com segurança.
Eu pensei a mesma coisa, da primeira vez que vi esse trecho isso foi a primeira coisa que veio a mente, não consigo entender as pessoas que sobem esses trechos sem nem se quer usar capacete, quem dirá uma cadeirinha para prender nos grampos, acho que as vezes existe confiança demais por parte dos montanhistas, diria as vezes que está até ligado ao ego de muitos
Esse caso como exemplo, pelo que eu entendi ele não estava de capacete e o corte foi na região da testa, talvez ele tivesse sobrevivido caso estivesse usando um.. é algo a se pensar e a se discutir na nossa comunidade.
Não o conhecia Sr.Delcides, mas lamento esse fato. E por outro lado ver um amante da
Montanha morrer justamente nela.
Fique com a paz da montanha e minha solidariedade à família.
Meu sentimentos a familiares e amigos!!que Deus conforte o coração de todos!! nosso amigo perdeu a vida fazendo oq gostava . não existe pessoas melhores ou piores bons montanhistas ou piores montanhistas .lembrem somos homens .eu perdi meu pai a um ano picado por cobra jararaca picou na veia artéria do braço esquerdo em 10 minutos faleceu!! Meu pai conhecia região de Morretes serra do mar sem equipamento algum !e uma cobra o picou em casa em um Paiol !! lembrem temos q dobrar os cuidados o acidente não escolhe se é jovem ou veterano !!! abraços a todos
Lamentamos profundamente pelo ocorrido.
É fundamental trabalhar na conscientização dos montanhistas para que os acidentes não ocorram mais.
Ano passado fazendo a frontal em solo levei um escorregão nesse platô (a rocha estava molhada), felizmente eu já estava segurando o grampo da parede.
Subi o conjunto a 2 semanas c um amigo, na descida , tive um susto. Foi quando uma das correntes que nos auxilian , arrebentou!! Ainda bem que eu estava próximo do chao. Deixei avisado para pessoal no peh do morro o ocorrido. Entao; aos proximos que subirao a montanha :
NAO USEM AS CORRENTES , E NAO CONFIEM NAS CORRENTES . EXTREMAMENTE ARRISCADO .
Não se faz manobra RCP com pulso.
A “massagem cardíaca” só se faz se não tem pulso carotídeo.Na parada cárdio respiratória.
E antes de tudo verificar se não há perigo para quem vai socorrer, para não se tornar outra vítima, verificar e ter certeza do nível de consciência, pedir ajuda, se possível se proteger(bioproteção) e iniciar a avaliação CAB.( Não é mais ABC) se possível com imobilização da coluna cervical. Bom sempre ter uma cânula oro faringea Guedel de 2 tamanhos. ( Saber medir o tamanho antes de usar e como introduzí-lo).Ajuda muito em parada respiratória com pulso e inconsciente.
Se tem pulso, verificar a respiração e vias aéreas. Parabéns pela iniciativa aos envolvidos.