Resposta ao Consumismo

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Existem muitas razões para explicar o porquê dos brasileiros desistirem com maior frequência que outras nacionalidades quando o assunto é alta montanha nas expedições de empresas e similares.

Primeiro porque são muitos, 200 milhões, mais do que toda a América do Sul somada, depois porque se trata de uma população totalmente heterogênia e não é correto colocá-la toda num mesmo saco. O brasileiro do nordeste é totalmente diferente dum sulista e mesmo no sul um paranaense tem pouco em comum com o gaúcho. Falar em paranaense também é uma simplificação grosseira porque temos um norte quase paulista, um oeste quase gaúcho e um sul/leste muito peculiar. Em Curitiba existem ítalos brasileiros, nipo brasileiros, germano brasileiros e isto não é nem metade deste universo.

Em segundo lugar é preciso considerar o destino que expedições comerciais na Argentina e na Bolívia costumam oferecer. São países muito próximos do sul e do sudeste brasileiro, sendo muito freqüentemente considerados parte de nosso próprio quintal e jamais vistos como um destino internacional. Montanhas como o Aconcágua gozam de prestígio na imprensa por pertencer ao restrito clube das sete e também por ser a mais alta do ocidente, mas é vendida pelo turismo especializado como uma simples caminhada para cima. O Huayna Potozi tornou-se conhecida neste meio como a mais acessível dentre as maiores do continente e não deixa de ser uma verdade para aqueles que já detêm alguma experiência, mas a realidade é outra para os marinheiros de primeira viagem.

Em terceiro lugar é notório encontrar muitos profissionais liberais e empresários entediados entre os clientes destas expedições comerciais. Pessoas que nos finais de semana já praticaram ou ainda praticam maratonas, corridas de aventuras, ralis, paraquedismo e outros esportes “radicais” na busca de emoção em doses controladas e adrenalina barata. Em comum estas pessoas geralmente tem uma família tradicional, tempo escasso e caro, aversão ao risco descontrolado, apego ao conforto e encaram a expedição apenas como mais uma nova e excitante experiência que vai render boas histórias nas pizzarias e muitas fotos para o perfil no Facebook.

Outro cliente notável é o montanhista amador, de primeira viagem, que imagina o ambiente de alta montanha como uma evolução natural e obrigatória de seu desenvolvimento e descobre um mundo totalmente novo, diferente de tudo que conhece e que exigirá um novo e complexo aprendizado. Alguns se apaixonam pelo novo ambiente e investem neste aprendizado, mas outros tantos ficam indiferentes e não são poucos os que o detestam.

Montanhas e montanhistas é o que não falta no Brasil, mas não temos ar rarefeito e nem o deserto gelado. Nosso montanhismo difere bastante do andinismo e também do himalianismo. Talvez esteja tão distante do alpinismo como este do himalianismo. O ar rarefeito e a necessidade de aclimatação fazem toda a diferença.  Numa atmosfera rica em oxigênio nos movimentamos rápido e de forma explosiva, superamos uma distancia de 15 ou 20 quilômetros, um desnível de 1500 ou 2000 metros num só dia. Progresso só alcançado depois de uma ou duas entediantes semanas acima dos 4500 metros. O deserto de morainas e gelo é deprimente para quem aprendeu a amar as florestas, rios e campos de altitude onde a vida explode em cada fenda. Por aqui se cultua principalmente o prazer da caminhada de aproximação, a contemplação descompromissada com horários num cume acima das nuvens, a vista deslumbrante de matas verdejantes, baias ensolaradas e rios sinuosos nas planícies abaixo.

Adversidades e desafios temos de sobra. Ao ar rarefeito temos a contrapartida da umidade absoluta, se navegar pelo inóspito deserto marrom e branco é difícil muito mais complicado é se orientar pelo inferno verde povoado por todo tipo de bicho peçonhento e nuvens de mosquitos, entre espinhos e taquaras. Certamente uma nevasca é assustadora em alta montanha, mas nem se compara a uma tempestade tropical no interior da selva. Contrapondo-se ao frio seco temos o calor úmido e não raras vezes o frio extremo e úmido, as avalanches são por aqui também muito comuns, igualmente imprevisíveis trazem lodo, barro e arvores despencando no abismo, mas por sorte ou destino acontecem no meio da semana quando não estamos na montanha.

Definitivamente não considero o montanhismo em alta montanha mais perigoso ou superior ao montanhismo tropical em baixas e médias altitudes, são apenas diferentes. Exigem o domínio de técnicas e conhecimentos distintos, apresentam dificuldades e riscos distintos e fabricam homens igualmente audazes e vigorosos.

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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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