Salto livre no Marumbi – BASE-jump inédito e histórico

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Depois de uma semana inteira de dias claros e ensolarados, com o mais puro ar nas montanhas limpas, o domingo amanheceu ensolarado, mas um tênue véu de bruma seca empalidecia os altos paredões. Aquele ultravioleta que atormenta os fotógrafos da natureza. Montanhistas de diversas modalidades espalhavam-se por trilhas e paredes de granito do Parque Estadual do Marumbi.

Eram 11h30. A Neida e eu retornávamos do Rochedinho e cruzando a Vila dos Marumbistas passamos pela casa do Drá, onde aceitamos o amável convite da Ale para uma cervejinha. Em seguida chegaram o Ernesto Filgueira com a Isabela e a filha Gabriela, contando que alguém faria um salto livre da Torre dos Sinos. O Ernesto falou do convite que nesta manhã recebeu do Anderson Bulgacov, o Camarão, para acompanhar o amigo da Valéria Brito, a Val, que tentaria saltar de um dos cumes em BASE-jump. Não houve alarde nem grande programação, apenas vieram. Disse que saltariam do alto da Torre dos Sinos, de uma pedra que parecia um triângulo invertido. O Ernesto, que já tinha escalado no sábado, recusou o convite, para ficar com a família. Sorte nossa, que agora sabendo do plano, apontamos nossas câmaras fotográficas, teleobjetivas e filmadoras para as grandes paredes.
 
Puxamos com o zoom aquela rocha com formato de um grande diamante encravado na face norte da Torre dos Sinos, que batizamos de Diamante da Torre.  Acomodamo-nos  na varanda do Nelson Pudles, o Drá, para durante as próximas 3 horas de expectativa e tensão acompanharmos os movimentos do grupo que estava no topo da Torre.
 
O BASE-jump
 
É uma vertente do pára-quedismo em que o praticante salta de uma base fixa. Utiliza pára-quedas apropriados para abertura em baixas altitudes. A sigla B.A.S.E provém de Building Antennas Spans & Earth ou em português: Prédio, antena, ponte e terra, onde Earth se refere à Cliff, falésia. A taxa de mortalidade dos praticantes deste esporte é altíssima, por isso ele é proibido em diversos países. A Suíça é um dos poucos países em que a prática é liberada legalmente. Foi criada em 1978 no El Capitan, no Yosemite Nacional Parque – USA pelo cineasta Carl Boenish.
 
Em outras palavras, é saltar com um pequeno pára-quedas especial* de uma base fixa, sem estar voando. A posição do corpo na hora do pulo e a trajetória são fatores importantes para o sucesso do salto. Não há chance para erro, pois um pequeno descuido ou um pouco de azar pode causar morte. Só há uma opção: Acertar.
 
Hoje em dia em todo mundo, a maioria dos base-jumpers são escaladores.
 
O base-jumper
 
O curitibano Luiz Claudio Kruger, o Caco, 37 anos é administrador de empresas e atua no ramo imobiliário em São José dos Pinhais, Paraná. Iniciou o paraquedismo em Londrina em 2007 em avião e já no ano seguinte descobriu o BASE jump. Fez os primeiros saltos com um amigo que dava cursos em uma ponte de 140m de altura em Encantado, na Serra Gaúcha, RS. Aquele instrutor, André Sementille morreu no ano passado em salto mal sucedido.
Caco é personagem da pequena galeria dos grandes esportistas brasileiros da modalidade. 
Fez 441 saltos no Brasil e Europa. Destaca entre um de seus mais importantes saltos o da face norte do Eiger, na Suíça, onde foi o primeiro brasileiro, em 2009. Na Chapada Diamantina fez a Cachoeira da Fumaça, Cachoeirão e mais 3 saltos inéditos na região. Lá recebeu a indicação do marumbinista Eduardo Mazza, o Formiga, sobre a verticalidade dos paredões do Marumbi. A partir daí estudou fotos e desde logo identificou a Torre dos Sinos como meta para um salto.
 
O equipamento do Caco consiste numa mochila especial que abriga o paraquedas retangular, com sete células, área de 245 pés quadrados, aproximadamente 8m². Um pequenino paraquedas azul, tipo convencional, redondo, com um metro de diâmetro, vai na mão para após o salto, abrir e acionar o principal. Leva ainda um capacete, que também é o suporte para a mini câmara filmadora. Não há paraquedas de reserva.
 
O salto da Torre dos Sinos 
 
Em 9 de setembro Caco escalou o Abrolhos a procura de um local para o salto. Retornou no domingo seguinte em companhia dos amigos Robson Moreira, o Caverna e da Val, para juntos com os veteranos Camarão e Elisa Moreira escalarem a face leste da Torre. Depois de estudarem a parede norte desde o campinho  e localizarem o local para o provável salto, partiram da vila as 9h30.
 
Subiram a via Noroeste, contornaram o Abrolhos no Vale dos Perdidos, foram até o colo do Desfiladeiro da Catedral e então ingressaram na via Leste da Torre, atingindo o cume as 11h35. Partiram então em busca daquele triângulo invertido, situado a 1.200 metros de altitude (a Estação Marumbi está a 485m). O local escolhido, que foi fácilmente visível da base, ficou difícil ser encontrado, visto do topo. Toda a equipe colaborou na busca, sob sol forte
Camarão e Caco levaram mais de 2 horas contornando as rochas do cume, subindo e descendo canaletas cheias de vegetação de altitude, com um mar de caraguatás espinhentos e bambuzinhos resistentes. Encontraram lindos e contorcidos exemplares anões de ipês amarelos em flor, que compensavam as terríveis bromélias que serravam suas canelas e bracos.
 
Uma vez no topo do Diamante,.viram que a rocha em que pisavam tinha declive muito acentuado, praticamente sem condição de parada em pé. Os dois encordaram-se, Camarão fez a ancoragem em duas arvorezinhas e Caco aproximou-se da beirada, para certificar-se da verticalidade real. Constatou-se o lucro, a rota abaixo era de inclinação negativa. Girou o corpo e gritou para o companheiro: – Vai dar salto! 
 
Equipou-se, recebeu a ancoragem do Camarão e planejou a desconexão da corda para o mergulho no espaço.
 
O resto do tempo foi consumido preparando o equipamento. Nós, que assistíamos 750 metros abaixo, sem conhecer direito os planos, aguardávamos ansiosos e tensos o desenrolar dos movimentos daqueles minúsculos pontos lá no alto. Pela teleobjetiva vimos o Caco colocar a mochila preta nas costas e já tinha na mão o pequeno paraquedas azul.. Vimos o aperto de mãos entre os dois e agora sabemos que o Caco disse: – Nos vemos lá embaixo.
 
Eram 14h41. Caco agachou-se, concentrou energia, levantou-se e correu quatro rápidos passos para consumar o primeiro salto livre no Marumbi. 
 
Levou intermináveis segundos de silêncio e apreensão de todos até que inflou com estrondo o lindo paraquedas branco-amarelo e preto, seguido do coletivo grito de todos. Hu Huuuuu! Lindo, lindo, aplausos e lágrimas de emoção. 
 
Pousou suavemente no campinho, onde foi saudado efusivamente pela turma da varanda, que correu para lá. Tudo ficou fartamente registrado em fotos e filmes. A Elisa filmou o salto desde o cume, Caco filmou o salto com a câmara fixa no capacete e o Farofa fotografou toda a movimentação no cume e filmou todo o trajeto visto da base. 
 
Neste dia, 15 de setembro de 2013, nós e o Marumbi tivemos a sorte de acompanhar o belíssimo salto do arrojado Caco. Foi consumado o primeiro salto livre nestas encantadoras montanhas. O salto durou poucos segundos, mas o feito tornou-se definitivo e histórico…
 
Farofa
Nelson Luiz Penteado Alves
do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná
Autor do livro As Montanhas do Marumbi
 
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Sobre o autor

Nelson Penteado, ou simplesmente Farofa é um dos mais respeitados montanhistas paranaenses. Pertencentes à uma geração que explorou e conquistou diversos picos do Maciço do Marumbi. Farofa, como é foi apelidado pelos amigos é um dos mais importantes relatores de nossas serras e autor do mais completo livro sobre o Marumbi, berço do montanhismo paranaense.

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