Santa Rita do Jacutinga

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Ao atravessar a Via Dutra entre Rio e São Paulo, ou qualquer outra rodovia de geografia semelhante, você já deve ter se perguntado o que escondem aquelas colinas arredondadas e monótonas, principalmente depois que a grande parede da Mantiqueira perde a sua altura nas proximidades de Resende. Embora não possuam uma natureza espetacular, elas abrigam muitos lugares interessantes. Este artigo fala de um destes locais escondidos e até desconhecidos – Santa Rita do Jacutinga.

Santa Rita do Jacutinga

A verdadeira Santa Rita nasceu na Idade Média em Cassia na Itália, teve dois filhos com um homem violento que conseguiu converter e passou a vida em oração. Não é entretanto Cássia que acompanha o nome da cidade e sim Jacutinga. Esta é uma ave grande e bonita, colorida de preto com manchas brancas. Está quase extinta – fotos antigas mostram caçadores ao lado de pirâmides de jacutingas mortas. Hoje quase só existem nas reservas naturais do sul de São Paulo.

Os acessos a Santa Rita quando a conheci eram por boas estradas de terra. A cidade fica no sul de Minas Gerais, próxima de Volta Redonda e de Juiz de Fora, dois grandes centros regionais. Como a ligação entre essas duas cidades mais próximas foi asfaltada, o município talvez possa deixar o isolamento em que se encontrava.

Veja como são bonitas as colinas de Santa Rita, mesmo a vegetação original ter sido retirada há tempo (Fonte – Divulgação).

A cidade é circundada por montanhas de desenho interessante, o que motivou seus nomes sugestivos, como Morro do Batalhão, Arrependido e Pico do Papagaio. O mais conhecido é o Morro do Calvário, que possui uma capela em seu alto. Suba até lá a pé e descubra que os oratórios ao longo do caminho não são treze, como indicado. A vista descortina toda a cidade e os vales próximos.

Entre o fim do século retrasado e o início do passado, foram implantadas em Santa Rita as ferrovias da Rede Mineira e da Central do Brasil, hoje descontinuadas. Entretanto, é ainda possível percorrer seus leitos, atravessar os túneis estreitos e, em especial no caso da primeira, desfrutar belíssimas vistas na região do Pacau. Santa Rita é mais um exemplo onde a desativação das linhas férreas ocasionou o despovoamento da região, uma vez passado o ciclo do café.

Santa Rita fica próxima do Rio Preto, do qual seus principais cursos são afluentes. Este é aquele mesmo rio que nasce no elevado platô do Parque Nacional de Itatiaia e separa os Estados de Minas e Rio na turística região de Visconde de Mauá. Até onde as conheço, suas águas são sempre escuras, o que por certo foi a origem de seu nome.

Estas águas tranquilas irão se verter na Cachoeira dos Meirelles, um dos locais mais acolhedores de Santa Rita.

Seu vale é bastante estreito e decorado por muitas serras movimentadas. Além de suas inúmeras corredeiras, ainda no curso inicial apresenta a Cachoeira da Fumaça e, no médio, a da Zelinda. Percorre as terras outrora destinadas ao cultivo do café, até encontrar as águas do Paraibuna 200 km após suas nascentes.

Santa Rita localiza-se na confluência dos vales do Jacutinga e do Bananal; além destes cursos, existe o Rio Pirapitinga, como os demais um afluente do Rio Preto. Todos esses apresentam cachoeiras: dizem haver mais de 70, das quais 20 recomendáveis à visitação.

Estas quedas são normalmente de porte médio, umas com praias fluviais, outras com poços para banhos e algumas cujo fácil acesso as torna um tanto expostas. No mapa anexo, estão indicadas as principais.

Mapa das prinicipais cachoeiras de Santa Rita do Jacutinga, RJ (Fonte – paradeiros.com).

Não espere quedas cênicas, pois a natureza da região é um tanto discreta. Das que conheci, a mais impressionante foi a do Boqueirão, onde você pode banhar-se numa simpática piscina natural, embaixo de uma fenda que separa duas altas paredes de rocha bastante irregular. Ouvi falar também do Cânion das Posses, cujo poço pode ser alcançado por uma travessia entre os rios Bananal e Preto.

Na história desta região aconteceram três ciclos econômicos: inicialmente atravessada pelos mineradores do Ciclo do Ouro (Tiradentes chegou a ser enviado para vigiá-la), passou a ser ocupada no início do século retrasado pelo plantio de café, até encontrar sua atual vocação nas fazendas de leite. Estando lá, não deixe de visitar algumas destas propriedades centenárias (Santa Clara, São Bento, Guanabara), todas elas próximas de Santa Rita.

Talvez a mais impressionante cachoeira de Santa Rita seja a do Boqueirão da Mira (Fonte – Divulgação).

Embora não tenha podido checar os detalhes, acredito que existam na região quatro serras principais, todas elas sendo formações relativamente pequenas: a Serra da Beleza (já no rumo de Conservatória), a Água Santa (com uma bonita corcova), a Candonga (com altitudes moderadas) e a Mira (a mais distante e elevada).

Estas três últimas serras são consideravelmente mais altas que Santa Rita, que tem apenas 600 metros de altitude. A razão é que estão ao norte da cidade, quando o relevo se torna progressivamente mais elevado.

O arrojado perfil da Serra da Mira, principal acidente de Santa Rita do Jacutinga, RJ.

Vou descrever a Mira, por ser a mais difícil e interessante. O acesso é feito pela larga estrada que segue rumo norte para Bom Jardim: você terá inicialmente belas vistas do Rio Jacutinga e das Serras da Água Santa e da Candonga.

Após avistar o perfil da serra, tome brevemente a bela estradinha plana de terra e chegue à sede de uma fazenda, que fica logo abaixo da Mira. Convém pedir permissão para atravessar seus pastos.

A ascensão de quase 400 metros requer bastante paciência, sendo relativamente longa. Por certo será melhor subir a pedra pelo flanco direito, onde você deverá encontrar algumas trilhas de animais.

O topo da Mira está a 1.600 metros e é muito interessante, pois deve possuir algo menos de um km razoavelmente plano, onde lajes de pedra são intercaladas com campos de capim baixo. A vista é deslumbrante: ao sul você avistará o belo perfil da Água Santa; ao norte, o cruzeiro de Bom Jardim; e logo a leste o pico mais próximo, cortado pela linha de alta tensão de Furnas.

Na sua extremidade oeste você irá encontrar as poucas peças que sobraram de um pequeno avião que lá se acidentou. Na realidade, achando que haveria uma bela carcaça perdida na encosta, retornei lá um dia, mas não encontrei senão as peças da vez anterior.

No alto do Morro do Calvário fica a simpática Igrejinha do Alto (Fonte – Divulgação).

A descida é bastante breve, principalmente se você evitar os trechos mais íngremes da face rochosa. Na volta, você poderá conhecer algumas cachoeiras no rumo do Pacau e de Passa Vinte.

Você pode escolher a data de sua visita para que coincida com as festas de maio, quando existem procissões entre as igrejas da Matriz e do Calvário, com as imagens de Santa Rita de Cássia e Nossa Senhora Aparecida.

Ou com o Carnaval, onde poderá conhecer os tradicionais blocos de rua, com seus pitorescos nomes e figurações. Sempre achei os carnavais das vilas do interior mais interessantes – são mais alegres e espontâneos e menos aglomerados e violentos – e exibem as mesmas moças bonitas.

Até certo ponto, Santa Rita se frustrou com um progresso que não veio. Mas esta bonita região soube superá-lo com uma vida agradável inserida numa região amena e acolhedora.

Mas Santa Rita me traz uma memória triste. Já vivi o suficiente para perder amigos de montanha. O mais recente faleceu depois de uma longa perda mental. Antes dele, morreu de forma fulminante um rapaz que eu admirava por sua mansidão e bondade. Estes dois casos eu soube de repente, sem esperar.

Mas não foi assim com meu guia em Santa Rita, um moço discreto que me acompanhou por muitos dias. E que acompanhei quando se internou na minha cidade, com uma doença no coração. Tinha a paciência de passar os dias sozinho, acho que sabia que não iria curar. E, um dia, não estava mais lá. Acho que morreu quieto, e modestamente, como viveu.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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