As pedras de que falo agora ficam em Alagoa, modesto município do sul mineiro. Esta região é alta e vazia, atravessada por longos caminhos e limitada por grandes serras que surgem imponentes acima dos vales amplos e abertos. Seus habitantes costumam percorrer suas cristas a cavalo, indo de Alagoa ao Gamarra, do Papagaio ao Matutu ou do Cangalha ao Garcia.
Face Oeste da Mitra (no Centro), Alagoa, MG
Eu me surpreendo como é possível encontrar regiões isoladas tão perto de lugares urbanizados. Esta é uma delas: embora próxima dos asfaltos trafegados de Itamonte e Aiuruoca, a região de Alagoa parece docemente perdida no passado, alienada do presente pelas cadeias de montanhas à sua volta.
Existe uma vantagem em chegar vindo de Itamonte: a estrada desce de grande altura, permitindo que você aviste as principais formações. Você já conhece a Pedra do Chorão, de uma coluna minha anterior. Se o perfil do Chorão é facilmente visível a oeste, o da Pedra do Segredo logo aparece na direção oposta. Mais ao fundo, você verá o Nogueira e a Mitra do Bispo.
Pedra do Segredo, Alagoa, MG
O Chorão, a vila de Alagoa e o Segredo ficam numa mesma reta oeste-leste. O Segredo divide dois vales, fechados pelas Serras do Condado ao sul e da Gomeira ao norte. Tem um desenho interessante, pois seu cume é uma pirâmide arredondada, projetando-se acima da parede rochosa de 200 metros, que aparentemente aguarda algum escalador para ser conquistada. Logo atrás está o corpo mais elevado da Mitra do Bispo, de que falarei a seguir.
A origem deste nome tão peculiar é controversa. Prefiro a explicação de Dona Ivone – quando menina, sua mãe a colocava de tardinha em frente à pedra, para assistir as misteriosas bolas de fogo. Não é a primeira vez que escuto uma história como esta e acredito que tenha um fundo de verdade. O fogo seria causado pelo gás metano formado na vegetação da pedra, que se volatilizava no calor, com um belo efeito visual.
Nos Altos do Segredo, Alagoa, MG
Mais tarde, disseram-me que as bromélias imperiais na parede do Segredo desapareceram após um incêndio. Junto com elas, o fogo fátuo que lhe teria dado o nome. Pelo menos não tenho dúvida de que houve de fato um incêndio, pois encontrei as árvores do cume calcinadas. Pena, pois sumiram com o segredo da pedra.
Para acessar o Segredo, você deve sair no sentido da Serra do Condado, passando por trás da igrejinha de Alagoa. Um pouco além, encontrará a vila de Rio Acima, com suas casinhas que parecem de brinquedo quando vistas ao longe. Você deverá deixá-la à sua direita e continuar subindo por uma estradinha cada vez mais vertiginosa, até cerca de 12 km do início. Deverá então parar numa velha porteira.
Na realidade, você não enxerga o Segredo, pois a estrada corre por suas costas. O início da trilha é bastante óbvio, logo à esquerda da porteira. É curioso subir a montanha por trás, pois você não terá noção de até onde deve prosseguir até o cume. Você passará por três corcovas ascendentes, sendo a primeira coberta por gramíneas e a segunda, por uma rala mata de altitude.
Vista Distante da Mitra do Bispo, Alagoa, MG
O problema é a última corcova, onde você terá de enfrentar um mato desagradável. Foi ele que queimou anos atrás. A menos que tenha sido aberta uma trilha, você disputará seu avanço com galhos, cipós e raízes, até perceber que já estará no cume. Ou, quem sabe, como foi o meu caso, com bovinos que fugiram assustados num tropel, quase nos derrubando junto com eles.
De toda a forma, não é uma caminhada longa, com apenas 2½ km de ida, e tampouco uma grande ascensão, certamente menos de 300 metros. O mato do cume é realmente uma grande decepção, pois tolhe a vista. De toda a forma, você verá o impressionante corpo maciço do Nogueira a norte e a parede do Cangalha junto a duas outras montanhas sugestivas logo ao lado. A vila de Alagoa e o Pico do Chorão estarão à sua frente, o Garrafão estará no oeste distante e a Serra do Paiol, ao sul.
Notará também às suas costas a Pedra do Bispo (não confundir com a Mitra do Bispo), que divide o mesmo colo com o Segredo. Este é um pico empinado, com 2.045m, bem acima dos 1.865m de altitude do Segredo. Você pode tentar fazê-lo se tiver saído cedo, numa trilha facilmente visual.
A Pedra Mitra do Bispo é assim chamada porque seu cume parece aquele barrete pontudo dos bispos. Ao entrar na cidade, você já estará vendo o perfil agudo da Mitra, à direita do Nogueira. Acredito que foi a proximidade entre essas duas montanhas que a tornou tão volumosa à distância, quando vi a Mitra pela primeira vez, dos altos da Serra do Papagaio. Ela em si não é uma formação tão grande, embora se distinga pelo desenho e altitude.
Siga numa estradinha na direção da pedra, que por sinal vai para Santo Antônio, suba uma pequena serra arborizada, passe pela bela parede da Pedra do Segredo à direita e pare o carro quase 10 km depois da cidade, ao lado de um barranco. Aqui começará a sua caminhada.
Paisagem entre Alagoa e Aiuruoca, MG
A trilha da Mitra não é longa, apenas 3½ km, porém bastante íngreme. Calculo que você terá de vencer um desnível de 800 metros até a altitude de 2.150m do cume. Suba o barranco até encontrar um caminho bem definido, que prossegue em direção à parede sul da montanha. Em pouco tempo, você terá uma bela visão da Mitra, porém sem seu perfil pontiagudo. A razão é que este acidente pertence à face oeste da montanha.
A trilha é curiosamente nítida, apesar de pouco usada. Ela alterna trechos de campo arbustivo com mata ciliar e floresta de encosta. O topo da montanha é coberto por vegetação arbustiva. A rigor, o cume é meio decepcionante, não passa de uma clareira cercada de árvores, aliás um belo local para acampar. Existe uma trilha circular que contorna todo o perímetro do topo, vale a pena percorrê-la para avistar uma interessante parede rochosa.
Mas a vista da Mitra é especial: o corpo rochoso do Agulhas e a longa formação do Papagaio são visíveis a sul e a norte. E, muito à distância, o contorno da Serra Fina. Entre estes, o perfil compacto e distante da Serra da Careta e o vulto achatado do Garrafão. A leste, existem interessantes formações dispersas, como a Serra da Gomeira. Quem sabe um dia eu venha a conhecer todas essas montanhas e, de cada uma, vá reconhecendo todas as demais.