Logo que chegamos ao campo base fizemos uma caminhada de aclimatação até a neve. No dia seguinte, já com peso, fomos ao campo 1 a 5710 metros, 800 metros mais alto do que o base. Montamos as duas barracas do campo 1 e deixamos os quase 90 quilos que tínhamos carregado para lá. Este foi o nosso primeiro ciclo de aclimatação dos 3 previstos. Veio então o importantíssimo dia do puja, a cerimônia onde os escaladores e os sherpas pedem permissão para entrar na morada dos deuses e também a benção para que tudo dê certo e que nada de mal nos aconteça na escalada.
Estávamos então prontos para o segundo ciclo de aclimatação onde dormiríamos duas noites no campo 1 e tocaríamos o campo 2 deixando lá ao redor de outros 90 quilos. Saímos às 8 da manhã e refizemos o caminho ao campo 1, agora já conhecido, e como estávamos mais aclimatados fizemos com mais facilidade embora tenha nos tardado o mesmo tempo, cinco horas. Passamos a tarde lendo e conversando e mais uma vez, muito cedo estávamos dentro de nossos sleeping bags. Na manhã seguinte enchemos nossas mochilas com gás e comida liofilizada para abastecer os campos 2, 3 e 4 e com isso subimos muito pesados para um dia que sabíamos que seria muito duro. Mas, mesmo em minhas mais pessimistas avaliacoes eu não imaginava o que teríamos pela frente.
Normalmente montanhas com mais de 8000 metros não são técnicas e nem tem paredes muito inclinadas já que em altitude é muito dificil lidar com esse tipo de dificuldade.
Após meia hora de escalada por um terreno razoavelmente suave porém com grandes cravasses que tínhamos que saltar, encontramos o primeiro obstaculo maior, uma parede de ao redor de 70 graus de inclinação, praticamente vertical. Nossa velocidade caiu para quase nada com o peso, a altitude e a inclinação das paredes. A esta se seguiu muitas outras e basicamente o caminho dali ao campo 2 foi uma sequência interminável de paredes muito inclinadas. Mas, o pior deste dia para mim foi atravessar uma enorme cravasse de 15 metros de largura que tivemos de atravessar cruzando uma escada à la Everest.
Eu já sabia que ela existia e não me preocupei muito, afinal na escalada do Everest eu havia atravessado umas 150 delas. Mas, esta era muito mais amedrontadora do que qulquer outra que eu havia atravessado. Por ser mais curta do que a cravasse, a escada estava presapor cordas dos dois lados mas não encostava nas margens da greta ficando solta nos dois lados. Não podia acreditar que haviam colocado desta forma. Como eu era o único que tinha experiência com travessias de escadas fui na frente, mas com a adrenalina correndo solta nas minhas veias me esqueci de pedir que um dos meus companheiros segurasse os corrimãos dando mais apoio para eu poder atravessar.
Foram intermináveis 60 segundos olhando para grande abismo abaixo dos meus pés. Quando finalmente coloquei meus pés na neve do outro lado e pude respirar aliviado meu pé esquerdo repentinamente afundou na neve fofa da borda da greta. Me agarrei nas cordas e puxei meu corpo encosta acima. Por mais 10 minutos fiquei respirando forte me recuperando do stress.
Os últimos 200 metros verticais da escalada foram muito difíceis, mas após seis horas de muito esforço avistamos as primeiras barracas amarelas do acampamento. Sentamos exaustos em nossas mochilas, derretemos neve para enchermos os quatros cantis e enterramos tudo o que havíamos carregado lá para cima. O campo 2 do Manaslu é famoso por receber uma grande quantidade de neve e com muita frequência as barracas são destruidas pelo peso da neve acumulada enquanto os escaladores não estão lá. Marcamos o local onde enterramos e começamos a descida rumo ao campo 1 tendo de mais uma vez passar a escada suspensa que o Milton, o Dorje (nosso climbing sherpa) e o Gilson passaram com relativa facilidade mas que para mim novamente foi um horror.
Decididamente não gosto dessas escadas!
À tarde a neve já estava muito menos firme e as descidas inclinadas deram muito trabalho com nossos crampons escorregando na neve fofa.
Exaustos apos um dia de nove horas ininterruptas de esforço extremo desabamos em nossas barracas debaixo de uma nevasca muito desconfortável. Derretemos neve para hidratarmos já que durante todo o dia bebemos apenas 3 litros cada um. Também derretemos neve para nossa primeira refeição de comida liofilizada que será a base de nossa alimentação na montanha acima do campo base. Já no base, não poderíamos estar comendo melhor. Temos o que considero o melhor cozinheiro de montanha, o Purna, com quem já havia feito outras expedições. Temos o luxo de comermos pizzas, tortas de banana ou maçã, steaks e a cada jantar algo diferente.
À noite no acampamento 1 o Gilson nos disse que estava satisfeito com o que já tinha feito nesta expedição e que não queria repetir a subida do campo 1 para o campo 2, para poder chegar ao objetivo que tinha determinado para ele nesta expedição, que era chegar ao campo 3 a quase 7.000 metros. Queria voltar para casa. Nem eu nem o Milton nos opusemos a sua decisão. Ele ainda tem 18 meses e muitas expedições antes do Everest em 2014.
Chegamos ao campo base às 9 da manhã do dia seguinte, tomamos um farto café da manhã, tomamos banho com água quentíssima e com a barraca chuveiro aquecida pelo sol da manhã e lavamos roupa. Após 3 dias duríssimos estávamos nos sentindo humanos novamente.
Agora eu e o Milton estamos prontos para fazer o terceiro ciclo de aclimatação onde dormiremos uma noite no campo 1, uma no dois e possivelmente uma no três. Depois disso é ir para o cume. Mas, para isso dependemos de bom clima. A previsão de tempo no momento diz que teremos mais 3 dias de bom tempo e depois disso entra um periodo de nevascas e ventos fortes. Se assim for, teremos de esperar pela próxima janela de bom tempo para subir. Mas, como sempre, quem manda é a montanha.
Abracos a todos!