O tempo acinzentado repousava por td firmamento e uma fina garoa fustigava o para-brisa do veículo enqto percorríamos a PR-376. Devido a pendências e responsabilidades diversas, zarpamos de Londrina bem depois do meio-dia, e após rodar algo de 3hrs (com direito a demorada parada p/ almoço a beira de estrada) já era hora de atentar onde deveríamos deixar o asfalto pra entrar no Cadeado. Explico: nas vezes anteriores sempre viéramos ao Cadeado de busão (numa longa e cansativa viagem “pinga-pinga”) e o motora se encarregava de nos avisar a hora de saltar. Agora, num confortável veículo a trip tinha abreviada consideravelmente seu tempo de duração, mas demandava de nossa atenção e memória pra não passar batida a entrada da serra, q por sinal naquela altura era encoberta por densas e espessas brumas.
Mas felizmente uma referência não tardou a surgir. A majestosa Pedra Branca elevava-se parcialmente logo a frente, quase a nossa esquerda, destoando da ate então enfadonha horizontalidade q domina esta região do Terceiro Planalto Parananense. A referida pedra é vizinha do Cadeado, q por sua vez estava totalmente encoberto dum fino véu de alva opacidade. Passado o emplacamento “Rio Couro” e “Divisa Mauá da Serra-Ortigueira” a atenção é redobrada e finalmente ei-la numa curva, quase no km 312, a discreta (e sem sinalização alguma) entrada pra Serra do Cadeado!
O veículo embica então pela precária estrada de terra, porém mostrando estar em “melhores” condições da última vez q estive por aqui. A primeira das trocentas porteiras q se seguem é transposta. Uma menina abre a dita cuja após paga a taxa de “pedágio” de dez pilas e nos informa q o “Refúgio” está repleto de visitantes, apesar do mau tempo. A subida é lenta e nalguns trechos mais íngremes eu, Lau, Cacau e Greici temos q descer do veículo de modo pro mesmo não derrapar a esmo, mas o hábil motora Marcio consegue levá-lo até o alto da serra, onde por incrível q pareça o tempo aparenta estar muito melhor e sem nebulosidade alguma.
Cruzamos então pelo q outrora foi sede da antiga Faz. do Claudio (ou Faz. Perau Vermelho), antigo dono daquelas terras, abandonada. O lugar deu lugar apenas a casebres trancados, embora exista um caseiro tomando conta dos trocentos bichos espalhados por ali. Vacas, cavalos, porcos, bodes, galinhas, etc. perambulam livremente pela estrada, ate q enfim chegamos no tal “Refúgio”, na verdade o “Rancho Amigos da Serra”. São 16hrs qdo estacionamos o veículo no meio dum bosque de pinnus, onde o amplo espaço é dividido tanto por outros veículos como pelas barracas de seus ocupantes. O “Rancho” é uma espécie de “albergue coletivo” construído pela galera q frequenta mais assiduamente a serra (os tais “Amigos da Serra”) e q serve como pto de encontro, prosa e principalmente cozinha pra quem quiser fazer uso dele.
Montamos nossas barracas bem protegidas do vento, limpando antes o espaço tanto dos galhos e pedras como principalmente dos dejetos de vaquinhas, existentes aos montes por aqui. Por ser horário já avançado, nos limitamos apenas a tomar um rápido café e dar um visu do pôr-do-sol num tal de “Mirantinho”, relativamente próximo dali, a sudoeste. Passado o “Rancho” e saltando um correguinho de onde despenca uma simpática queda q serve de chuveiro, emergimos do bosque pra andarilhar pelos amplos descampados deste pré-topo de crista de serra. Mas tomando uma vereda q se embrenha através dum foco de mata, descemos suavemente pela face oeste da serra até dar novamente nos largos descampados, onde o forte e frio vento sopra o capim ao redor.
Pulando um trecho de brejo e em coisa de menos de 10min alcançamos o tal “Mirantinho”, um belo cocoruto rochoso com largas vistas pros espigões em volta, algumas fazendas q circundam o Cadeado e a linha férrea (da All, sim, aquela q vai até o Morretes!) q atravessa a serra seja por altas pontes seja perfurando-a por extensos túneis. Mas o espetáculo começa mesmo qdo o Astro-Rei se debruça sobre o horizonte em meio a nuvens baixas, dourando as colinas ao redor. Por sobre o ombro nos encantamos pelos escarpados paredões do “Mirantão” e do alto da serra ganharem uma coloração avermelhada tão ímpar qto vivida, sendo merecedor de inúmeros cliques.
Terminado o espetáculo, tomamos imediatamente a mesma rota de volta de modo a escuridão não nos surpreender no caminho, coisa q não ocorreu. A noite de fato pousou seu manto negro sobre a serra realmente qdo já nos preparávamos pro sagrado ritual da comilança. O Marcio nos brindou com sua já tradicional e deliciosa polenta feita na hora, q bastou pra nos empanturrar (além dos petiscos generosos de provolone) naquele comecinho de noite. Td isso regado a um bem-vindo vinho tinto cuja garrafa serviu até de castiçal pra iluminar o acampamento. Qdo ensaiávamos nos juntar á animada baguncinha no “Rancho”, o cansaço falou mais alto e assim capotamos em nossas respectivas tendas. A fria noite transcorreu sem nenhuma intercedência, embalada pelo som das fortes rajadas de vento castigando o arvoredo, e eventuais “béééé!!” ou “múúúúú!!” , oriundos da bicharada da fazenda. Mas nossa esperança maior foi a de poder apreciar, através da copa do arvoredo, o firmamento lentamente dissipando suas nuvens pra dar lugar ao disco prateado dum belo luar. Promessa q o dia sgte seria agraciado por tempo bom.
Diferente do péssimo dia anterior e corroborando nossas previsões otimistas, a manha sgte irrompeu linda e radiante. Um lindo sol surgia lentamente pela escarpada crista do Cadeado, esparramando seus longos braços pelos campos e vales. Logicamente q tds levantamos o mais cedo possível afim de aproveitar melhor aquela dia, e largamos nossos sacos-de-dormir assim q alguns fachos de luz tocaram nossas barracas. Fogareiros ronronaram um farto e delicioso desjejum, com direito a café fresquinho, coado na hora, nacos de mortadela e queijo, pão sovado e td sorte de guloseimas como acompanhamento.
Ao lavar a louça na pia improvisada ao lado do “Rancho” foi travamos contato realmente com a galera do “Amigos da Serra”, q lá se aglomerava pro seu igualmente farto desjejum coletivo, q tava bem mais pra self-service q qq outa coisa. O “Rancho” é amplo e espaçoso e dispõe até de fogão e geladeira, e pelas informações q troquei com a galera foi construído por uma galera de Apucarana. Na verdade o recinto é uma versão mais rústica duma cozinha qualquer de hostel, porém q atende as necessidades a contento. E banheiro? Bem, ai tem td o matinho ao redor…
As 8:30hrs q preparamos mochilas de ataque, pegamos algum lanche, enchemos os cantis e lá fomos nós pro circuito proposto praquele dia, sempre guiados pelo sempre prestativo Marcio, conhecedor da região como ninguém. Inicialmente tomamos a mesma estrada pela q viéramos, mas logo a abandonamos pra ganhar os descampados a oeste, onde interceptamos outra precária estrada q vai sentido a torre q coroa o Perau Vermelho, imagem q preenche td quadrante norte. Mas não tarda pra abandonar a tal estrada em prol dum discreto desvio pela esquerda, q desce em curtos ziguezagues a íngreme encosta forrada de pinnus daquela face oeste do Cadeado.
No caminho, td solado da Snake da Cacau desgrudou de forma impressionante, engrossando o coro daqueles q reclamam da péssima qualidade dessa “premiada e duradoura” bota de caminhada. Inclusive eu, q particularmente considero dez no quesito conforto, mas deixa muito a desejar no de durabilidade. Apenas pra constar outra bronca à Snake de ordem pessoal: uma “top de linha” e zerada presentou o mesmo problema já logo no 5º dia da primeira travessia q encarou comigo, no Espinhaço. Felizmente, a Cacau contornou o problema com o sempre útil silver-tape, com o qual conseguiu unir o solado à bota provisoriamente até o final da pernada. Fica aqui a dica pra empresa reconsiderar seu produto e não apenas se ancorar dos prêmios q recebe no “Guia de Equipamentos Outside”. Pronto, falei e disse.
Pois bem, contornado o problema da Cacau as 9:30hrs alcançamos, enfim, a linha férrea e dali prosseguimos nossa jornada num autêntico “ferro-trekking”. No caminho é possível avistar cachoeirinhas despencando em meio a encosta, oriundas das inúmeras nascentes do alto da serra. Da mesma forma, logo de cara tropeçamos com a enorme boca q nos engoliria naquela manhã: a entrada do primeiro túnel a ser vencido naquele dia, onde uma plaquinha indicava sua modesta extensão de quase 1km!!! Respiramos fundo e lá fomos nós, mergulhando aos poucos naquele breu total. O pouco de luminosidade atrás de nos logo sumiu e não demorou pra fachos de headlamp iluminarem o caminho a nossa frente. Por sorte, o organismo se acostuma fácil á escuridão e as passadas logo “decoram” a distância dos dormentes, mantendo dessa forma um ritmo compassado e ágil de caminhada no interior da montanha.
Mas aos poucos eis q surge, literalmente, uma luz no fim do túnel. Luminosidade esta q aumenta conforme se avança até q enfim emergimos no outro lado da montanha onde é possível respirar aliviado. Na verdade, o alivio é provisório pq o próximo túnel, de extensão de 835m, vem logo na sequência e nele adentramos sem pestanejar, tendo sempre os mesmos cuidados e precauções q no anterior. Foi neste túnel q tropeçamos com carcaças de td sorte de animais provavelmente surpreendidos e vitimados pelo trem, seja tatu, macacos, quatis e uma família inteira de gambás! Trombamos aqui tb com trafego no sentido contrário, no caso, o numeroso galera do “Londrinapé”, um grupo de caminhadas daquela cidade.
Na sequência a caminhada transcorre tranquilamente no aberto por quase 1km, sempre pelo trilho q serpenteava através das abauladas dobras serranas, aqui recobertas com capinzal e pinheiros. Uma bem-vinda bica despejando seu precioso e refrescante liquido pela encosta direita serve como parada provisória pra molhar a goela e rostos suados. Mas não demora a aparecer o ultimo e extenso túnel daquele dia, de quase 870m, q é vencido na mesma medida q os anteriores, embora este daqui fosse mto mais úmido e fedido. Logo descobrimos o motivo: mto farelo de cereal q cai do trem se acumula nas beiradas da linha, q ao se juntar com a umidade local termina apodrecendo. Isso sem contar na bicharada atropelada, q ali tb abunda.
O momento adrenalina se deu justamente quase na saída do túnel. Foi ai q no ate então silencio sepulcral de dentro da montanha começamos a ouvir um barburinho aumentando, assim como uma indescritível tremedeira nos trilhos. O trem estava vindo! Qq semelhança com o filme “Conta Comigo” não será mera coincidência, coma diferença q nós estávamos no interior do túnel e não numa ponte! Pois bem, como eu tava na dianteira deu tempo suficiente pra dar uma corridinha e sair do mesmo. Já o resto do povo teve q se espremer na parede do túnel, repleta de fuligem, e ainda por cima se agachar pra não receber o chicote de qq material saliente da longa e interminável composição.
A pernada prosseguiu no aberto e numa paisagem bem diferente da anterior, uma vez q as altas e escarpadas montanhas da Serra do Cadeado haviam sido deixadas pra trás e agora o cenário dava lugar a suaves colinas forradas de pinnus, eucaliptos e principalmente á geometria colorida de td sorte de plantio. Como daqui em diante terminaríamos dando em Faxinal, coisa duns 20km, foi aqui q abandonamos os trilhos e tomamos, na dúvida, uma precária estrada de chão q acompanhava a linha, a direita. As 11hrs, ao invés de retornar pelo mesmo caminho, um caçador q ali passeava com seu filho (munido de estilingue) nos informou q poderíamos retornar por aquela mesma estrada, sem problemas, pois ela bordejava praticamente o setor sul do Perau Vermelho, com belas e amplas vistas da paisagem ao redor. Ótimo.
Acompanhamos então a tal estrada, q subia suavemente outra vez ao alto da serra. Antes, porém, o forte sol e calor daquele horário nos obrigou a fazer uma breve parada nas dependências sombreadas da Faz. Sta Clara, onde além de descansar um pouco fizemos uma boquinha providencial por mais de meia hora. Conversando com o caseiro de plantão soubemos q boa parte das fazendas da região se dedica pouco ao plantio e mais a criação de gado, razão pela qual não raramente percebem-se focos fumegantes adentrando mais e mais na serra. Ali tb conhecemos a Pantera, uma cadelona tão mal encarada qto mansinha.
Prosseguimos a pernada em franca ascensão no aberto, devagar e quase parando, pois o sol forte martelava a cachola sem dó, o q nos distanciou por um tempo uns dos outros. Mas uma vez no alto bastou simplesmente acompanhar o carreiro principal q basicamente bordejava a serra. A Lau e a Cacau não se fizeram de rogadas e mal subiram se estatelaram á sombra dumas araucárias solitárias, enqto Marcio servia de cia no final da subida pra Greici. No topo da serra todo mundo seguiu junto, sem problemas, e o caminhar tornou-se mais agradável e ágil. A vista, por sua vez, descortinava a nossa esquerda td vale do verdejante Perau Vermelho, de onde destoava fácil a Pedra Branca, bem atrás a oeste.
Um pouco mais adiante o carreiro nos obrigou a saltar uma cerca, cruzar um capão de araucárias, fugir de um bando de boizinhos até q finalmente avistar a famosa torre principal do Perau Vermelho, a sudoeste, onde chegamos por volta das 13:30hrs. O forte sol daquele início de tarde era aplacado pela brisa suave q soprava do sul, trazendo inclusive algumas nuvens escuras q pensamos ser chuva, o q nos fez apressar o passo. Mas por sorte td não passou de susto pois logo a súbita nebulosidade se dispersou e, após a torre, finalizamos o trecho sul do Perau Vermelho.
Este trecho final foi palmilhado literalmente a beira de abismos, aqui bem mais pronunciados q antes e como q cortados a prumo, a semelhança dos gdes cânions da Serra Geral. Logicamente q a proximidade dos desfiladeiros se debruçando serra abaixo de forma vertiginosa nos obrigou a inúmeras paradas pra fotos e panorâmicas do entorno. Daqui de cima tb foi possível avistar o grupo do Londrinapé (sim, aquele q cruzamos no túnel!) voltando por uma estrada de terra, bem abaixo da gente, a leste. No caminho, as meninas se encantavam não apenas com a paisagem como tb com belos exemplares de “rainhas do abismo”, flores típicas destes peraus. “Olha uma curucaca!”, gritou a Cacau, apontando pruma ave q mais parecia um quero-quero fantasiado pros festejos momescos.
Do cânion caímos novamente na estrada q dá acesso a torre, q bastou simplesmente acompanhar até q enfim chegamos outra vez no acampamento, um pouco antes das 15hrs. Claro q chegamos bem no horário do farto almoço da galera do “Amigos da Serra”, q fizeram questão de q nos juntássemos a eles na farta comilança . Dentro do “Rancho”, enormes panelões perfilados ofereciam arroz, feijão, frango, carne e outras gostosuras q foi impossível não aceitar. Mandamos ver, claro, ao mesmo tempo q conversávamos com a galera ali td reunida. Jovens, senhores e crianças, td junto e misturado! Na sequência, aproveitei a cachu próxima pra remover td minha nhaca acumulada na pernada, banho q somente eu tomei.
Antes do finalzinho de tarde já desarmávamos acampamento, uma vez q ainda tínhamos uma longa viagem de volta até Londrina. Nos despedimos dos bem receptivos “Amigos da Serra” prometendo reencontro e zarpamos dali as 16:20hrs. Trocando infos com essa animada galera tomamos conhecimento de mais roteiros pelos arredores, q incluem mais cachus escondidas em meio a fendas serranas e até uma improvável gruta. Pois é, eu q vim aqui em três ocasiões achando q já tinha visto td mal sabia q arranhara de leve a superfície do lugar… O que torna mais evidente q a Serra do Cadeado esconde outras opções aventureiras, que certamente serão exploradas futuramente. Mais um bom motivo prum breve retorno a esta pouco divulgada região do Terceiro Planalto Parananense.