As coisas estão caminhando lentamente. Dia 18 de setembro fiz juntamente com minhas irmãs o teste HLA no Hospital das Clínicas, teste este que nos dirá quanto temos de compatibilidade para fins de transplante de medula óssea. O resultado está pra sair e logo saberei meu futuro. Nesse meio tempo, me sentindo muito melhor, marquei com o amigo Flávio Varrichio uma investida para montanha, realmente ousada dadas as devidas circunstâncias, Serra Fina. Eu sei, não deveria ter ído pra lá, mas não suportava mais ficar em casa vendo outros amigos indo pra montanha, então fui pra lá tocar pra frente um projeto antigo. A companhia não poderia ter sido melhor.
Planejamos tudo cuidadosamente então não podia dar errado, não havia margem de erro e foi assim que a travessia aconteceu em praticamente 99% do trajeto.
O termo “projeto antigo”: Há quase dois anos existe a ideia de medir uma montanha pouco visitada por quem faz a travessia da Serra Fina, uma das cinco mais populares do Brasil, o Morro do Avião (aka Pico do Avião ou Pico do Acidente, ou seu nome menos divulgado: Pico São João Batista).
A montanha tem uma História bizarra, no dia 5 de janeiro de 2000 um avião mono-motor, prefixo PT-KMB saiu do Campo de Marte, em São Paulo, com destino à Juiz de Fora, Minas Gerais. Pouco depois colidiu contra o pico, ao lado da Pedra da Mina. Havia quatro ocupantes, infelizmente ninguém sobreviveu. Os corpos foram resgatados pela aeronáutica e levados até o campo de Futebol da ESEFIC no município vizinho em Cruzeiro, São Paulo. Os destroços nunca foram removidos e desde então, há quase 13 anos, montanhistas curiosos visitam o que sobrou da aeronave na montanha.
Pois bem. Na primeira vez que fui a Serra Fina já vi o avião lá, mas não pesquisei nada. Acidentes aéreos são bem comuns nas montanhas do Brasil. Na Serra Fina mesmo, no Pico dos 3 Estados, já aconteceu outro desastre onde todos morreram. Na Serra do Mar Paranaense, em uma montanha chamada Lontra (vizinho do Agudo de Cotia pra quem não conhece), também há um avião caído desde a década de 1980. E por aí vai…
Mas o que me chamou atenção foi o tamanho do Pico do Avião. É enorme. Visto da Pedra da Mina nota-se que seu tamanho seria de no mínimo 2.650 metros de altitude já que é pouco mais baixo da montanha, e muito próximo, de cume a cume em uma linha reta, a distância é de apenas 950 metros, por trilha, 1,4 kms. Decidi: “preciso ir lá!”
Mas pra chegar lá, eu precisaria no mínimo subir pelo Paiolinho até a Pedra da Mina, mas como já subi o Paiolinho quatro vezes e nunca havia feito a travessia propriamente dita, portanto nunca havia feito cume no Capim Amarelo, Melano, 3 Estados e Alto dos Ivos, decidi encarar a travessia mesmo com esse problema de saúde que pode acabar com minha vida. “Bom, se é pra ir, vou com estilo” pensei.
A 1.850 metros, vento e frio cortantes no começo da crista do Capim Amarelo. – Autor: Flavio Varricchio
É claro, uma exageração da verdade momentânea. De fato eu poderia ter tido um “piri-paque” dos doidos ficando muito debilitado, dando trabalho pro Flávio e pra um eventual resgate. De fato eu poderia ter ficado por ali terminantemente, mas achei pouquíssimo provável já que me sentia muito, muito melhor do que da última vez que fui pra montanha com o Tácio e a Aline, ocasião esta que eu cheguei ao meu limite e tive que voltar sozinho 8kms de trilha até o carro, quase me arrastando do quarto quilômetro em diante.
Prometi a meu reflexo no espelho e a minha esposa e alicerce, Lilianne, que abortaria a travessia se me sentisse mal, se percebesse que meu limite estaria novamente à frente do avancé de nossa barraca. E o faria mesmo. Felizmente, isso não foi nem de perto preciso.
Tive sim efeitos colaterais indesejados e com certeza piorei minha anemia. Desde sempre, quando ultrapasso a linha dos 1.800 metros, tenho sangramento nasal. Isso acontece por causa da fragilidade de minhas mucosas nasais quando confrontadas pelo ar mais seco e hostil da altitude, mesmo que pouca (mas significativa pra nós brasileiros que somos em média, nativos de uma modesta altitude de 500 metros acima do nível do mar). Quando vou pro Atacama então, a 2.450 metros, desértico, isso é terrível.
Dessa vez, o sangramento foi tão, mas tão terrível, que eu tive que conviver 96 horas contínuas com cheiro e gosto de sangue de tanto que eu perdia. Tinha que limpar as narinas a cada vinte minutos pra poder respirar sem ser pela boca, o que resseca a garganta e aumenta a sede, problema conhecido na Serra Fina. O Flávio se impressionou com a quantidade de sangue que eu perdia. De fato, deixei um rastro pela travessia de sangue ao longo dos tantos quilômetros de seu percurso. Tenho quase certeza absoluta de que recolhi todos os meus papéis higiênicos usados, mas se esqueci um ou dois pelo caminho, me perdoem.
O mais desagradável era o efeito colateral disso. Aquele cheiro de sangue constante na narina me fez vomitar algumas vezes após soar o nariz e tirar placas de sangue coagulado. Muito, muito desagradável. Flávio assistia àquilo sem poder fazer nada, e eu sofri com o problema do meu jeito: “Levantei, sacodi a poeira e continuei montanha acima”.
Gastei ao todo três rolos completos de papel higiênico durante a travessia (quase um rolo inteiro por dia), o que me causou também feridas na entrada das narinas, que combinadas ao sol terrível que pegamos, me causou queimaduras sobre as feridas. Nossa, quando cheguei em casa e vi o resultado (estado em que estou agora) realmente me impressionei. Que estrago! Mas felizmente estou bem e de pé, gripado, queimado, esfolado, mas realizado.
Chega de enrolação. Decidi fazer a travessia e ponto final. Convidei também o Tácio, mas estava enrolado com a pós dele e não pôde ir, uma pena já que temos projetos em andamento e um deles é medir e nomear algumas montanhas da Serra. Ele ficou na torcida de casa.
Flávio e eu saímos de pontos diferentes é claro, ele de Petrópolis onde mora e eu de São Paulo onde sobrevivo. Cheguei em Passa Quatro três horas antes dele e fiquei papeando com um taxista, com quem já combinei o serviço de nos deixar na Toca do Lobo e nos buscar na entrada do Sítio do Pierre, na estrada que sobe pra Garganta do Registro. Quando ele chegou entramos direto no táxi e fomos subir a montanha.
O tempo estava duvidoso, nublado, deveras úmido, mas tudo isso previsto pelo Mountain Weather Forecasts, que previa para aquele dia, 26 de setembro, alguns milímetros de chuva, mas para os dias subseqüentes, sol absoluto. O taxista Antonio nos levou até a cota dos 1.300 metros de altitude, ponto limite para seu carro que não poderia passar dali. Descemos, pagamos e começamos a andar no meio da neblina que impedia completamente nossa visão além de vinte metros pra cima, não tínhamos nenhuma visão. Com o passar do tempo o negócio foi ficando molhado e resolvi vestir meu abrigo, seguimos.
Depois de mais ou menos meia hora andando, chegamos a 1.560 metros de altitude na famosa Toca do Lobo, uma gruta bem legal que na verdade talvez nunca tenha servido de toca de nenhum lobo, mas é assim que é conhecida. Fica à beira de um rio, e os primeiros passos da rota são de travessia de tal rio.
Estava tudo muito úmido, estávamos encharcados, e já era tarde, não iríamos progredir muito seguindo pra cima neste mesmo dia, mesmo acampando em um dos 29 pontos de acampamento que há na Serra. Então chegamos à decisão conjunta de passar a noite ali mesmo. Seria mais cômodo, seco, e começaríamos cedo na manhã seguinte. Montamos a barraca, colocamos roupas pra secar dentro da caverna que é muito quente, nos divertimos papeando e depois de jantar dormimos.
A noite foi um piscar de olhos, e acordamos com o tempo muito melhor, com a maioria de céu na cor azul claro. Preparamos tudo e começamos a caminhar. O início foi bem puxado já que o corpo sai de estado de repouso de muitas semanas e já encara uma trilha inclinada logo de cara, úmida e escorregadia. Tudo somado ao peso das mochilas, a do Flávio infinitamente mais pesada do que a minha, na casa dos 23 ou 24 kgs sem água. Preciso evitar carregar muito peso, pois isso só me desgastaria mais rápido, então meu peso se limitava ao máximo de 14kgs, sem carga de água. Depois que pegamos água, meu peso aumentou 3,5kgs e o do Flávio em 5kgs. Trilha acima, primeiros minutos de dias na Serra.
Logo começamos a nos maravilhar com as vistas da Serra Fina, já que as nuvens se afastaram um pouco revelando encostas escarpadas exuberantes. Só uma coisa atrapalhava um pouco, muito vento e muito frio. Ventava mais ou menos 50kms/h e a temperatura estava baixa, por volta dos 5 graus celcius a só 1.850 metros de altitude, o resultado era uma sensação térmica de zero. O começo foi gélido e ficou assim até quase o topo do Capim Amarelo.
A famosa crista do Capim Amarelo, a 2.040 metros, represando nuvens. Flávio à frente. – Autor: Parofes
Progredimos sem grande dificuldade, galgando a famosa crista do Pico Capim Amarelo, primeiro objetivo da travessia. As horas passavam rápido, a altitude mudava rápido, e em um piscar de olhos já passávamos da linha dos dois mil metros, onde vimos pela primeira vez ao vivo a famosa crista do Capim Amarelo, visão muito fácil de se ter em uma rápida busca no google imagens. Visão magnífica, uma sessão da crista que lembra muito as famosas “knife ridges” (crista de faca) norte-americanas e alpinas. De tão fina, com mais ou menos um metro de largura em uma sessão de uns cem metros de trilha, se o vento estiver realmente forte, um trekker pode facilmente ser jogado lá de cima encosta abaixo, já que em ambos os lados a inclinação beira os 60º-65º. Muito belo mesmo…
Vai um picolé? Quinze minutos matando a sede com picolé natural de montanha. – Autor: Parofes
Passamos por aí, fizemos fotos e seguimos pra cima. Logo ultrapassamos a cota dos 2.350 metros e começamos as sessões de trepa-pedra do Capim Amarelo, onde tivemos uma surpresa agradável, gelo na trilha. Mal sabíamos, encontraríamos muito mais ao longo do segundo e terceiro dias…
Finalmente, 5hs após começar, chegamos no alto dos 2.500 metros de altitude do Pico do Capim Amarelo (nota: O IBGE dá sua altitude como sendo 2.392 metros, completamente errada). Ao contrário do que passamos na crista, vento cortante e frio, no cume fazia até um pouco de calor. Foto de cume, exploramos um pouco, e logo chegamos à decisão de começar a descida oposta pra acampar no colo entre esta e a próxima montanha, o Morro do Melano. Não tínhamos visão nenhuma por causa da nuvem que nos cercava, então começamos a descer.
Cume do Capim Amarelo a 2.500 metros. – Autor: Parofes
Ambos checávamos a rota, cada qual com seu GPS, apesar de que por ser um modelo mais antigo, o meu de nada servia com tempo nublado ou dentro de mata, já que conseguir sinal de satélite se torna uma epopeia tecnológica. Encontramos a rota de descida e seguimos pra baixo. Logo chegamos a uma florestinha de bambuzinhos bem fechada, mas com trilha incrivelmente bem marcada, continuamos descendo. Depois de dois ou três minutos um “dead end”, beco sem saída. Demos de cara com uma rocha e a trilha literalmente acabava ali.
“Mas que coisa, seguimos a trilha super marcada e essa travessia é muito repetida por dúzias de pessoas ao mesmo tempo, onde será que erramos?”. Flávio subiu de volta procurando nosso erro enquanto eu analisava como vencer a rocha, com aquele chão instável e molhado seria difícil e até dava, mas não havia chão do outro lado!
Flávio me gritou, havia encontrado uma entrada a esquerda marcada com fitas. Mas que coisa! A trilha que descemos era muito, muito mais bem marcada do que a trilha da travessia em si. Subir aquilo de volta foi uma luta e perdemos tempo e energia. Este foi nosso único erro durante toda a travessia, e a julgar pelo estado da trilha errada, extremamente bem marcada e com os bambus cortados, muita gente erra aquele ponto.
Seguimos pra baixo, e só nessa porcaria perdemos mais ou menos meia hora. As horas passavam e avançávamos muito bem apesar do tropeço. Depois de mais ou menos uma hora e vinte minutos chegamos a cem metros em linha reta do acampamento abaixo do Capim Amarelo, na altitude de 2.280 metros, e tínhamos que subir 25 metros por algum lugar pra chegar ao local de pernoite, mas estávamos cercados por uma neblina muito forte. Não tínhamos orientação visual e ambos aparelhos de GPS estavam desorientados por causa do tempo ruim, até mesmo o dele, um garmin 60cx, aparelho mais popular entre os montanhistas brasileiros, de excelente resultado.
Buscamos por rotas diferenciadas, por diversas vezes, nos molhando, buscando feito doidos, mas o mais próximo que chegamos do acampamento foi a distância de 62 metros em linha reta. Incrível! Não chegávamos a lugar algum.
Nosso acampamento depois do Capim Amarelo. – Autor: Parofes
Decidimos acampar ali mesmo, pois no meio do capim anta havia dois pontos de acampamento, um fora da floresta de bambuzinhos, e outro dentro que parecia uma geladeira de tão frio e cercado por gelo na vegetação, bastante sincelo.
Estávamos frustrados, como pode um local tão próximo não querer ser encontrado? Mais perto do que a caminhada até a padaria do meu bairro, entretanto tão distante quanto a outra extremidade da Serra. Foi então que um vento soprou…
Quando esse vento soprou, por mais ou menos vinte segundos pude ver um totem do outro lado do capim anta, bem visível, subindo a encosta rochosa levemente inclinada do morrinho à nossa frente. “Flavio, olha um totem ali, vamos tentar mais uma vez!”. A essa hora já tínhamos até escolhido nosso acampamento, eu já tinha vomitado pela primeira vez, era decidido passarmos a noite ali. Lá fomos nós tentar.
Fácil, tão fácil quanto pegar doce de criança, subimos a pequena e curta sessão de rampa de rocha com as mãos congelando a ponto de começar as “alfinetadas de frio”, até que a distância diminuiu pra 50 metros, 40 metros, 30 metros, chegamos ao acampamento! Putz, que coisa…Nesse momento a sensação térmica era facilmente de –5°C.
Nessa brincadeira perdemos mais quarenta minutos, então juntando a descida errada da trilha que leva a lugar algum com a dificuldade de orientação pra chegar ao acampamento, levamos o dobro do tempo que se leva do cume do Capim Amarelo até tal acampamento, de uma hora nosso tempo foi pra duas horas. Terminamos a caminhada do dia a 2.305 metros de altitude depois de sete horas de trabalho.
Olha o bichano aí, simpático que só. – Autor: Parofes
Montamos acampamento, jantamos, e depois disso nos divertimos com o famoso roedor da Serra Fina, que veio cheirar e buscar por alimento. Que bichinho curioso e teimoso, não adiantava nada espantar, ele voltava. Creio que de tanto ver montanhista e ser alimentado pelos mesmos, se acostumou à presença humana e sequer se assusta, a não ser com movimentos bruscos. Dá até pra fazer carinho no dito cujo que ele aceita. Depois de quase uma hora no divertimento com o bichano fomos dormir, pois fazia bastante frio.
Acordamos em clima gelado, e com tempo super limpo, não havia uma nuvem sequer no céu, e a barraca estava branca de geada. A temperatura pela manhã, -1,9°C. Presentão já que não esperávamos por isso. Fotos, divertimento, frio (1: por causa da minha condição, minha resistência ao frio caiu drasticamente, então levei meu pluma comigo!/ 2: Pra economizar peso, levei o saco de dormir da Lili que é pra extremo de +5ºC, resultado, senti frio nos pés todos os dias), preparamos tudo e depois de um rápido café da manhã, seguimos nossa estrada rumo ao primeiro cume do segundo dia, Morro do Melano.
A cinco minutos do cume do Melano que se vê à frente. Tacio: Aparece a Mitra do Bispo nessa panorâmica! – Autor: Parofes
O Morro do Melano é um enorme maciço vizinho do Capim Amarelo, maior que ele em altitude, composto de uma seqüência de cinco corcovas, sendo a última a mais alta, que liga o Capim Amarelo ao vale que separa a Pedra da Mina do Morro do Tartarugão, outra enorme montanha brasileira cujo cume já pisei exatamente dois anos atrás. Dia 23 de setembro de 2010.
Pouco divulgado, menos ainda contado como cume (pela maioria, não todos), na verdade eu diria que o Morro do Melano é mais montanha propriamente dita do que o Capim Amarelo, levando em consideração a altitude do colo entre as duas montanhas. Mas isso é papo pra outra argumentação. Galgamos a rampa rochosa de sua encosta logo após a floresta que entramos depois do grande e ótimo acampamento Maracanã, vinte minutos após o que dormimos. Aliás, acredite ou não, subimos a rampa rochosa desviando de gelo pra não escorregar e morrer na queda. A rampa estava com todos os pontos de água congelados! Acredito que durante a noite a temperatura foi ainda menos que os –1,9°C que vi no meu relógio, mas não registrei.
Aos poucos nossa água foi se esgotando, conforme ganhávamos altitude no Melano, fazendo esforço pra vencer sua crista de tanto sobe e desce, sob forte sol. Foi então que tivemos uma visão quase inacreditável: Mais gelo. Não somente mais gelo, muito gelo! Além de ser uma visão completamente “apetitosa” no sentido de oportunidade de presenciar o fenômeno, também havia o sentido literal da palavra “apetitoso”, gelo de água pura da montanha que mataria nossa sede por mais alguns minutos.
Subindo o Melano, vegetação congelada. – Autor: Parofes
O que acontece é que o fenômeno foi SINCELO, que segundo o wikipedia é “um fenómeno meteorológico que acontece em situações de nevoeiro aliado a uma temperatura de -2ºC a -8ºC, e que resulta do congelamento das gotas de água em suspensão, quando estas entram em contato com a superfície. Quando sob um nevoeiro muito denso, pode produzir o mesmo efeito que uma nevada e ocorrer a precipitação de cristais de gelo em pleno nevoeiro, sem haver nuvens no céu. Não deve ser confundido com geada. A película de gelo forma-se em qualquer superfície que esteja no caminho da neblina, dando às folhas e caules das árvores uma aparência vítrea”. Quando o sincelo é muito forte, como o que vimos, os cristais de gelo crescem tanto que tomam formato de cubos ou pedras de gelo, e caem da vegetação no solo por causa do peso. No sul do Brasil, Serra Catarinense, é comum ver sincelo em formatos de cacho de uva durante o inverno.
Quanto gelo! – Autor: Parofes
Muito comum nas serras mais frias brasileiras durante o inverno, mas não na primeira semana de primavera! Fotografamos, filmei, matamos a sede, e continuamos. Que presente da natureza…
Seguimos em frente, passamos pelo ponto mais alto do Melano onde medi ter 2.566 metros. Iniciamos a descida oposta para entrar no enorme vale onde fica a cachoeira do ferrugem, já sedentos novamente por água fresca. Passamos direto pelo primeiro ponto de água, chegando no Rio Claro que separa o 11° acampamento do 12° acampamento. Finalmente, água em abundância…Tínhamos mais ou menos 100ml de água cada um.
Paramos, comemoramos com largos sorrisos exibindo nossos lábios já rachando da secura, abastecemos os reservatórios de água, fizemos suco de limão. Foi um divertimento que durou cerca de meia hora incluindo o tempo que o Flávio gastou trabalhando, já que pra ele além da aventura de pisar pela primeira vez na Serra Fina, havia o dever da vida de fotógrafo.
Recomeçamos a caminhar. Agora começamos a atravessar o vale já com a Pedra da Mina crescendo rapidamente diante de nós. Chegando na base da montanha, precisei soar o nariz de novo e lá se foi todo o líquido (suco) que ingeri pra me hidratar, vomitei tudo. Mas que coisa mais desagradável viu…Recomposto, seguimos pra subida da face oeste da Mina, após apreciar a parede sul da montanha.
Por fim, exatamente às 15:00h pisamos no cume da montanha, minha sexta vez e primeira vez do Flávio. Levamos novamente sete horas total de caminhada, desde nosso acampamento até o topo da Mina, incluindo todas as paradas fotográficas, de vômito, abastecimento de água e apreciação do belo da montanha. Chegando cedo lá, tivemos tempo de escolher com calma onde acampar já que continuávamos completamente sós, montar a barraca, vomitar de novo depois de soar o sangue, e nos preparar pro momento do pôr do sol e devidas fotografias que nos proporcionaria.
Auto retrato na Pedra da Mina, sexta vez. – Autor: Parofes
Minha assinatura no livro de cume. – Autor: Parofes
Momento em que se diz: “Ahhh…” – Autor: Parofes
A temperatura caiu muito rápido, a última vez que chequei após todos os nossos cliques de frente pro Vale do Ruah, também registrei, e fazia –2,7°C exatamente às 19:14h da noite, pouco depois da última luz de sol deixar o céu. Só não fez mais frio em sensação térmica porque não havia vento. Não registrei durante a noite, mas provavelmente chegou a –5°C, visto que no PNI durante essa mesma noite a mínima foi de –7°C. Lembrando, primeira semana da primavera depois de um inverno muito fraco do ano de 2012.
Fomos dormir já descansados depois de longas sete horas de caminhada e mais uma hora de deleite fotográfico que também serviu de descanso. Esta noite não precisaríamos preservar água, pois teríamos no Ruah nos primeiros minutos de caminhada do dia seguinte.
Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.