Sessenta anos da conquista do Everest

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O aniversariante mais famoso deste ano não é uma pessoa, mas sim a mais conhecida e mais cobiçada montanha de todas: O Everest. Em 2013, celebra-se o jubileu de diamante do Grande E, que, assim, é o mais novo “sessentão” entre as montanhas da Ásia.

  

HISTÓRICO

  

Descoberto no final do século XIX, não chamou grande atenção. Naqueles idos, o cume apontado como o mais elevado era o Kangchenjunga (hoje, com 8586 metros, está em terceiro lugar). Em 1852, contudo, uma medição feita pela Índia comprovou que aquela remota montanha encravada no Vale do Khumbu, fronteira entre o Nepal e a China (Tibete), era o ponto dominante do Planeta Terra, e, então, tudo mudou.
 
No Nepal, era chamado Chomolungma (“Deusa Mãe do Universo”); no Tibete, Sagarmatha (“Teto do Mundo”). Pelos ocidentais, inicialmente foi denominado “Peak b”, depois “Peak H”, após “Peak XV”, até ser definitivamente batizado de Monte Everest, em homenagem ao chefe do instituto de cartografia da Índia.
 
Nos círculos alpinísticos daqueles idos, escalar uma montanha de mais de 8000 metros era impraticável. Por isso, apesar da fama e de estampar a capa de inúmeras publicações, somente recebeu uma primeira expedição em 1921, pelo flanco tibetano, liderada por C K Howard-Bury, que fez reconhecimento dos flancos Norte e Leste.
 
Seguiram-se sete outras expedições britânicas, entre 1922 e 1938, das quais, a mais comentada foi a de 1924, liderada por Edward Norton, na qual dois alpinistas desapareceram no ataque ao cume pela Aresta Nordeste, naquele que é considerado um dos maiores mistérios do Himalaia. Teriam Andy Irvine e George Mallory sido os primeiros alpinistas a pisar no topo? Essa pergunta motivou uma quantidade incrível de livros, filmes, documentários e expedições tentando decifrar o enigma, até os dias de hoje não satisfatoriamente resolvido.
 
Passada a Segunda Guerra Mundial, as investidas ao Everest retomaram, trocando de palco. Antes, as tentativas vinham pelo Flanco Tibetano (que é mais seguro, porém mais difícil tecnicamente); agora, passaram a se concentrar no Flanco Nepalês (que é mais perigoso, com mais fatalidades, porém é menos exigente). Assim foram as expedições americana (1950), dinamarquesa (1951), britânica (1951) e suíça (1952).
 
Até aquele momento, apesar de algumas investidas até altitudes bem elevadas (1922 – 8350 metros; 1924 – 8550 metros; 1933 – 8350 metros; 1938 – 8300 metros; 1952 – 8600 metros), faltava o coroamento definitivo. Quinze expedições haviam desafiado as encostas do Big E, com quinze mortes registradas, e nenhum triunfo.
 
Para o ano de 1953, forte expedição britânica liderada por John Hunt foi montada. Os integrantes eram a nata do montanhismo inglês de então, a maior parte dos quais calejados de várias expedições a 7000ers e 8000ers: George Band; Tom Bourdillon, Charles Evans, Alf Gregory, George Lowe, Wilfrid Noyce, Michael Westmacott.
 
A primeira investida ao cume – no dia 26 de maio de 1953 –, foi abortada por questões climáticas, quando Charles Evans e Tom Bourdillon estavam já a 8750 metros (menos de 150 metros verticais do cimo).
 
Coube, então, a honraria do desvirginamento a um apicultor neo-zelandês – Edmund Percival Hillary – e a um marceneiro nepalês (de origem indiana) – Tenzing Norgay Sherpa –, que chegaram juntos e abraçados ao ponto mais alto às 11 horas e 30 minutos da manhã do dia 29 de maio de 1953. Uma das datas mais relevantes do montanhismo mundial.
 
Desde então, foram múltiplas expedições com uma plêiade de cumes (até 2012, são cerca de 6200 cumes, por 3500 alpinistas diferentes).
 
SITUAÇÃO RECENTE
 
A partir dos anos 90, com a entrada em cena das empresas comerciais, o Everest virou um grande negócio, que rende milhões de dólares para os chefes de expedição e outros tantos para os governos do Nepal e da China, que faturam cobrando licenças de escalada (“permits”). Por conta disso, a popularidade do Big E tem aumentado muito, com cada vez mais expedições e alpinistas em suas encostas, demonstrando, em muitas temporadas, sinais claros de saturação, devido à poluição e degradação ambiental (dejetos, lixo, sujeira, cadáveres, cilindros de oxigênio, barracas e cordas são deixadas para trás). Também é crescente a preocupação com o excesso de gente na montanha, cuja cena mais chocante foi os incríveis engarrafamentos na rota normal nepalesa em 2012, fotos que circularam o mundo e abismaram muita gente.
 
Na presente temporada – 2013 – o Everest mostrou o que tem de melhor e de pior. 
 
No lado positivo, uma janela prolongada de bom tempo acarretou uma quantidade expressiva de cumes, que, segundo levantamento informal preliminar, aponta para mais de 650 (o que colocará este ano como a melhor temporada no Everest em todos os tempos). Nessa verdadeira “onda de cumes”, tivemos Karina Oliani (terceira brasileira), Rodrigo Raineiri (um dos raros sulamericanos a culminar 3x), e Jefferson dos Reis (escalando com a Patagonian Brothers). 
 
Quanto ao lado negativo, tivemos oito mortes (incluindo dois alpinistas de altíssima qualidade: Alexey Bolotov e Seo Sung-Ho) e um montante alto de lesões por congelamento (frostbites), além de um dos episódios mais sinistros e sombrios já vistos: dezenas de sherpas ameaçando de morte e agredindo fisicamente três dos alpinistas mais queridos do circuito: Simone Moro, Ueli Steck e Jonathan Griffith, que tentariam nova rota na Face Sul da montanha.
 
Para prestar uma homenagem ao Everest e comemorar os seus sessenta anos de júbilos, compilei uma quantidade sem precedentes de curiosidades e dados, retirados das minhas tabelas e dos meus textos, que agora apresento em tópicos:
 
I)  RAIO X:
 
Nome: Everest
Localização: Região do Vale do Khumbu, fronteira entre Nepal e China (Tibete)
Cadeia: Himalaia
Sub-Cadeia: Malahagur Himal
Coordenadas: 27º59’16” N – 86º56’40” E
Ascensões (até dezembro/2012): 6.149 *
Diferentes escaladores: 3.755 *
Ascensões NOOX: 177 (por 146 escaladores diferentes)
Ascensões femininas: 378 (por 347 mulheres distintas)
Ascensões femininas NOOX: 5 (por cinco escaladoras)
Mortes: 238 **
Grau de periculosidade total (1821-2013): 4,06% [baixo]
Grau de periculosidade moderno (1992-2013): 2,36% [baixo]
 
* Considerados os números preliminares de 2013, teremos, provavelmente, 6.800 cumes, por 3.900 escaladores distintos.
** Contabilizadas as fatalidades de 2013, são 247 mortos agora.
 
II)  PIONEIROS E PRIMEIROS:
 
1º homem – Edmund Hillary (N-Z) e Tenzing Norgay (NEP), em 1953
1ª mulher – Junko Tabei (JAP), 1975
1º sem oxigênio – Reinhold Messner (ITA) e Peter Habeler (AUT), em 1978
1º a subir 2x – Nawang Gombu (NEP), em 1963 e 1965
1º a subir 2x num mesmo ano – Lhakpa Nuru (NEP), em 1992
1º a subir 3x num mesmo ano – Tashi Tshering (NEP), em 1998
1ª mulher a subir 2x num mesmo ano – Chhyurim Sherpani (NEP), em 2011
1º a subir por duas rotas: Ang Phu Sherpa (NEP), em 1978 e 1979
1º a subir pelos dois flancos: Yasuo Kato (JAP), em 1973 e 1980
1º casal: Andrzej Stremfelj & Marija Stremfelj (SLO), em 1990
1º casamento no cume: Moni Mulepati & Pem Dorje Sherpa (NEP), em 2005
1ª invernal: Krzysztof Wielicki & Leszek Cichy (POL), em 1980
1ª travessia: Thomas Hornbein & Willi Unsoeld (EUA), em 1963
1ª subida solo: Reinhold Messner (ITA), em 1980
1ª escalada em estilo alpino: Reinhold Messner (ITA), em 1980
1º cego: Erik Weihenmayer (EUA), em 2001
1º diabético: Iosu Feijoo (ESP), em 2006
1º sem um braço: Gary Guller (EUA), em 2003
1º sem uma perna: Tom Whittaker (EUA), em 1998
1º sem ambas as mãos: Kim Hong-Bin (C-S), em 2007
1º sem ambas as pernas: Mark Inglis (N-Z), em 2006
1ª descida de ski: Davorin Karnicar (SLO), em 2000
1ª descida de snowboard: Marco Siffredi (ITA), em 2002
1ª descida de paraglider: Jean-Noel Roche & Bertrand Roche (EUA), em 1990
1º a dormir no cume: Babu Chhiri Sherpa (NEP), ficou 21h30m no cume, em 1999
1ºs irmãos juntos: Alberto & Félix Iñurrategi (ESP), em 1992
1º combo pai + filho no cume: Jean-Noel & Bertrand Roche (EUA), em 1990
1º combo mãe + filha no cume: Cheryl & Nicole Bart (AUS), em 2008
1ºs sulamericanos: Cristian Huidobro, Rodrigo Jordan, Juan Porcile (CHIL), em 1992
1ªs sulamericanas: Vivianne Maggi, Cristina Prieto, Patrícia Soto (CHIL), em 2001
1º a pousar de helicóptero no cume: Didier Delsalle (FRA), em 2005
1º nudismo no cume: Lhakpa Tharkey Sherpa (NEP), em 2006
1ª ligação de celular do cume: Shen Luo (CHIN), em 2003
1º astronauta: Scott Edward Parazynski (POL), veterano da NASA, em 2009
1º sacerdote da Igreja Ortodoxa: Fedor Konjuchov (RUS), em 2012
 
III)  RECORDISTAS
 
Homem mais velho: Yuichiro Miura (JAP), em 2013, aos 80 anos
Mulher mais velha: Tamae Watanabe (JAP), em 2012, aos 73 anos
Homem mais jovem: Jordan Romero (EUA), em 2010, aos 13 anos
Mulher mais jovem: Samantha Larson (EUA), em 2007, aos 18 anos
Mais êxitos: Apa Sherpa (NEP) e Phurba Tashi Sherpa (NEP), com 21 cumes
Ocidental com mais êxitos: Dave Hahn (EUA), com 15 cumes
Mulher com mais êxitos: Lakpa Sherpani (NEP), com 6 cumes
Mais vezes sem oxigênio: Ang Rita Sherpa (NEP), com 9 cumes
Mais anos consecutivos com cume: Chuwang Nima (NEP), 13 (1998 a 2010)
Mais cumes pelo Flanco Tibetano: Phurba Tashi Sherpa (NEP), 13
Mais cumes pelo Flanco Nepali: Apa Sherpa (NEP), 20
Escalada mais rápida: Pemba Dorje Sherpa (NEP), em 2004 – 8h10m
Maior quantidade de cumes em um só dia: 23.05.2010, com 169 cumes
Temporada mais bem sucedida: primavera de 2007, com 630 cumes *
Mais tempo no cume: Bhakta Kumar Rai (NEP), permaneceu 32 horas, em 2011
Família no cume: Dan Mallory e seus filhos Adam e Alan (CAN), em 2008
 
* Segundo informes preliminares, a temporada de 2013 pode chegar bem próxima a este número, ou até mesmo ultrapassa-lo.
 
IV)  ESTATÍSTICAS BRASILEIRAS:
 
1ª expedição brasileira: 1991, sob a liderança de Thomaz Brandolin, e composta por Ramis Tetu, Luiz Bonin, Roberto Linsker, Kenvy Chung Ng, Helena Coelho, Paulo Coelho e Eduardo Vinhaes
1º brasileiro (critério jurídico): Michel Vincent (RJ), em 1992
1º brasileiro (critério informal): Mozart Catão (RJ) & Waldemar Niclevicz (PR), em 1995
1ª brasileira: Ana Elisa Boscarioli (SP), em 2006
1º a dois cumes: Waldemar Niclevicz (PR), em 1995 e 2005
1º pelos dois flancos: Waldemar Niclevicz (PR), em 1995 e 2005
1º sem oxigênio: Vitor Negrete (MG), em 2006 (infelizmente, morreu descendo)
Mais jovem: Carlos Eduardo Santalena (SP), aos 24 anos, em 2011
Mais idoso: Manoel Morgado (RS), aos 53 anos, em 2010
Mais cumes: Rodrigo Raineri (SP), que culminou 3x (2008, 2011 e 2013)
Mais experientes: O casal Paulo & Helena Coelho esteve no Everest, escalando ou não, 13 vezes. Na sequência, temos Rodrigo Raineri (com cinco) e Niclevicz (com quatro). O mais experiente em trekkings até o campo-base do Everest é Manoel Morgado, que já fez a trilha cinqüenta vezes
 
Listagem completa dos cumes brasileiros:
 
01 – 1992 – Michel Vincent (RJ) [Tibete]
02 – 1995 – Mozart Catão (RJ) [Tibete]
03 – 1995 – Waldemar Niclevicz (PR) [Tibete]
04 – 2005 – Waldemar Niclevicz (PR) [Nepal] (1º a 2x)
05 – 2005 – Irivan Gustavo Burda (PR) [Nepal]
06 – 2005 – Vitor Negrete (MG) [Tibete]
07 – 2006 – Vitor Negrete (MG) [Tibete] (2º a 2x) [noox – morte na descida]
08 – 2006 – Ana Elisa Boscarioli (SP) [Nepal] [primeira mulher]
09 – 2008 – Rodrigo Raineri (SP) [Nepal]
10 – 2008 – Eduardo Margy Keppke (SP) [Nepal]
11 – 2010 – Manoel Morgado (RS) [Nepal]
12 – 2010 – Cleonice (Cleo) Weidlich (AM) [Nepal] [segunda mulher]
13 – 2011 – Carlos Eduardo Canellas (SP) [Nepal]
14 – 2011 – Carlos Eduardo Santalena (SP) [Nepal]
15 – 2011 – Rodrigo Raineri (SP) [Nepal] (3º a 2x)
16 – 2013 – Karina Oliani (SP) [Nepal] [terceira mulher]
17 – 2013 – Rodrigo Raineri (SP) [Nepal] (1º a 3x)
18 – 2013 – Jefferson dos Reis (SP) [Nepal]
 
São, portanto, dezoito cumes brasileiros no Everest, por catorze alpinistas distintos.
 
V)  ANÁLISE PRELIMINAR DOS BRASILEIROS EM 2013*
 
a) Karina Oliani, apresentadora de televisão e montanhista, escalou por intermédio da empresa Peak Promotion. Com estratégia bem sucedida, fez cume logo no início da janela de bom tempo, em 17.05.2013, a terceira brasileira a chegar lá em cima.
 
b) a expedição da Grade VI, liderada por Rodrigo Raineri, operou dentro da logística da Asian Trekking, mas as escalada dos brasileiros seguiu cronograma próprio. Além do líder, fizeram parte Carlos Eduardo Santalena, Carlos Eduardo Canellas, parceiros de Raineri, além de Joel Kriger. As perspectivas eram muitas: tentativa de fazer a terceira decolagem bem sucedida do cume do Everest (Raineir), de escalar sem oxigênio suplementar (Canellas) e de colocar no cume o brasileiro mais idoso (Joel, aos 61 anos). Por fatores diversos, os três últimos desistiram de ir ao cume por volta dos 8500 metros. Raineiri prosseguiu e ascendeu a montanha no dia 21.05.2013, seu terceiro cume.
 
c) a anunciada expedição ao Everest de Ana Lúcia Berndt da Luz, pastora evangélica de Criciúma, Santa Catarina, para chamar a atenção ao combate ao tráfico internacional de pessoas, acabou se tratando de um trekking ao campo-base nepalês, com cume, tão-somente, no Kala Pattar (5545m), um dos “faróis” do Everest.
 
* dados preliminares, sujeitos a confirmação e ampliação após contato com os alpinistas
 
Rodrigo Granzotto Peron
Finalização do texto: 27-5-2013
 
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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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