No ano de 2004, por 8 meses em uma das experiências mais marcantes de minha vida, desfrutando de um dos pedaços de rocha mais cobiçados do planeta – minha história começa mais ou menos assim. Após alguns anos de trabalho (mais trampo do que escaladas), juntei o dinheiro que precisava para minha viagem até a América do Norte. Depois de muito rodar, visitando amigos da costa leste até a costa oeste, começando pelos EUA, passando pelo Canada e retornando aos EUA pela costa oeste, segui em direção à Yosemite (meu grande sonho, desde que me conheço por escalador).
Minha idéia era ficar por lá duas semanas, mas me dei tão bem que consegui ficar por muito mais tempo. Conheci Dave Turner, camarada de Sacramento com muitas vias no currículo, escalador local do parque que me ensinou tudo que sei, pois nunca tive experiências em grandes paredes anteriormente.
Minha primeira parede foi o Washington Column, pela via South Face (5.8 C1+) em solitário, em três dias, onde tive a chance de colocar tudo junto e praticar em uma rota bem segura. Uma semana depois estava indo para a Leaning Tower, onde escalei a via Day Dream (A3) em solitário, também em três dias, sendo esta uma rota mais desafiadora, descendo da parede um pouco cansado. Uma semana de descanso depois estava dando um grande passo na minha carreira de escalador. O El Capitan estava ali aos meus pés, estava na base da via Mescalito com meu irmão Dave, que estava por começar a Reticent Wall em solitário. Minha primeira via no El Cap correu tudo bem. Onze dias de parede em solitário e muita história. O mesmo aconteceu pro Dave, terminando a sua via em 15 dias.
Tive minha primeira experiência de escalada em estilo rápido com Dave e Walt, mandando a Zodiac em 17 horas; North America Wall com Dave, Walt, Rich e Eric em 32 horas; Zennyatta Mondatta (5.8 A4) em seis dias, em solitário, e Sea of Dreams (5.8 A4) com meu amigo Scottie Vincik, que na época ainda trabalhava para o Yosemite Search and Rescue (grupo de Busca e Resgate), todas no El Capitan. Minha última via no vale, e no El Cap, foi a Triple Direct (5.9 A2+) com Roberta Nunes, Juliana Mello e Bryan Sweneey, em quatro dias de parede, com um dia de tempestade de neve. Uma semana antes uma forte tempestade atingiu o vale e cordadas que estavam no El Cap. Uma equipe japonesa faleceu por motivo de hipotermia, meu irmão Dave Turner ficou cinco dias na parede a uma enfiada do cume pela via Tempest, onde o mesmo foi resgatado, e muitos outros escaladores também foram resgatados em um dos maiores e mais delicados resgates da história de Yosemite.
Com a temperatura caindo muito em Yosemite e o mês de novembro terminando, meu visto sem nenhuma validade, não me restava alternativa senão voltar para o Brasil depois de dois anos na pista, visitar a família e os amigos, esperando retornar ao vale na próxima primavera. Deixar Yosemite é sempre difícil, não importa o frio que faça, grande família, amigos e toda aquela natureza. De volta ao Brasil por seis meses e a busca por ajuda de patrocinadores que acreditassem na minha história, o que não funcionou muito. Anyways, a gente sempre arruma um jeito de chegar quando o negócio é verdadeiro e vem do coração com intensidade.
Minha amiga Susanna Lantz, estava pedalando de Vancouver até a Terra do Fogo quando a gente se conheceu em Yosemite em 2004. Terminada a empreitada ela veio me visitar e em duas semanas estávamos voando para Calgary no Canadá com um só objetivo, chegar em Yosemite o mais rápido possível. Trabalhamos por duas semanas em Canmore (paraíso da escalada em gelo, Canadian Rockies), paisagem incrível e muita gente boa, a pequena cidade respira esportes de aventura; rafting, mountain bike, ski, snowboard, ice climbs, e muito mais.
Bom, alugamos um carro e partimos em direção ao oeste, agora podendo respirar mais aliviados, com uma graninha no bolso. Fomos escalar em Squamish, que fica à 50 km de Vancouver, várias escaladas em livre no Grand Wall, sinistro o lugar. Mais trabalho rolou, agora por um mês na construção, e mais grana pro projeto acontecer. Hora de partir. Com a grana ainda curta, mas dando para pagar a passagem e a comida por alguns dias, eu e a Susie caímos na pista novamente, destino, Yosemite Park. Chegando por lá, revendo os amigos do ano anterior, felicidade, sorriso no rosto e tudo acontecendo naturalmente.
Mais duas semanas de trabalho pintando uma casa e carregando cameras e outros equipamentos para os meus amigos Alex e Thomas Huber, consegui a grana suficiente para comprar vários equipamentos que faltavam e toda minha comida, sem esquecer a ajuda dos meus amigos Sean Leary, Dave Turner, Ammon McNelley, Ivo Ninov, e muitos outros. Enfim começei a carregar minha água, comida e equipamentos. Na base da parede, tirando onda com meu irmão Dave, que estava por começar uma nova via no El Cap, tempo não favorável, esperamos por ali, dormindo na base por uns quatro dias e a aventura começara.
Tempest, friends and lots of fun 2005
Primeiro dia fixando cordas, um pouco apreensivo, pois mesmo sabendo o que fazer o tempo que fiquei no Brasil não toquei em cliffs ou pitons, mas vamos lá que 1000 metros de granito estavam por vir e muito trabalho também. Limpei a cordada e desci pra base.
Segundo dia: jumariei a primeira já limpa, uns 15 metros distante da parede pois as primeiras cordadas da via são extremamente negativas e delicadas, blocos soltos do tamanho de refrigeradores apoiados em o que eu não sei, aguardando qualquer movimento brusco para cair. A via não teve muitas repetições (esta foi a sexta e a terceira em solitário). A terceira cordada foi bem engraçada, pois eu e Dave Turner estávamos bem próximos um do outro e nossas cordas se cruzaram pois parte da via dele passa pela Tempest, cordadinha complicada aquela, muitos hooks, heads e beaks, com uma travessia desprotegida e bem negativa…
Na quarta cordada o tempo parecia não ajudar, ao acordar e ver aquele céu cinza fiquei no meu portaledge até quase meio dia pensando se escalar ou não, ó dúvida cruel. O El Cap é assim do lado direito, a única saída depois de quatro cordadas do chão é o cume ou resgate (o que ninguém quer, né). Lá pelo meio dia, recolhi o acampamento e lá vou eu para mais uma cordada de não muito saber o que esperar, pois a via não tem um croqui muito detalhado, então o jeito foi colocar o rack no peito e partir pesado, foi assim em quase todas as cordadas. Cinco beaks seguidos em uma fissurinha negativa deixando a parada, rezando para que eles se comportassem bem, o que fazer, testando o sexto beak, explodiu e já estava esperando o vôo para o fator 2, mas o beak de baixo me segurou e me salvou de mais esta. UUUUFFFFAAAA. Muito mais sustos ainda por vir. Meia cordada em um dia e o tempo começava a virar, então deixei a corda fixa e voltei pro meu ledge, a noite foi tranqüila.
A cordada número 5 tem o nome de Twisted Sister, o motivo não descobri, mas bem complicadinha, assim como a maior parte da via. Timmy O´Neill e seu irmão Sean O´Neill, que é paraplégico já fazem quinze anos, começavam a jumarear as cordas fixas na via Space, junto à Ammon McNelley, um dos escaladores mais velozes de Yosemite, com mais de 50 vias no El Cap e muitos recordes batidos (como em Plastic Surgery Disaster, 5.8 A5, em pouco mais de 21 horas), maluco casca grossa, e Cedar Wright, escalador fortíssimo na escalada livre, tendo como seu último objetivo a via Excelent Adventure, no Rostrum, com graduação de 5.13b trad (IXc) com um teto alucinante.
Sexta cordada, CRUX da via, separei um dia somente para ela. Muita gente me falou dessa cordada e uma história bem interessante sobre ela: O renomado escalador Alex Lowe estava na via e lá pelo meio da cordada um dos beaks estourou e ele foi para um vôo de mais de 35 metros, eles acabaram descendo e deixando cordas fixas na parede. Tendo todos aqueles amigos ao meu lado estava confiante de que tudo correria bem, então mais um dia deixando meu portaledge para uma das mais perigosas cordadas da minha vida.
Deixei a parada em cinco rivets e o show de horror estava por começar. Doze birdbeaks seguidos em uma fissura expansiva com dois copperheads fixos. Estava escalando no último passo do meu estribo em todas as colocações, tentando reduzir ao máximo expandir a peça de baixo; quase lá Nick, último copper fixo e uma passada de cliff e tu chega numa fissura melhor, mas que nada, mais uma vez no último passo do meu estribo, conversando com meu head #1, pensando no Alex Lowe e imaginando o tamanho da queda, fiquei ali naquele cliff por quase meia hora pois a micro agarra não se mostrava a mais sólida, equalizei um outro cliff de agarra ao lado, respirei fundo e lá fui eu para buscar um cliff sólido e respirar aliviado. O resto da cordada foi mole, fissura de tamanho de Cams #1 e 2, total 45 metros de puro veneno, total da cordada 60 metros.
A Tempest divide cordadas com South Seas e Space, então mais uma vez chegava a hora de encontrar amigos na parada. Estava tão próximo do Dave que decidi rapelar e curtir o resto do dia de bobeira no seu portaledge. A noite cai mais uma vez no El Capitan e retorno para o meu bivaque.
Great White Shark, uma das poucas cordadas da via que não são de cair os cabelos… Tava chegando a hora de começar Space e encontrar com Sean e Timmy O´Neill, que logo deixaram a parada pois Ammon e Cedar estavam na cordada de cima. Momentos de descontração e conversando com Sean, ele me disse que estava um pouco adrenado, pois era a primeira vez que escalara em uma parede tão grande com muitos bivaques. Enfim, o resto da escalada correu bem, com duas tempestades que me tiraram o sono pois o vento estava jogando meu portaledge contra a parede, coisa que não tinha experimentado em escaladas anteriores.
Meu último susto foi na cordada 16, onde tive que escalar por um bloco totalmente solto de mais ou menos 15×15 metros e no final da cordada parte do bloco, mais ou menos 3×3, veio sobre minha cabeça e começou seu vôo, explodindo na base da via Mescalito. Por sorte meu cliff de baixo segurou minha queda, me salvando de cair em mais uma cordada de A4, UUUFFFAAA mais uma vez. Chamei meu amigo Dave no rádio para saber se estava tudo bem, pois a esta altura já estava seis cordadas à sua frente e o perdi de vista. Tudo bem com Dave, então a escalada segue adiante, cinco cordadas para o cume e mais três dias de parede.
CUME do El Capitan mais uma vez, na minha sétima via na parede. Sensação de dever cumprido, com Ricardo Lagos (que havia escalado em solitário pela via South Seas), chegando no cume poucas horas depois. CURTIÇÃO, dormi no cume, pois o nascer do sol com o Half Dome no background não tem dinheiro que pague.
Três meses no vale, amigos do Brasil (Roberta Nunes, Karina Filgueiras e Eduardo Bicudo) e para quem não conhecem e tem a chance, não passe batido não, o lugar é sinistro e cheio de energia.
Agradeço a DEUS pelos objetivos alcançados, todos os amigos de Yosemite que me ajudaram, seja emprestando equipamentos ou aquele apoio moral, me fazendo acreditar que tudo é possível. Valeu galera sangue bom, muita paz à todos.
E esta matéria fica em memória de Erica Kutcher, menina casca grossa que estava buscando uma nova via no Shipton Spire, no Paquistão, quando infelizmente um dia antes da escalada começar foi pega por uma avalanche a 600 metros do campo base, bem próximo ao K2. Erica, tu continua viva em nossos corações pode ter certeza. We miss you girl.