O amor do casal era tão grande que superava o histórico ódio que existia entre as tribos e ninguém conseguia convencê-los a desistir dessa união.
Os líderes de ambas as tribos lançaram mão de todos os meios que podiam para separar o casal. Mas, nem mesmo a forte magia dos sacerdotes surtiu efeito e os dois seguiam cada vez mais apaixonados.
Então, os sacerdotes decidiram matar os jovens pondo fim ao romance.
E, em uma noite escura, sem lua ambos foram mortos. A natureza revoltou-se e trouxe tempestades por dias, com fortes chuvas, raios e trovões. A região foi inundada a ponto de fazer as tribos desaparecerem. No lugar delas formaram-se dois lagos, o Chungará e o Cota-Cotani.
E no lugar da tumba dos jovens dois vulcões apareceram: Pomerape e Parinacota.
Se é fantasiosa ou não a lenda dos Payachatas, todas as lendas costumam trazer uma mistura de fatos históricos com uma dose de fantasia.
Um fato histórico que pudemos comprovar são os fortes ventos e tempestades que atacam a região.
O sonho de subir o Parinacota vinha sendo alimentado há alguns anos. A beleza dos dois vulcões lado a lado na paisagem semi-desértica de Sajama me encantaram. Aos poucos fui estudando e aumentando o desejo de conhecer mais essa “fração” da Cordilheira, a Cordilheira Ocidental.
Lado a lado, o Pomerape com seus 6.282 metros de altitude e o Parinacota com 6.348m deslumbram o visual no altiplano quase deserto nas proximidades do frio povoado de Sajama situado a cerca de 4.400m de altitude.
Devidamente aclimatado, na manhã de 24 de junho de 2013, a bordo de um veículo 4×4 saímos de La Paz, eu, o motorista e o Téo – um guia de montanha.
A viagem dura cerca de 4 horas e o visual é bastante compensador. Paramos para comer em Patacamaya, um povoado pequeno, simples e o restaurante apavora pela falta de cuidado com higiene e com a comida absurdamente ruim.
Vejo os dois se alimentarem como se estivessem com o prato mais saboroso do mundo. Comi o essencial para a sobrevivência e seguimos viajem.
A medida que avançávamos em direção à Sajama, nuvens no céu me preocupavam. Não tinha tempo suficiente para esperar condições ideais de ataque ao cume. Teria que ser naquela noite, pois a volta para o Brasil já estava agendada e amarrada com outra viagem.
Chegando ao povoado, e ao registrar entrada no Parque, a senhorinha que arrecada o ingresso nos alertou que na noite anterior havia nevado e ventado muito e persistido até a as primeiras horas do dia. Com um olhar furtivo parecia duvidar do sucesso da nossa na investida.
Nesse momento ventava muito e fazia bastante frio. A preocupação com o mau tempo aumentava.
Pelas pesquisas feitas, a melhor estratégia seria partir do abrigo em Sajama de jipe por volta de meia noite até 4.800 de altitude e dali fazer o ataque ao cume e voltar.
E assim fizemos.
Procurei relaxar para ter energias para o ataque. Dormi pouco, das 10 às 11hs da noite, mas o suficiente para estar com disposição e estado físico e mental confiantes para a subida.
O percurso de Jipe até o Campo Base, a 4.800m não é tão curto e o vento apresentava-se feroz em alguns momentos.
Assim que saltamos do veículo iniciamos uma caminhada bastante forte. Devido a altitude mais baixa, o vento soprava moderadamente.
Mas, à medida que avançávamos o ritmo ia diminuindo – não pela altitude pois ainda não era nada exagerado , mas pela exposição ao vento que soprava contra a investida.
Mesmo assim, chegamos rapidamente ao Campo Alto que está a 5.130m de altitude com uma fina chuva de neve. Alí pudemos constatar que recentemente fora construído um abrigo de alvenaria.
É hoje a melhor opção para a subida. Ir ainda de dia até o campo base, caminhar ao Campo alto para a meia-noite iniciar o ataque, já a pouco mais de 5.100m de altitude.
Conforme distanciávamos do campo alto, a inclinação tornava-se cada vez mais pesada e a exposição ao vento incrivelmente mais forte. Fomos subindo cada vez mais lento.
Em algumas situações era necessário parar para juntar forças para vencer o vento por alguns metros, parar novamente e assim sucessivamente. Os flocos de neve eram significativamente maiores e com o vento doíam como pedradas no corpo.
Aos poucos, com a inclinação ainda maior a jornada começou a ficar arriscada. Estava difícil segurar o corpo, a força do vento tentava nos lançar para baixo. Sentia fortes dores no pescoço com a enorme força que tinha que desprender para manter a cabeça ereta.
Por algumas vezes o Téo reclamou da força do vento, insisti em avançar até um ponto que não dava mais. Estava bastante arriscado. Abrigamos atrás de umas pedras mais elevadas e tomamos a decisão de voltar. Estávamos há algo entre 5.800m a 5.900m de altitude.
Apanhamos nas costas durante a descida. Inicialmente com os flocos maiores e mais fortes que lentamente iam diminuindo até no campo alto ser uma fina chuva com flocos bastante pequenos.
Apesar da tempestade, o luar estava forte, pois na parte baixa não havia nuvens. A neve que nos tocava era impulsionada pelo vento que soprava no alto da montanha.
A lua transformava o piso branco mais branco, iluminado. Apesar do não sucesso na subida, do frio e dores no corpo essa visão trazia uma sensação compensatória.
Pude perceber que apesar do anorak impermeável, o vento úmido molhou os dois polares que vestia. Tive que voltar ao abrigo, me acomodar com apenas uma fina peça de roupa e um pequeno cobertor que lá havia para me aquecer e esperar o dia amanhecer. Passei momentos de bastante frio.
Na manhã seguinte era impossível avistar as duas montanhas, estavam encobertas pelas nuvens, a tempestade continuava lá em cima.
Se naquela noite os dois jovens se encontraram no alto da montanha para reviver o antigo amor não sabemos, mas de alguma forma a força da natureza não aceitou nossa presença lá em cima.
O desejo de ficar para nova investida dentro de alguns dias era muito grande, mas a viagem de volta ao Brasil estava agendada para o dia seguinte. Mais importante que chegar ao cume é estar lá e sempre aprender.