As autoridades chilenas encerraram oficialmente as operações de busca e resgate no Parque Nacional Torres del Paine, confirmando um desfecho trágico para o grupo atingido por uma tempestade severa no Circuito “O”. O incidente, que resultou na morte de cinco montanhistas estrangeiros, levanta agora sérios questionamentos sobre os protocolos de segurança e a comunicação de alertas meteorológicos na Patagônia. Mas para além dos fatos, o que podemos aprender, como comunidade de montanha, com essa tragédia?
Um fenômeno climático como causa da tragédia
Após dias de buscas dificultadas por condições extremas, equipes do Exército e do GOPE localizaram os corpos das vítimas e resgataram quatro sobreviventes. As autoridades confirmaram as identidades dos que perderam a vida para a hipotermia e a exaustão: a britânica Victoria Bond, o casal alemão Nadine Lichey e Andreas Von Pein, e o casal mexicano Julian Garcia Pimentel e Cristina Calvillo Tovar. Os quatro sobreviventes foram encontrados em estado de choque nas proximidades do setor de Los Perros e evacuados.
O cenário para esse desastre foi o ponto mais crítico e exposto do circuito: o Passo John Gardner. Localizado a 1.200 metros de altitude, é uma zona de passagem obrigatória onde não há vegetação ou abrigos naturais. No dia 17 de novembro, a região foi atingida por um sistema frontal com características de ciclone. Relatos meteorológicos indicam rajadas de vento de até 193 km/h combinadas com forte nevasca e visibilidade nula, o temido whiteout. Nessas condições, a sensação térmica despenca para níveis mortais em questão de minutos, tornando a progressão impossível. Para termos uma dimensão da força da natureza, essa velocidade de vento é muito semelhante à do ciclone que varreu a cidade de Bonito do Iguaçu, no Paraná, neste mês.

Imagem ilustrativa do Passo John Gardner, local onde ocorreu o incidente. Foto: Yiyo Zamorano/Wikimedia Commons.”
Enquanto as famílias iniciam os trâmites para a repatriação, a atenção se volta inevitavelmente para as falhas humanas. Investigações preliminares apontam para uma série de erros na gestão do risco. A Direção Meteorológica do Chile havia emitido um alerta de tempo severo dias antes, mas essa informação crítica não chegou de forma eficaz aos montanhistas já isolados dentro do parque. Havia também uma ausência de autoridades no posto de controle da CONAF no Passo Gardner, que estaria vazio devido a uma troca de turnos, deixando o acesso livre para a zona de risco. Além disso, sobreviventes relataram que, no acampamento Los Perros, administrado pela Vértice Patagonia, não houve advertências enfáticas sobre o perigo iminente; pelo contrário, alguns receberam informações de que o tempo estaria “passável”.
Precisamos criar uma cultura de consultar a previsão de tempo
Eu havia comentado recentemente que evitaria falar sobre o caso no calor do momento, mas a gravidade da situação exige uma reflexão mais profunda. Não tenho contatos diretos que estivessem na Patagônia durante o evento para me passar informações de bastidores, mas não posso deixar de usar este triste exemplo para reforçar algo que há muito tempo alerto e que muitos praticantes de atividades ao ar livre ainda negligenciam: é preciso criar uma cultura de consultar e interpretar a previsão do tempo.
Neste caso específico, temos vítimas de países com forte cultura de atividades outdoor, como Reino Unido e Alemanha, que supostamente estariam habituados a essa verificação. No entanto, a confiança em informações erradas ou desatualizadas levou o grupo a acessar o trecho mais exposto da travessia justamente durante a passagem de um sistema severo.
Para quem frequenta montanhas, o hábito de checar a meteorologia deve ser tão automático quanto arrumar a mochila. Eu costumo utilizar duas ferramentas principais que considero essenciais. A primeira é o Mountain Forecast, que fornece previsões específicas por altitude para diversas montanhas ao redor do mundo. É uma ferramenta direta e de fácil leitura para o planejamento rápido. A segunda, para uma análise mais robusta, é o Windy. Este é um recurso mais complexo, ideal para usuários que buscam detalhamento, pois utiliza geolocalização e permite comparar diferentes modelos meteorológicos (como o ECMWF e o GFS) para avaliar vento, pressão e precipitação em camadas.
Ambos possuem versões gratuitas e pagas, variando apenas na granularidade das horas, mas a lição que fica independe da ferramenta: uma previsão é mais confiável com três dias de antecedência e crucial na véspera do ataque ou da travessia. Ainda assim, como a própria palavra diz, é uma previsão, não uma certeza absoluta. Eu uso esses sites há anos e eles foram fundamentais para boas tomadas de decisão, embora a natureza seja soberana e surpresas aconteçam, como vimos com os jet streams no Everest neste ano.
A previsão do tempo é a primeira linha de defesa de qualquer pessoa que se aventura na natureza. Fenômenos climáticos extremos ocorrem com mais intensidade e frequência em ambientes de alta latitude e altitude. Seja você um turista ocasional, um trekker ou um montanhista experiente, vá atrás da informação, aprenda a interpretar os dados e crie o hábito inegociável da consulta. Em ambientes hostis, saber quando não ir é tão importante quanto saber chegar. Ver a previsão do tempo não é apenas planejamento, é o que evita tragédias.















