Travessia Cipó – Pedreira

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Sentinela de Mogi das Cruzes (SP), a Serra do Itapeti é a enorme cadeia montanhosa que se estende sob forma de “mares de morros” desde o nordeste de Suzano até o sudoeste de Guararema. Como o miolo desta respeitável elevação urbana já foi dissecado a exaustão, a ideia desta vez se resumia a um reconhecimento inicial da crista que se espicha do asfalto da SP-088 em direção ao extremo oeste da serra. Isso vingou numa descompromissada brincadeirinha urbana que atingiu o topo do Morro do Cipó e se prolongou até as veredas proibidas (e pouco conhecidas) da Reserva Florestal Pedreira do Itapeti, área de preservação ambiental garantida por uma das maiores fornecedoras de brita do país. Sim, pernada sussa, mas com emoção, no caso, com “trezoitão” apontado em nossa direção.

Sempre que chegava de carro a Mogi das Cruzes (SP) observei atentamente aquelas encostas elevando-se na margem direita da Rod. Mogi-Dutra (SP-088). Prolongamento da Serra do Itapeti na direção oeste, este setor do sentinela mogiano passou a despertar meu interesse (e curiosidade) após todo seu miolo – situado entre o “Pico do Urubu” e a “Pedra do Lagarto” – já ter sido percorrido de todas as formas imagináveis. Sem nada programado em mente, aproveitei um dia ocioso de semana pra meter as caras naquele cafundó a fim de matar dois coelhos duma vez: a curiosidade e a vontade de pernar sussa. Comentei com o Ricardo das minhas pretensões pensando me dar algumas dicas e qual surpresa do cabra colar junto! Mas a surpresa maior foi constatar que ele, mogiano da gema e conhecedor da região como ninguém, nunca havia pisado no local! Ou seja, ele tava tão curioso em fuxicar aquelas bandas quanto eu!
Encontrei o Simões pouco depois das 10hr em frente à Estação Mogi da CPTM após tranquila, porém sacolejante viagem de trem. Após beliscar um breve desjejum numa padoca ali perto, nos pirulitamos pela Rua Cabo Diogo Oliver e tocamos por ela indefinidamente em direção a serra, isto é, pra noroeste. A cidade ficou logo pra trás na medida em que o passo transcorria firme e a conversa em dia também, até que tropeçamos com o trevo onde a enorme estrutura metálica do Monumento do Bandeirante erguia-se elegantemente, reluzindo ao sol daquela linda manhã.
Dali tomamos cuidadosamente o acostamento esquerdo do asfalto da Rod. Mogi-Dutra (SP-088) e fomos em direção ao colo da Serra do Itapety. Local estratégico por onde a rodovia consegue aceder à cidade em seu ponto mais baixo, dividindo a cumieira se morros florestados que forram o Itapety. E conforme nos aproximávamos, daquela enorme silhueta verde que se elevava a nossa frente e contrastando com o azul límpido do céu, fomos avaliando as possíveis entradas que dariam acesso aquele lado da serra. No caso, o que se apresentava a nossa esquerda. Até ali já tínhamos ganhado altitude acima da cidade, mas como o trajeto fora pela estrada a ascensão sequer foi percebida.
Mas não foi preciso buscar muito que o acesso é logo encontrado do lado duma placa marcando os limites de velocidade, ou seja, “60 km/h”. Ali tb existe um córreguinho com água límpida onde é possível encher o cantil e até mesmo lavar o rosto, que foi o nosso caso, pois o calor tava bem forte naquele horário. Tb existe um tunelzinho que cruza a rodovia que serve tanto como canaleta pra água como “ponte” de transição pras espécimes migrarem prum lado do outro da serra em segurança. Pois bem, dali nos embrenhamos numa trilha que sobe a encosta no morro e logo mergulha na mata fresca, acompanhando o que parece ser uma cerca que logo desaparece. Os eucaliptos do inicio logo cedem lugar a exuberante mata ciliar, assim como então suave vereda se torna uma íngreme piramba com degraus irregulares no chão de terra, onde existe até uma corda que serve como oportuno corrimão. Pressumo que em dias chuvosos o lugar fique liso feito sabão.
Mas após o trecho de alta declividade o caminho começa a suavizar em meio a degraus de raízes e alguns matacões em volta, num visual que imediatamente remete aos morros de Biritiba-Mirim. Uma clareira próxima do cume nos oferece tanto um breve momento de descanso, mas o restante da pernada transcorre sem maiores dificuldades até que a picada desemboca numa meia dúzia de “ranchos” bem rústicos mocozados no meio da mata. Ali encontramos tb um tiozinho que revela dali ser local de oração e que em dias de maior movimento sobem ali mais de 30 pessoas.
Próximo dali existe um belo mirante natureba formado por pedras amontoadas que permite visu diferenciado tanto de Mogi como do Pico do Urubu, por entre as frestas na mata. Perguntamos pro tiozinho – que buscava madeira pra fogueira – da continuidade da vereda morro acima e ele simplesmente responde: “Dali em diante não conheço nada, mas pelo que dizem a trilha termina no alto..”. Bem, ao menos por meio dele soubemos que  o lugar atendia pelo nome de Morro do Cipó, coisa que até o mogiano Simões desconhecia. Nos despedimos do prestativo tiozinho e continuamos pela vereda morro acima, de forma suave e compassada, onde encontramos mais clareiras e, por incrível que pareça, nada de lixo! E após cruzar uns túneis medonhos de bambus chegamos nos quase mil metros de altitude do topo, que de certa forma é decepcionante, pois é todo florestado embora exista uma ou outra brecha na mata, mas bem menos deslumbrantes que no mirante de pedras dos “ranchos”. Pois bem, no topo não achamos continuidade de picada alguma, o que de certa forma corroborava o comentário do tiozinho. Como a idéia era palmilhar a cumieira o jeito foi azimutar pra oeste e rasgar mato! E vamos que vamos!
Começamos contornando a base de um enorme rochedo pra dali perder gradualmente altitude em meio a voçorocas de caetês, que fomos afastando com as mãos. Mas ao perceber q tendíamos pro fundo vale ao norte corrigimos nossa a palmilhando aquela encosta na diagonal até, de certa forma, no intento de alcançar a crista da serra que se espichava na direção desejada. Este trajeto foi relativamente lento por conta da mata espessa, mas nada assim do outro mundo.
Não tardou pra sair daquele “mar de caetês” e cair no que pareceu ser uma picada maior, porém parcialmente tomada de mato. O corte vertical na encosta revelava estar pisando numa provável antiga estrada de extração desativada, uma vez q a espessa mata ciliar agora dava lugar a um bosque de eucaliptos. E assim palmilhamos esta precária via sem gdes dificuldades, ora desviando do mato no caminho, e indo de encontro ao colo que q separava a crista abaulada.
Chegando na metade  a vista se amplia na mesma medida em que a vereda limpa totalmente em melhor estado. Ali também haviam uns monólitos que apelidamos de “Totem do Milho” pois se resumiam a uns rochedos graníticas cercados de pequenos pés-de-milho. Deduzimos que alguém foi lá, pois estavam bem cuidados e estavam meio mocozados em meio ao reflorestamento. Mas como já passava do meio-dia e estávamos relativamente cansados, fizemos ali nosso segundo pit-stop a sombra dum dos enormes matacões. E assim descansamos, avaliamos a rota na carta, beliscamos alguma coisa e bebericamos o restante do precioso liquido dos cantis. A vista dali era muito melhor dos cumes palmilhados e prestigiava todo quadrante norte, sendo que da direita pra esquerda via-se, na sequencia, Sta Isabel, Arujá e Guarulhos, todas elas ao sopé do sinuoso recorte da imponente Serra do Itaberaba.
Descansados e com sol ameaçando abrandar, prosseguimos a pernada por aquele suave selado que interligava os topos principais a outros menores a oeste. Pernada sussa e tranquila desta vez, já q o caminho tava bem limpo e mostrava sinais de pisadas, ao contrário do vara-mato anterior. Cruzamos uma bifurcação onde ignoramos a via da direita, visivelmente indo em direção a Pedreira Itapeti. Assim prosseguimos pela picada da esquerda, que abandonou a cumieira pra percorrer a encosta sul da serra, descendo suavemente. Foi logo no inicio dela que tropeçamos com uma placa indicando onde nos encontrávamos: na Reserva Florestal Itapeti, uma área de proteção ambiental “legal e obrigatória” garantida pela Pedreira Embu.
A caminhada então prosseguiu naquela então bem cuidada vereda, onde os eucaliptos logo deram lugar novamente a mata nativa de tonalidade verde incrível. Mas qual nossa surpresa que pouco depois da placa trombamos com o que parecia ser um mirantezinho com bela vista de parte de Mogi, brilhando ao sol naquele inicio de tarde. Um decrépito corrimão de madeira reforça essa ideia, embora o lugar esteja um tanto mal cuidado devido ao mato estar invadindo o belvedere. Pausa pra fotos, claro.
Crentes de que o restante do caminho estaria em bom estado decidimos prosseguir naquela vereda, novamente uma antiga estrada desativada, descendo pela encosta serrana até o final. Mas aos poucos a vegetação começou a invadir nosso caminho de tal forma, que quando demos conta da gente vimos que estávamos já avançando em meio a espinhentos cipós, capim-gordura ressequido, voçorocas de urtigas, troncos enormes e toda sorte de mato obstruindo caminho. Ainda assim, persistimos e seguimos em frente, crentes de que na próxima curva a coisa melhorasse. Que nada, quando vimos que ainda faltava um tanto considerável e nosso progresso (sem facão) era lento e moroso, desistimos da idéia, pois o que menos queríamos naquele dia era sair dali altas horas da noite. Mas a boa noticia é que no caminho encontramos uma oportuna bica que molhou nossa goela e refrescou os ralados pelo corpo todo, e saber dessa oportuna fonte do preciso liquido já garante uma segunda investida futura melhor planejada ao lugar.
Retornamos então á bifurcação antes da placa e tocamos em direção a pedreira, já tirando o frasquinho de óleo-de-peroba pra besuntar o rosto. Além dele, um protetor tb teria caído bem pois as nuvens novamente de dispersavam escancarando um sol escaldante, onde o calor se agravava mais ao emanar do chão que pisávamos. Contudo o que mais nos impressionou era a drástica mudança de paisagem que tínhamos deste lado da serra. Se antes as encostas eram tomadas de verdejante mata, aqui a montanha havia sido praticamente “devorada”, apresentava crateras enormes, dando lugar a gigantescos anfiteatros de pura rocha do naipe daquela ilustre de Mairiporã, o Dib. Sim, a Pedreira Embu visivelmente fazia jus a sua alcunha de “maior fornecedora de brita do país”.
Tomando uma sucessão de estradas por onde circulava todo tipo de transporte pesado, ficamos apenas aguardando que alguém nos chamasse a atenção pela “invasão de propriedade’, mas até lá nada. A abordagem só veio de fato quando já estávamos na entrada da pedreira, onde avistamos um segurança mal encarado, do tamanho dum armário e com arma em punho vindo na nossa direção. “Levanta a blusa e abre a mochila!!!”, gritou ele mantendo distância segura da gente, agora apontando um trezoitão na nossa direção. Obedecemos ao mesmo tempo em q explicávamos o motivo de nossa presença ali, mas o cara só baixou o trabuco após verificar o conteúdo de nossas mochilas. “Sabiam que aqui é área particular guardada pela Policia Militar?“, disse ele. “A gente pega pesado mesmo pois tem pilantra que vem aqui roubar explosivo!”, emendou. De fato, a preocupação procede uma vez que boa parte dos roubos a caixas eletrônicos é feito com explosivos surrupiados.
Após ouvir o sermão em silêncio e nos indicar a saída, continuamos pela precária via de chão até dar numa via maior, a “Estrada da Pedreira”, onde nos informamos da nossa localização que era nada mais o “Bairro da… Pedreira” (claro!) Fomos atrás dum ponto na mesma estrada e em coisa de meia hora passou um coletivo que em coisa de vinte minutos  nos deixou novamente no centro de Mogi das Cruzes. Ali, antes de voltar pra Sampa, bebemoramos a bem-sucedida trip numa padoca em frente a estação ferroviária. Horário? Cerca das 17hrs.
E este foi o relato fiel da nossa primeira investida de reconhecimento a uma zona pouco visada da grandiosa Serra do Itapeti. É verdade que a falta de planejamento ou até da ciência do que encontrariamos pelo caminho foi o fator de não ter alcançado o finalzinho do extremo oeste do sentinela de Mogi das Cruzes. Mas essa é a alma da coisa: agregar aos poucos informação pra futuras e vindouras xeretadas, que certamente deverão ocorrer ainda esta ano. A presença de água naquelas altas encostas já é fator que garante retorno á Reserva Florestal sem grandes preocupações com o precioso liquido. E claro, sem a necessidade de ter de sair pela porta da frente da Pedreira, inglório e cabisbaixo, com arma apontada na cabeça.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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