Faz mais de década que abri mão de ir pro RJ por considerá-lo caro e muito desorganizado, e creio que meu último rolê por serras fluminenses foi uma esquecida travessia pelo Parque Três Picos. No entanto, passei a reconsiderar meus conceitos após a Copa e as Olimpiadas que, sediados na capital carioca, deixaram um grande legado em termos de infraestrutura e facilidades de transporte pro visitante. Bem, foi esse o argumento com que o Nando me convenceu a assim a aproveitar então uma boa promoção de passagem aérea no curto espaço de três dias. Assim, me mandei pro RJ na cia dele e do Jefferson, que conhecem melhor a cidade que eu. E nessa estreita faixa de tempo conseguir socar o máximo que dava pra fazer em termos de pernada, no caso, uma travessia litorânea que ia de Guaratiba e findava em Grumari.
Já nos 20 minutos finais dos 45 que a viagem toma de avião, da janela do Latam já dava pra reconhecer bem o belo litoral carioca contrastando com as águas azuis daquele dia lindo. “Olha lá os morros do Parque da Pedra Branca! É pelas praias dali perto que vamo andar ainda hoje!”, disse o Nando apontando com precisão pra cada acidente geográfico que a janela emoldurava ao passar, como a Pedra da Gávea, a Urca e o Corcovado, entre outros. Só nos dois fomos de avião pois o Jefferson nos encontraria no aeroporto hora depois, uma vez que ele saira de Sampa na noite anterior, num latão da Itapemirim.
Chegamos no aeroporto Santos Dumont a exatas 8:30hr, onde o Jefferson já nos aguardava, pegamos nossas bagagens e dali nos mandamos a pé mesmo até a estação de Metrô Cinelândia, relativamente próximo, onde nos pirulitamos por quase boa parte da Linha 4 do Metrô. Saltamos no final dela, na estação Jardim Oceânico, onde baldeamos de transporte pra Linha Transoeste do BRT (Bus Rapid Transit) que tocou indefinidamente pelo corredor de ônibus. Mas esse interminável trajeto serviu pra nos mostrar bem que o Rio tem muita coisa bacana pra conhecer, uma vez que a toda hora se viam maciços elevando-se no quadrante norte.
Saltamos na estação Ilha de Guaratiba, pedimos informações e logo nos prostamos num ponto de coletivos perto dali, ou melhor, na Estrada Roberto Burle Marx. Lá esperamos o latão 867, que nos levaria ao inicio do nosso destino, na Barra de Guaratiba. Mas qual nossa surpresa que tivemos a oportuna carona da simpática Claudia, que nos levou em sua picape em meio trocentas compras de supermercado. Era dona duma pousada (ou restaurante, não lembro ao certo) mas sempre ajudava mochileiros na região, e com ela tivemos literalmente um guia city-tour do trajeto até nosso destino. Já na “Estrada da Barra de Guaratiba” ela apontava pro manguezal, pra casa do Burle Marx, pros vendedores de carangueijos e até prum meandro arenoso do inicio da Restinga de Marambaia. “Ta vendo essa prainha ali? Aquele é o ´Ceará´ da Globo pois ali foi gravada a novela ´A Cor do Pecado´”, contou.
Depois de todos os transportes, baldeações e a carona, chegamos a Barra de Guaratiba pouco antes das 11hrs. Nos despedimos da Claudia e seguimos nossa chinelada. Antes, porém, passamos num mercado onde garantimos os últimos mantimentos e, claro, um latão de breja pois o calor estava a pino. A Barra de Guaratiba é o bairro praiano mais meridional do município do RJ, situado aos pés da imponente Serra de Guaratiba e a Restinga de Marambaia. Tem um comércio bem simples que me recordou uma Caraguatatuba mais rústica, e a paisagem se resume ás montanhas de um lado e praia do outro, onde as areias brancas contrastam com aguas azuis de onde consegue se ver a Ilha do Frade e a Ponta do Picão.
A pernada começa no largo central mesmo, logo na frente da Ponte Velha da Marambaia. Não tem muito erro pois o caminho é bem sinalizado até o inicio da trilha propriamente dito. Até lá é preciso subir as sinuosas, ingremes e estreitas vielas e residências mocadas na encosta do morro. Pros menos condicionados este trecho tem a facilidade de ser feito de motoboy, uma vez que trocentos jovens oferecem o serviço no sopé do morro. A subida pelas ladeiras e ruas é tranquila, sem pressa, o calor é logo sentido e o suor não demora a cair queixo abaixo. E olha que ainda nem estamos na trilha.
A vereda mesmo surge somente após ter ascendido coisa de menos de um terço a altura do morro. O asfalto dá lugar a terra bem batida, do lado duma placa de madeira dando as boas-vindas ao comecinho da Trilha Transcarioca, caracterizada pela inconfundível pegada de botinha amarela. Esta marca registrada estará presente em todo caminho, muito bem sinalizado, e serve de orientação aos andarilhos. Não tem segredo. O caminho é largo e alterna trechos bem compactos como outros tremendamente erodidos e escorregadios. Pra sorte nossa este comecinho que toca sempre na direção leste é generoso em sombra, proporcionado pela bonita e exuberante floresta a nossa volta.
Apesar da frondosa e refrescante vegetação, nosso ritmo é lento pela forte declividade da trilha e pelo peso exagerado das cargueiras no lombo. Jefferson ia na dianteira, seguido por este que vos fala e o Nando fechava nosso trio, sentindo já o peso do descondicionamento. Não demora pra surgirem afloramentos rochosos, matacões e pequenas grutas na margem da via, até que a vereda suaviza e desvia pro sul, agora acompanhando a encosta do morro em nível. Neste trecho menos pirambeiro nosso ritmo acelera um pouco, mas isso até o próximo e ultimo estirão final. Este trecho é marcado por duas bifurcações menores, sendo ambas responsáveis por levar á Praia do Perigoso.
Dito e feito, a moleza termina numa terceira bifurcação, onde a vertente principal se encontra deliberadamente fechada pra recuperação. É depois dali que a rota pega um íngreme ombro serrano que leva pro topo, agora tocando pra nordeste, que nos distancia naturalmente uns dos outros. Trechos terrivelmente íngremes e escorregadios se sucedem na mesma medida em que a mata diminuo de tamanho até sumir de vez, e permitir do Sol martelar nossa cachola sem dó. A única vegetação em volta, que se resume a arbustos medianos e capim-colonhão, baixo não dá conta de sequer brindar com a mais mirrada sombra. Mas a gente segue decidido, firme e forte. Neste trecho tropeçamos com visitantes no sentido contrario, todos boquiabertos com o peso nas nossas costas.
Alcançamos o alto dos 360m da “Pedra do Telégrafo” por volta do meio-dia e meia, onde enfim jogamos as cargueiras nochão ao mesmo tempo em que buscamos alguma sombra pra descansar, sem sucesso. Na verdade topo é composto de quatro enormes rochedos significativos, relativamente próximas, separadas apenas por algum mato, degraus ou apenas metros de trilha. A primeira é um rochedo qualquer que antecede o cume, mas com estupenda vista panorâmica do topo, desde toda extensão da faixa clara da Restinga de Marambaia, o mangue reluzindo o sol, as serras que integram o Parque Estadual da Pedra Branca e a região da Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes. A segunda é a “Pedra do Ovo”, de formato circular, com pouca sombra proporcionada por mirrada árvorezinha colada dum lado e onde rola algum rapel em dias movimentados, além de permitir visu da acidentada costa das praias selvagem visadas, onde a faixa alva de areia divide o azul das águas e o verde das montanhas. A “Pedra do Cavalo” (ou da Bigorna) é a mais famosa, pois é nela que turistas batem fotos onde aparecem “penduradas no vazio” (embora tudo não passe de efeito de ótica) e com vista similar á pedra anterior. Pouco mais afastada e acessível por breve trilha (um pouco mais fechada) se chega na base da “Pedra do Telégrafo” propriamente dita que, de formato altivo e cilíndrico, leva este nome provavelmente por receber, durante a 2ª Guerra Mundial, um posto com rádio para observação de submarinos inimigos. Esta pedra é cercada de mato mas tem uma janela que descortina a costa e o azul do mar, onde a minúscula Ilha Rasa de Guaratiba parecia flutuar estática.
Logicamente que nos reverzamos por todas as pedras, batendo fotos ou apenas apreciando, mas depois estacionamos um bom tempo no sopé da “Pedra do Telégrafo”, que era a única que estava vazia e sem muvuca, provavelmente pela picada ser mais escondida. Particularmente achei o topo excessivamente frequentado, tinha até vendedor de açaí, refri e “sacolé”, que nada mais é o tradicional geladinho. Não bastasse, tinha um hippie vendendo artesanatos e um fotógrafo que batia fotos “profissas” na “Pedra da Bigorna”. Creio que havia umas dez pessoas quando estávamos lá, entre gringos e brazucas, mas ouvimos que nos finais de semana se tromba com filas dignas de supermercado em dia de promoção. Outra recomendação é levar água, muita água. O morro é extremamente seco, sem um filete do precioso liquido e isso torna a subida mais desgastante do que parece. Um dos ambulantes conversou comigo a respeito: “O pessoal do parque replantou tudo errado o morro anos atrás, puseram maricás e colonhão, que sugam toda água do solo..”, comentou.
Retomamos a pernada logo depois, descansados e mais dispostos por volta das 14hrs. Tomamos o mesmo caminho da subida e começamos a descer sem pressa. Lá pela metade do trajeto tomamos uma das bifurcações supracitadas (a da esquerda, não sinalizada) em direção á Praia do Perigoso, pois na outra o caminho tava “meio fechado e confuso”, segundo o mesmo ambulante acima. E assim fomos perdendo altitude rapidamente em meio a mata, sentido sudoeste, cruzando muitos bambuzais e até uma casa-de-pau-a-pique que pareceu abandonada. Não demorou pra desembocar nas últimas casas do vilarejo de Guaratiba com conexão na Ponta do Picão.
Na sequência retomamos a sinalização das “botinhas amarelas” e mergulhamos novamente na mata, agora tocando pra leste pela encosta, em nível. Antes, porém, abastecemos as garrafas de água na casa duma senhora por receio de não encontrar nenhuma nascente no caminho. Assim, fomos acompanhando sinuosamente o costão de Guaratiba, com pouca variação de desnível, através duma larga picada bastante erodida e as vezes irregular. Ao adentrar nas dobras internas da encosta observamos todos os correguinhos e caminhos dágua que desciam do morro secos, envernizando nossa decisão de garantir o precioso liquido antes. Ademais, conforme avançávamos as janelas de vegetação na encosta permitiam vislumbrar a Pedra da Tartaruga, não muito distante, que é, na verdade, e uma pequena península grudada ao costão.
As 16hr chegamos numa bifurcação bem assinalada que marcava que pra ir pra Praia Funda e do Meio bastava seguir em frente, mas aqui saímos da principal pra ir de encontro á Praia do Perigoso e a Pedra da Tartaruga. Quando deixamos a mata vimos que o céu, antes limpo e azul, começava a ser tomado de nuvens opacas, nos fazendo já buscar algum local pra pernoitar. A trilha então desce vertiginosamente até cair noutra bifurcação bem óbvia. “Perigoso ou Tartaruga?”, pensamos, com bela vista da segunda, um morrão com duas rochas enormes que visto de longe lembram o casco e a cabeça do animal. E pela proximidade, tocamos pra primeira opção, á qual pisamos em suas areias fofas e claras num minuto depois.
A Praia do Perigoso leva este nome por causa de um presidiário fugidio de Ilha Grande que ali morou um tempo. Mas eu acredito que o lugar leve este nome por conta da maré e suas águas traiçoeiras. Reparei que boa parte destas praias ninguém entra na água (exceto surfistas), tem o mar muito agitado e é repleta de correntezas. Não por acaso uma placa corrobora meu palpite escancarando em português (e inglês) bem claro: “Perigo – Guarda vidas ausente – em caso de afogamento você é o responsável”. Independente de nome, o lugar é lindo pois os seus 180m de extensão de areia fina e águas claras contrastavam fortemente com o verde exuberante ao redor. Sem falar na vista que lembra alguma paisagem da Tailândia, pois do mar elevam-se os altos rochedos das Ilha das Palmas e Ilha das Peças.
No momento havia umas três barracas (de ripongas) espalhadas na área de restinga da praia, protegidas pela vegetação e amendoeiras. E foi ali que tivemos um bom relax de descanso nas rochas do setor sul da praia. Como ainda estava disposto me dispus a dar uma olhada na Pedra da Tartaruga, pois estávamos em dúvida do lugar pra encostar as nossas tendas. Por mim ficávamos ali mesmo no Perigoso, pois havia espaço pra muita gente ali. No entanto, meus colegas preferiam um lugar mais reservado e por isso mesmo fui fuxicar se era possível dormir na Tartaruga.
Voltei a bifurcação e prossegui em direção á Tartaruga. No caminho esta mais uma das praias desertas, a Praia das Conchas (ou de Búzios) que é bem pequena, fechada e estreita, mas com bela vista da Laje dos Meros. Praticamente não tem areia mas está repleta de conchas, pedrinhas e ouriços, e dizem que suas águas formam piscinas translucidas em dias calmos, que não era o caso. Dali o caminho empina de vez e começa a subir forte em direção ao alto da Pedra da Tartaruga, sempre margeada de alto capinzal. Picada esta larga e escorregadia que deve se tornar um tobogã perigoso em dias de chuva.
Suando em bicas, cheguei no alto existe ramificação pra ir nas duas enormes pedras que coroam o morro. Me dirigi primeiro á “cabeça da Tartaruga”, que corresponde ao topo da pedra maior, tem grampos fincados pra pratica de rapel e linda vista do Perigoso e demais praias desertas. Vi que ali era muito exposto pra armar acampamento (principalmente se chovesse forte a noite) e dali fui fuxicar a outra pedra (o casco), cruzando novamente uma vereda cercada de capim-colonhão. Bingo, ali revelou-se a pedida certa, bem melhor que a praia. Na verdade o “casco da Tartaruga” era composto por três enormes rochedos amontoados cuja disposição formava uma simpática grutinha com chão plano, cercada de capim e coqueiros. Horário? Quase 17hr.
Avisei meus colegas do achado, que chegaram no momento em que eu já havia montado minha tenda. Era muito bem protegido e nem precisei colocar sobreteto na barraca. O lugar (pixado, porém limpo) aparentemente foi adaptado a receber campistas pois havia uma mesinha rústica de pedra. Lembrando que as praias estão inseridas dentro do Parque Estadual da Pedra Branca e acampar é, em tese, proibido. Com tempo virando rapidamente, não tardou pra ventar acompanhado de fina garoa, que só parou durante a madrugada. Preparamos a janta e mandamos bucho abaixo lá pelas 19hr, quando a escuridão chegou ali deixando apenas visivel as luzes do Rio cintilando ao longe. Não tardou pro cansaço acumulado nos nocautear noite adentro, embalados no hipnótico som do vento e das arrebentações do mar.
Levantei antes de todos apenas pra vislumbrar a alvorada privilegiada emoldurada pela entrada da minha barraca. Contemplar o Astro-Rei emergindo lentamente do horizonte e tingindo o céu e mar de degradês avermelhados é algo que não tem preço. Meus colegas levantaram pouco depois, apenas pra dar uma volta de reconhecimento ao redor das pedras, subir na cachola do quelônio rochoso pra ter a mesma vista do dia anterior – mas brilhantemente iluminada pelos tons do amanhecer – e depois retornar ás barracas pro desjejum e arrumação das tralhas. Felizmente, nossa preocupação com água se resolveu ao encontrar garrafas cheias escondidas no mocó do pernoite.
Pusemos pé na trilha novamente por volta das 9:30hr e voltamos á bifurcação principal da vereda principal da encosta. Só lá ao tropeçar com caminhantes locais soubemos que havia uma bica pra captação de água, retrocendendo minutos na trilha, chamada de “Fonte da Vovó”. Dane-se, já estávamos munidos do precioso liquido e demos continuidade a nossa jornada. A manhã estava limpa e radiante prometendo mais um dia de calor com sol a pino, enquanto a gente prosseguia pela vereda, agora deixando a floresta de lado pra caminhar pela encosta desnuda cercada de capim.
Um oportuno mirante a meio caminho dá adeus ás vistas pra Tartaruga e nos dá boas-vindas de generosa panorâmica da Praia do Meio, cuja faixa de 350m de areia alva reluz lindamente á iluminação matinal. Caminhada tranquila e sem dificuldade alguma este quilometro e meio que nos separa da praia seguinte. Mas da trilha suave logo vem uma íngreme descida atraves das aderências e lajes da encosta, que finda num trecho terrivelmente inclinado onde uma corda (de consistência duvidosa) fornece a segurança necessária pra fincar os pés na areia. Menos mal.
Uma vez na Praia do Meio, que leva este nome por se situar entre Perigoso e Funda, andamos até a agradável sombra dum rochedo onde fizemos breve pit-stop pra apreciação da paisagem. Apesar de preferida dos surfistas, não havia ninguém na praia, que literalmente era toda nossa. Todos declinaram dum tchibum nas águas afirmando que ainda era demasiado cedo, mas creio que o motivo seja que o mar mostrava-se bastante agitado apesar do belo dia. Pusemos pé na areia na sequência, cruzando toda extensão da mesma, apreciando de um lado a vegetação de restinga abundante no sopé da serra e do outro um mar que se confunde com o azul do horizonte.
No final da praia a sinalização indica pra seguir inicialmente pelo costão rochoso, mas logo a vereda é reencontrada no mato a seguir, tocando forte pra cima. Atravessamos um curto trecho de mata que logo estabiliza, mas na sequencia embica forte pra baixo. Uma janela na vegetação permite vislumbrar a extensa faixa clara da Praia Funda contrastando com águas translucidas, pra delírio de qualquer fotografo. A descida se dá na mesma forma anterior, ou seja, transpondo vários trechos íngremes de aderências rochosas e capim alto. Como era de se prever, precárias cordas e escadinhas de madeira improvisadas auxiliam no trajeto.
As onze pisávamos então na Praia Funda, tão deserta quanto a anterior, onde nos brindamos um descanso mais prolongado á sombra dos paredões do seu extremo sul. Goles de água e mordiscadas de lanche complementaram o descanso, enquanto observávamos a área maior de restinga bem florestada aos pés do imponente Morro do São João da Mantiqueira. Foi aí que vimos o Jefferson já se despindo pra entrar na água, mas eu e o Nando o dissuadimos disso pois a praia era inclinada demais (seria por isso o nome da praia?) e o mar apresentava fortes correntes marinhas no sentido oceânico. O jeito foi apenas chegar pertinho da beirada pra molhar os pés.
Prosseguimos jornada cruzando os 300m de extensão da praia, ganhando o costão rochoso seguinte, por onde andamos mais um tanto em meio a siris e calanguinhos assustados e muitos caraguatás espinhentos pipocando no caminho. Num piscar de olhos caímos no extremo sul da Praia do Inferno que, além de deserta, e é a menor de todas dentro dos seus 130m de areia cercada por altos paredões rochosos esverdeados. Novamente nosso tchibum foi evitado pela presença de ondas agitadas, e nos restou apenas descansar nos lajedos e sem sombra alguma. Não sei o porque do nome da praia, mas presumo que seja justamente ou pelas águas nervosas ou pela dificuldade maior ás demais praias de se chegar aqui. Horário? Pouco antes da uma.
Bem, dali pra última praia, a do Grumari, sem chance de seguir pela orla litorânea e muito menos pelo íngreme costão rochoso. Na maré baixa dizem que é possível ir pelo costão rente á areia mas não era o caso. Dai o jeito é fazer da mesma forma que na Ponta da Joatinga, quando se vai de Ponta Negra ao Cairuçu (ou vice versa). Ou seja, é preciso subir os quase 300m do Morro do Grumari e depois descer no outro lado á praia. Buscamos a vereda na Praia do Inferno mas não a achamos, dai retrocedemos até a praia anterior e comecamos a fuxicar na área de restinga. Ali, perto das ruinas duma construção que leva o nome de “Casa do Baiano”, o caminho é novamente reencontrado e as marcações também. Pronto.
Cruzamos o mato baixo tangenciando áreas de acampamento com muitas lonas deixadas no chão, pra depois a vereda mergulhar novamente na mata fechada, embicando forte morro acima. O caminho começa na base de terra batida com degraus irregulares e muitas folhas, pra depois se apresentar repleta de pedras e vestígios dum rústico calçamento em meio a raízes aflorando do solo. Subida dura e penosa que nos separa uns dos outros novamente, cada um seguindo seu ritmo de forma morosa e compassada. E conforme se ganha altitude o número de matacões em volta aumenta, assim como as frestas na vegetação escancarando o quanto já se subiu do morro. Numa delas, é possível avistar a Pedra da Tartaruga á sudoeste, pequenina, no pé duma serra que aparenta cair no mar.
Chegamos no alto da serra pouco antes das duas da tarde e desabamos numa grande clareira afim de descansar. Dali partiam dois caminhos, onde ignoramos o que descia pra Guaratiba em prol do que se mantinha pela crista da serra e tocava pra oeste, com mato caindo por ambos lados. Caminhada tranquila e sussa onde ganhamos mais velocidade além de constatar o tempo virando. O céu antes despido de qualquer interferência atmosférica agora se preenchia duma opacidade clara, anunciando chuva pra mais tarde. Claro que não desejávamos pegar chuva, por isso aceleramos o ritmo, agora em terreno protegido do Parque Natural Municipal do Grumari.
A descida que se seguiu na sequência pareceu interminável, alternando uma íngreme encosta pra depois prosseguir suavemente através dum ombro serrano. Pisando enfim no asfalto da Estrada Velha do Grumari, visivelmente cansados e sedentos pois o calor e esforço esvaziara rapidamente nossos cantis. Como tocar pra Guaratiba era longe (e íngreme) demais, decidimos seguir pra praia do Grumari pra encerrar travessia, bem mais próxima e com chances de carona pralgum ponto com mais opções. No caminho cruzamos com a entrada principal do Parque da Pedra Branca, onde a Transcarioca tem continuidade. Qual vontade de prosseguir por ali, mas não era o caso e fica pra próxima.
Num piscar de olhos chegamos na badalada Praia do Grumari, pouco antes das 15hr, onde encostamos num quiosque pra bebemorar e descansar. De águas limpas e transparentes, devido ao mau tempo havia poucos turistas espalhados pelos seus 2,5km de extensão, com vista bonita do Recreio dos Bandeirantes. Na sequência, como ali não havia condução pública não nos restou opção senão esticar o dedão na estrada. Por sorte, conseguimos a dita cuja na Kombi dum surfista doidão que retornava pra Guaratiba. Uhúúúú!
O maluco nos deixou na Estrada de Guaratiba, onde imediatamente embarcamos num busão pra Campo Grande. De lá fomos num trepidante trem até a cidade, até saltar na estação ao lado do Estádio do Maracanã. Previamente combinado, pousamos inicio de noite no quarto dum conjunto habitacional aos pés do Morro da Mangueira, onde alguém celebrava alguma coisa com tiros de fuzil pro ar. Comilança, banho e noite bem dormida pra pegar o voô inicio de tarde do dia seguinte, mas não sem antes curtir pela manhazinha um rápido “favela tour” pelo Morro Dona Marta. Mas isso é tema pra outro relato de pitoresca pernada urbanóide, antropologicamente falando.
Pra finalizar restam apenas algumas considerações pertinentes referente ao rolê. A travessia no geral é uma bonita e tranquila caminhada parecida com a da Ponta da Joatinga, a das Praias Desertas ou até a do Saco das Bananas, com o grande diferencial do problema da escassez de água e da abundância de vegetação ressequida. Por isso os cariocas costumam realizá-la de bate-volta, sem pernoite. Outro detalhe é que são chamadas de praias desertas por estarem inseridas em áreas de proteção ambiental e não haver infra alguma por lá, mas isso não significa que não lotem nos feriados, o que normalmente ocorre. No entanto, a visitação costuma diminuir conforme se avança trilha adentro ou a dificuldade de desnível aumenta. Por isso pros menos condicionados existe a opção de chegar nas praias (Funda e do Inferno, principalmente) de barco ou lancha, alugados em Guaratiba ou Grumari. E outra, as águas são traiçoeiras e bastante agitadas, tanto que nem salva-vidas se animam a ficar lá. E pra finalizar fica apenas a vontade de voltar lá novamente pra palmilhar mais trechos da Transcarioca. Isso pois apesar de tudo, mazelas e publicidade negativa, o Rio de Janeiro continua lindo.