Travessia Morro da Igreja – Canion Laranjeiras Pt II

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Ali, na borda da mata, nas sombras “eternas”, vários pontos de gelo depositado pela forte geada da madrugada anterior ainda eram visíveis. Mantos de gelo e poças congeladas em plenas 16:30h da tarde… Irrompemos com cuidado pelo trecho de banhado chegando no riachinho. Abastecemos de água já pensando no estoque para acampamento logo mais e seguimos, agora subindo a encosta do outro lado do pequeno vale, passando a acompanhar o zig-zag de uma trilha de gado que galgava as curvas de nível. Como a luz do dia já findava estávamos de olho em possíveis locais de acampamento. Com o pouco tempo de luz do sol, o vento frio de fim de tarde já nos castigava, obrigando a vestir os abrigos corta-vento.

Leia a primeira parte do relato aqui:
https://www.altamontanha.com/Aventura/3696/travessia-morro-da-igreja–canion-laranjeiras-pt-i

Subimos uma, duas encostas de morros gramados que se mostravam à nossa frente, e aos lados. Do alto de uma delas vislumbramos campos mais para o “interior” com algumas cabeças de gado reunidas. Dali vimos ainda um platô elevado mais adiante que nos parecia um bom local para acampamento. Resolvemos ir até lá e montar acampamento. O local não era protegido como na noite anterior, mas viável, tendo em vista que não havia muito tempo de luz natural e surgira uma viração que restringia muito a visibilidade. Nem pensamos muito e já fomos sacando as barracas das mochilas e buscando os melhores pontos no campo plano, cheio de pedras e de bosta de vaca. Pensávamos sempre em abrigar as entradas das barracas do vento sudoeste, de onde poderiam vir, segundo as previsões metereológicas, as rajadas de vento mais fortes. A noite caiu rápido e o frio extremo cobrava seu preço, mesmo sem vento – por sorte, o que aumentaria ainda mais a sensação de frio. Todos encapotados e enregelados, rapidamente aprontamos nossa cozinha, numa pequena laje de pedra onde empilhamos algumas pedras para servir de banquinhos.

 
Barracas montadas e vestidos com as roupas mais grossas para o frio noturno, logo teve início o festival de gastronomia que sempre acompanha nossos acampamentos. Soraia prometia desde a noite anterior um “escondidinho de carne seca” e todos se aglutinavam em torno dos fogareiros procurando ajudar como possível a concretizar o cardápio. Uns ferviam água, outros serviam tira-gostos (calabresa frita, queijo provolone), todos beliscam e vários tomam mate (a pequena cuia do gaúcho Marcelo Juká rodou muito nessas noites) e as panelas de purê de batata semipronto, no fogo, começavam a ficar no ponto. Logo a carne seca desfiada da Vapza vai ao fogo para refogar com os temperos para ser misturada ao purê de batata… 
 
Huuuummmm!… O cheiro deixa todo mundo de água na boca! Logo uma fila de pratinhos se forma e começamos a servir a iguaria. Todos comem e se lambem. Realmente a receita estava muito boa, digna dos melhores restaurantes. Depois dizem que a gente passa mal nestes acampamentos! Rsrs!
 
Só que o prato principal não era tão abundante e, sozinho, mesmo servido depois de alguns petiscos não foi suficiente para saciar os 11 caminhantes famintos. Todos voltam pros fogareiros em busca de algo mais para complementar o rango. Depois da janta, muita prosa, uns goles de cachaça e graspa para esquentar e mais algumas porções de calabresa frita para complementar o forra-bucho e o pessoal começou a ficar com sono (e frio!) e resolvemos ir para as barracas. Nessa noite fui para a barraca na primeira onda posto que estava bem cansado. Tomei meu “banho de gato” com lenços umedecidos para reduzir a inhaca e naquele frio de “renguear cusco” me troquei e me enfiei no saco de dormir. Mesmo com o frio absurdo logo estava aquecido devido aos contorcionismos necessários para me ajeitar no saco de dormir Deuter Orbit -5°C tamanho grande (L). Já havia comprado o tamanho maior (para pessoas com até 2m, segundo a tabela do fabricante) e mesmo assim sofria com o tamanho apertado do SD. Porcaria! Pensei, pelo menos ajuda a esquentar… Rsrs! Deve ser parte da tática do fabricante para esquentar o usuário… de raiva! Pensei, sarrista comigo mesmo.
 
Ouvia ainda as vozes do povo na “cozinha” contando causos e rindo. Logo, com o calor do abrigo eu literalmente “empacoto”. Minutos depois (que pareceram horas), o meu companheiro de barraca, Otávio, se recolhe e acaba me acordando, o que faz parte da convivência numa barraca para 2 pessoas não muito espaçosa como a que dividíamos. Trocadas algumas palavras, novos contorcionismos para me ajeitar numa posição confortável novamente e lá vamos nós para os braços de morfeu.
 
TERCEIRO DIA:
 
Na penumbra do amanhecer, ainda sem os raios solares, do ponto alto em que estávamos não tínhamos visão clara dos campos abaixo de nós, mas ao nosso redor tudo estava congelado. Nova geada havia castigado os campos e nossas barracas amanheceram cobertas com uma fina camada de gelo, menor do que a acumulada no acampamento anterior por estarmos num local mais alto, mas assim mesmo experimentamos um frio respeitável. Obtivemos média de -8°C para 2 termômetros diferentes. Logo, com todos de pé, o acampamento agita-se. Ao norte, as silhuetas do Morro da Igreja e da Serra Furada são quase perfeitamente visíveis. O sol começa a despontar com seu disco dourado e flamejante no horizonte e começamos a perceber a extensão da geada nos campos mais abaixo: tudo branco até onde a vista alcançava. Logo todos correm para fotografar os primeiros momentos do sol e as suas luzes no horizonte. Momentos mágicos em que todos se empolgam e se emocionam com a beleza proporcionada pelo espetáculo do astro-rei. 
 
Muitas fotos e algumas “macaquices” depois, estamos tomando nosso desjejum, cada um à sua maneira: uns fritam ovos com bacon, outros comem frutas, alguns biscoitos, outros sanduíches com pão de forma. Eu esquento na frigideira um disco de pão sírio recoberto de fatias de salame e queijo provolone defumado com ervas, que derretido logo vira um pequeno rolo e é devorado rapidamente com uma canecada de cappuccino instantâneo reforçado com leite em pó e canela, uma delícia! Logo um segundo “sanduíche-charuto” desses vai para o fogo e também é devorado. Nestas atividades longas de caminhada, além de uma boa janta é muito importante um bom café da manhã para garantir bom ânimo e a energia necessária para as atividades do dia.
 
Com o desjejum devidamente deglutido, as atenções passam a se voltar para as barracas molhadas com o degelo e todas as tralhas que precisam ser organizadas nas mochilas. Nova agitação. Tudo vai sendo desmontado, secado e dobrado ou enrolado para caber nas enormes mochilas. Rápida pausa para estudar o terreno adiante de nós e confrontá-lo com as cartas topográficas e GPS. Assim traçamos visualmente a rota para os próximos quilômetros de terreno visível, coincidindo com a previamente traçada em no Google Earth e gravada no GPS. Nossa navegação até aqui vinha sendo primorosa. Elevações, vales, vara-matos e rios, tudo vinha coincidindo com nossas marcações prévias e em grande parte isso foi fruto, além do trabalho de observação do Otávio no traçado da rota, da colaboração do amigo Valdo Balbinot, com suas fotos e dicas. Só o atraso devido ao baixo rendimento da pernada até aqui é nos preocupava. No primeiro dia ficamos quase 4 km aquém do que pretendíamos caminhar, o que em parte recuperamos no segundo dia, mas ainda estávamos com 6 km de atraso acumulado em relação ao previsto. Em parte isso foi fruto do cansaço que exigiu paradas mais longas de descanso (especialmente no primeiro dia, pois muitos não dormiram direito na van e isso prejudicou um pouco o rendimento). No segundo dia a culpa foi do atraso no levantamento do camping (iniciamos a jornada 10h) e depois o desfrute mais alongado das belezas proporcionadas pelo caminho.
 
Iniciamos a jornada do dia às 9h, morro abaixo, para logo depois subir um conjunto de elevações e galgar uma crista de morros, de onde avistávamos muitas cabeças de gado e as instalações de uma fazenda a oeste. Ali chegamos novamente na borda dos Aparados e fizemos algumas fotos da área, seguindo a linha da escarpa por um trecho curto, visto que em frente teríamos que desviar uma elevação abrupta, com um imponente paredão de pedra. A subida pela linha da borda seria pouco proveitosa, pois havia muitas pedras e uma subida bem íngreme, por isso nosso traçado previa contorná-la seguindo a curva de nível. Da elevação imediatamente anterior já tínhamos vista quase completa para o Cânion Laranjeiras, antevendo a colossal formação geológica que logo alcançaríamos… Contornado o obstáculo, do outro lado a visão deste cânion era ainda mais bonita. Dali vislumbramos também as dificuldades que o dia nos reservava: vários trechos de vara-mato, alguns deles parecendo bem densos, como já prenunciavam as imagens de satélite.
 
Continuamos a contornar o morro coalhado de pedras e descemos um pouco para seguir uma trilha batida, provavelmente de gado, buscando nos poupar da altimetria e dos pedregulhos, andando por terreno pouco mais plano. Eram 10:15h e o sol já nos castigava com o calor e a água estava escassa pois era o trecho mais longo sem água em todo o trajeto, visto que andamos praticamente todo o início da manhã pelo “alto”, apenas com nossas reservas do dia anterior. Como avistamos uma sanga para oeste, com boa aparência, a cerca de 700 metros de onde andávamos, resolvemos enviar alguns “voluntários” para coletar água para o grupo, que parava para descanso e lanche. Lá se foram Thomas, Zeca e Serginho com várias garrafas pet. Devidamente abastecidos do precioso líquido nos pusemos em marcha novamente, agora cruzando a vastidão de campos ondulados, num leve aclive que nos levaria novamente para as bordas. Logo, ao atingir a borda, sem poder continuar diretamente para o sul em razão da enorme fenda, desviamos rumo sudoeste, acompanhando as escarpas, agora descendo em direção a uma extensa cerca de pedra no fundo de um vale crivado de pedras, que mais pareciam plantadas no campo como se fossem parte de uma lavoura. Ali, sinais claros da criação de gado: cochos ao longe, cercas de arame e algumas cabeças de gado pastando pelas proximidades, além de muito, muito esterco. Cruzamos o vale e galgamos uma elevação mais pronunciada que nos levaria ao alto de uma crista. Ali uma nova visão esplendorosa do Laranjeiras, agora integral, nos surpreenderia. Como daquele ponto a visão era ampla e bonita e o terreno à frente exigiria alguma análise para traçar o percurso, fizemos uma pausa para descanso e fotos. Do alto, com amplo alcance visual, procuramos com o binóculo algum sinal do “trio ligeiro”, mas nada. Até aquele momento nenhum contato visual ou por telefone com eles. Pelos nossos cálculos eles deveriam estar umas 7 ou 8 horas à nossa frente.
 
Como estávamos atrasados com relação ao cronograma planejado para atingir a Serra do Rio do Rastro e antevendo que no ritmo que estávamos mantendo não conseguiríamos concluir a travessia toda sem comprometer um mínimo de “qualidade” na exploração de nossa passagem pelo Cânion Laranjeiras – um dos pontos altos da expedição, confabulamos rapidamente e decidimos por concluir a travessia pela Fazenda Santa Cândida, ponto já previamente marcado como possível rota de fuga e onde facilmente a nossa van poderia nos recolher. Daquele ponto, ao mesmo tempo em que analisávamos o terreno à frente, aproveitamos a existência de sinal e fizemos contato via celular com o nosso motorista, responsável pelo resgate no domingo. Informamos sobre nossos planos de sair pela referida fazenda e combinamos os detalhes. Em seguida enviei torpedos para os celulares dos companheiros do “trio ligeiro”, contudo sem qualquer resposta imediata deles. 
 
Concluída a pausa derivamos para o leste (esquerda) e descemos uma encosta para em seguida atravessar um trecho extenso de mata nativa em declive. Nosso objetivo primário a partir daqui era atingir a borda norte do Cânion Laranjeiras o mais rápido possível visando explorar o que desse da borda do cânion e estabelecer um ponto de acampamento nas suas proximidades. Como sempre o Zeca, nosso batedor, adiantou-se para investigar a passagem pela mata e com o rádio orientou o grupo. Dali até a borda do Laranjeiras vencemos uma sucessão de vara-matos e descampados, ora subindo, ora descendo encostas de morros até chegarmos num altiplano pouco antes do cânion, com belo visual das imediações, onde começamos a seguir os resquícios de uma estrada que se embrenhava na vegetação do morro, cruzando-o em direção aos campos mais abaixo, nos limites do cânion.
 
Ali, quase no início da estradinha encontramos um cachorro branco, um guapeca viçoso que nos anunciava a proximidade da Fazenda Santa Cândida, a única que existia nas redondezas e cujas instalações sabíamos estar logo atrás de um grande morro coberto de vegetação cerrada que se erguia depois do vértice do Laranjeiras. Imediatamente surgiu um nome para o simpático cachorro: “Polar”. Seguimos a tal estrada que inicialmente subia em leve curva para depois se embrenhar no mato e quase sumir, virando uma picada em meio à vegetação, agora descendo pelo morro em meio a xaxins gigantes e terreno bastante turfoso. Cerca de meia hora depois atingimos a base de um grande descampado plano que emoldura toda a face norte e o vértice do Cânion Laranjeiras, repleto de turfeiras e com um grande charco bem na saída do mato. O cão Polar, mais esperto e conhecedor da região, saiu do mato num ponto bem próximo à borda e depois cortou caminho pelo campo, saindo bem longe de nós, contornando o banhado.
 
Aqui o espetáculo proporcionado pelas vistas do magnífico cânion era agora completo e, à medida que íamos nos aproximando cada vez mais de suas bordas (que passamos a seguir), mais detalhes eram revelados aos nossos olhos. Já se passavam das 15:00h e ainda teríamos que encontrar um ponto de pernoite em breve, mas diante da magnitude daquela atração ninguém mais estava preocupado com isso. Todos curtiam o momento e tiravam fotos, enquanto lentamente caminhávamos rente das bordas observando e registrando tudo, embasbacados. Quando nos aproximávamos do “famoso” grupo de araucárias na borda do cânion, clássico entre as fotos do lugar, eis que ouvimos um barulho forte de helicóptero mas nada enxergávamos. Prestando mais atenção percebemos que o aparelho vinha pelo fundo do cânion e eis que se ergue perto das bordas, sobre o vértice do cânion por alguns instantes, sobrevoando o campo para logo em seguida fazer meia volta e retornar. Provavelmente um vôo panorâmico fretado por algum abastado turista “aéreo”. Cada um conhece a natureza como quer (ou como pode) – enquanto um bando de “malucos” mochileiros caminhava naquelas “lonjuras” um endinheirado passeia de helicóptero sobre o mesmo trecho. Coisas da vida moderna.
 
Ali, próximo às araucárias, um de nossos companheiros, o Luís, também quase sobrevoa o cânion… Com a cargueira nas costas e com a câmera na mão, meio distraído, dá alguns passos em direção à borda e, sem perceber, pisa em um buraco fundo (de mourão de cerca, provavelmente), a pouco mais de 1 m do precipício. Dupla sorte naquele momento: primeiro por ter caído enfiando a perna quase inteira no buraco, o que evitou de certa forma que caísse para a frente (e consequentemente no abismo), pois o peso da mochila fatalmente o iria impelir naquela direção caso tivesse apenas tropeçado. Segundo pois mesmo tendo enfiado a perna quase toda no buraco, não se machucou… Poderia ter quebrado a perna. Um belo susto que só eu e outro companheiro, por andarmos atrás dele testemunhamos. Já imaginaram o tamanho da caca se o cara me cai lá de cima!
 
Após contornar toda a borda norte percorrendo as bordas das diversas fendas secundárias e da principal, próximo ao vértice tomamos o rumo de uma cerca de arame farpado em direção à floresta que se ergue pela encosta do morro próximo, contornando-o e nos afastando do cânion. Ali um grande charco nos obrigou a caminhar com atenção e buscar uma porção de terreno mais alto, galgando parte da encosta mais descampada do morro, contornando a vegetação pelo leste. Logo passamos por outra cerca e subimos outro descampado rumo a uma pequena crista. Subidinha cansativa naquela altura do dia em que as energias já não estavam sobrando e as cargueiras pareciam pesar mais. Pelas nossas lembranças e marcações no GPS, não muito distante dali (cerca de 400m) deveria haver uma estradinha (o caminho que liga a fazenda às bordas norte, leste e sul do Laranjeiras). Nossa ideia inicial era seguir aquela estradinha (a única passagem) para acampar num ponto mais a leste, perto das bordas do cânion. Só que o tal morro, além de ser coalhado de charcos possuía uma mata muito densa em toda a sua volta, praticamente impenetrável sem usar o facão. Percebemos que teríamos muito trabalho para abrir o mato no peito e no facão até encontrar a estrada e não dispúnhamos de muito tempo para isso. Logo escureceria pois já se passava das 16:30h. Desta feita mudamos nosso plano inicial de passar longe da sede da fazenda naquele dia e resolvemos encarar a pernada até as casas, procurando buscar um ponto de acampamento lá próximo, negociando com os moradores. Lá fomos nós, divididos em 3 grupos menores. 
 
Atingimos uma elevação e vimos ao longe as casas da Fazenda Santa Cândida. Na chaminé uma fumaça denunciava gente em casa. Nosso pelotão mais avançado – Cover, Luís e Marcelo já desciam o campo repleto de charcos e pouco distavam do lago da fazenda. Mais atrás eu com o segundo grupo e, mais longe ainda vinha o pelotão fecha trilha, com o pessoal que ficara mais atrás.
 
Poucos minutos de caminhada e os cães da fazenda já nos denunciavam. Nossa vanguarda já estava na mangueira em frente a uma das casas onde havia um rebanho de carneiros. Chamam o pessoal da casa e aparece um casal na porta (os caseiros), primeiro nos olham meio desconfiados, logo se soltam e conversam. Contamos resumidamente o que fazíamos ali. Nisso o pessoal vai chegando, chegando. A certa altura a D. Izoé, que negociava com nossa companheira Soraia a possibilidade de um banho quente (as meninas vinham sonhando com isso desde que decidimos concluir nossa expedição pela fazenda) exclama assustada: “Nossa! Olha Assis, tem mais uns quantos descendo ali”. Era o restante do grupo com o pelotão principal, mais 6 ou 7 pessoas que vinha atravessando o campinho em frente ao lago e à casa… Rsrsrs. Acho que ela pensou que estavam sendo invadidos.
 
Rápida conversa com o casal e seu filho e pedimos pro caseiro, Sr. Assis, nos deixar acampar ali por perto. Ele nos mostra um descampado a uns 300-350 m da sede (!), ao lado da estrada e emenda rápido um “eu levo vocês lá”, calçando as botas brancas de borracha e montando um cavalo que já estava encilhado no galpão ao lado da casa. A nossa companheira Soraia, espertinha, já negociara o seu banho com a D. Izoé, esposa do caseiro e ficou por ali mesmo. Os demais seguiram o tiozinho e, chegando no descampado, começaram a faina de arrumar o local de acampamento. No caminho seu Assis nos informa que havia encontrado com o “trio ligeiro” cedo naquela manhã, cerca de 8:30h, horário que eles cruzaram pela área perto da sede. Segundo ele os 3 haviam seguido rápido em direção ao sul e que eles o avisaram que outro grupo seguia atrás eles. Naquele momento confirmamos nossas previsões de que o trio estava a cerca de 1 dia à nossa frente. Naquele fim de tarde um vento frio nos castigou um bocado enquanto montávamos acampamento.
 
Logo, com as barracas montadas começamos a preparar o que comer. Uns tomam mate. Começamos a preparar os tira-gostos para amainar a fome. A ideia era preparar o que sobrara de comida para aliviar nosso peso na volta, foi quando percebemos quanta comida havia sobrado. Nisso a segunda menina da fila vai para o banho e, passados mais alguns momentos, a terceira também. Banho só seria possível para as meninas, sentenciou a D. Izoé, assustada com o tamanho do grupo.
 
A janta foi uma fartura só: calabresa frita, salame, queijos (pelo menos uns dois tipos), azeitonas, arroz e até um rodízio de macarronada. Até o Otávio, adepto ferrenho do “ultralight” – “leve e rápido”, estava com sobra de comida… Acho que todos esperavam comer mais com o frio para repor as calorias – e via de regra todos levaram comidas calóricas. Comemos bem, e ainda sobrou alimentação para pelo menos mais uma janta. Bom, pensamos por fim, melhor sobrar do que faltar…
 
No tempo em que conversávamos e cozinhávamos para nos esquentar, Otávio, Thomas e Sérgio, que foram até a sede da fazenda acompanhar as meninas na ida e volta dos banhos quentes, aproveitando as viagens para abastecer de água, nos revelam que o Sr. Assis preparara um fogo de chão dentro do galpão ao lado da casa e nos convidou para nos servirmos do fogo ali, caso desejássemos. Como já havíamos nos instalado com todos os apetrechos e já cozinhávamos a algum tempo onde estávamos, acabamos declinando do convite, até porque entendemos que iríamos incomodar o casal com a nossa algazarra ao lado do rancho, visto que o pessoal no campo dorme cedo. Ficamos sentados no campo até cerca de 22:30h, em volta dos fogareiros, beliscando e conversando, já com saudades do que vivíamos naqueles 3 dias. Um a um o grupo ia diminuindo à medida que os companheiros iam dormir, até que o silencia reina absoluto. Todos se recolhem. No dia seguinte combinamos como missão explorar as bordas do Cânion Laranjeiras, o que havia instigado o grupo.
 
QUARTO DIA:
 
Refeitos pela noite de sono, acordamos cedo. Neste dia não temos a geada pela manhã apesar do frio – em parte resultado da sensação térmica, visto que onde acampamos estávamos sujeitos a um vento mais forte do que nas outras noites. No céu já havia sinais, ao norte, de mudanças climáticas. O volume de nuvens era visivelmente maior do que nos dias anteriores e sentíamos uma maior umidade no ar. Nosso objetivo neste dia era sair leves do acampamento para explorar o que fosse possível das bordas do Cânion Laranjeiras (as barracas ficariam montadas com todo nosso equipamento). 
 
Tomamos um desjejum reforçado, procurando e, com o nosso objetivo em mente, saímos cerca de 8:30h da sede da Fazenda Santa Cândida seguindo por uma estradinha que a liga às redondezas do Cânion, cortando caminho pelo grande morro em frente, não antes de cumprimentar o simpático casal que toma conta da fazenda e pagar a taxa de R$ 5,00 por pessoa cobrada para visitação do cânion. Num percurso de cerca de 40 minutos em meio à mata já estávamos saindo no descampado (na verdade um baita de um charco) que separa a mata espessa da encosta do morro das escarpadas bordas do Cânion. Lá fomos procurando o máximo possível resguardar nossos pés da água do banhadão, que por vezes chegava fácil aos 50 cm de profundidade. 
 
Muitos pulos e atoladas depois, cerca de 20 minutos, e a maioria com os pés molhados, atingimos a borda norte do Cânion pelo lado da fazenda, próximo do vértice principal, e começamos a percorrê-la, nos deleitando com o espetáculo que se descortinava à nossa frente. As gigantescas paredes esbranquiçadas do Cânion Laranjeiras desafiando as nossas câmeras. Poses e fotos nos pequenos mirantes de rocha e muita contemplação, inclusive do fundo do cânion. Seguimos até a cachoeira principal (existe outra menor perto do vértice), não sem antes ter que desviar o rio que a alimenta, tendo que andar quase 1 Km para dar a volta e observá-la pelo lado leste, de onde se tem o melhor ângulo. Depois da grande volta ao riacho e de várias fotos, parte do grupo seguiu para a borda leste e sul, atravessando outro longo trecho de charcos e campo, contornando um grande trecho de mata. 
 
Do outro lado o visual era tão ou mais encantador do que o das paredes do lado norte: com o céu quase sem nuvens, a vista alcançava, desimpedida, toda a baixa planície catarinense e as suas cidades e vilas, além das serras secundárias e seus entrecortes, que se estendem dos platôs do Laranjeiras em direção aos terrenos mais baixos. Como havia pouco tempo disponível a permanência ali foi curta (já passava de 12:00h e nosso transporte logo chegaria à fazenda, conforme combinado). Olhando em direção noroeste já se percebia a deterioração das condições climáticas que certamente nos atingiria em breve. O grupo retornou em passo acelerado, pois além da caminhada de retorno pelos charcos e pelo barro da estrada até a fazenda ainda precisávamos desmontar nosso acampamento. De volta ao acampamento foi o que fizemos e rapidamente ajeitamos nossas mochilas para o retorno. Antes mesmo que terminássemos surge o nosso resgate – a van com nosso motorista particular… Grande visão! Naquela hora, cerca de 13:30h, o céu já estava encoberto de nuvens e o vento só aumentava, com claros sinais de chuva.
 
Um a um carregamos nossas mochilas na van onde também trocamos de roupa e passamos a ficar mais à vontade com calçados e pés secos e roupas limpas, pois havíamos deixado na van mudas de roupas e calçados limpos para o retorno. Agora era só enfrentar a estradinha de 13 km até o centro urbano de Bom Jardim da Serra e ali almoçar. Nos programamos para almoçar na Churrascaria Cascata, aos pés da Cascata da Barrinha, ao lado do Portal Turístico da cidade, na SC-438. E o “trio ligeiro”? Enquanto estávamos na estrada de terra entre a Fazenda Sta. Cândida e a cidade de Bom Jardim da Serra recebemos um SMS deles informando que acabavam de chegar no mirante da Serra do Rio do Rastro. 
 
Rapidamente vencemos a estradinha até Bom Jardim da Serra e chegamos à churrascaria por volta das 14:45h. Almoçamos já relembrando alguns dos momentos vividos na travessia e, com aquela sensação de missão cumprida, tristes por estar voltando subimos na van para ir resgatar o “trio ligeiro” no Mirante da Serra do Rio do Rastro, poucos km adiante. Quando ali chegamos a chuva já caía sobre nós. Entramos no pátio de estacionamento do mirante e logo avistamos as 3 figuras de mochilão nas costas, assustados (medo de serem deixados para trás? Rs!), mas já recompostos da caminhada e de roupa trocada. Soubemoa ali que até banho tinham tomado no posto da Polícia Rodoviária enquanto nos esperavam. 
 
Chuva, chuvisco, chuvarada. O chuviscão logo se transformou numa bomba d'água e chovia torrencialmente. Eram cerca de 17:00h e baixou uma neblina, bem forte em alguns trechos da serrinha entre Bom Jardim e Urubici. Chegamos a Urubici já em completa escuridão, cerca de 18:15h. Parada na sede do ICMBio para nos despedir dos gaúchos, ainda abaixo de chuva. Aquele clima de fim de festa já contagiava a todos. Nova parada num posto de combustíveis para comprar água e algumas guloseimas enquanto nosso motorista abastecia a van para o retorno. Logo estávamos seguindo viagem pela SC-430 e, pouco depois, pela BR-282.
 
Foi uma longa volta. Muito movimento, com pista simples, resulta em filas intermináveis de veículos no retorno de feriados, especialmente na BR-282 rumo a Floripa. Seguimos assistindo a filmes em DVD na TV da van. Alguns cochilam. Entregamos os catarinenses em suas respectivas cidades. Depois de Floripa, com a pista dupla da BR-101 a viagem flui em outro ritmo, mas ainda com muita chuva. À 1h da madrugada estamos desembarcando em Curitiba. Finda a epopéia! Bate aquela tristeza misturada com cansaço pelo fim da viagem. No box do chuveiro, em casa, alta madrugada – o banho quente já não me reconforta tanto quanto o desejo de voltar a caminhar nas pradarias e platôs daquele trecho dos Aparados da Serra!
 
Em breve voltaremos!
 
Integrantes da Travessia
 
Getulio Rainer Vogetta / Otávio Luiz Teixeira de Freitas / Thomas Ostermayer / Ingrid Ostermayer / Giancarlo Castanharo – Cover / Soraia Giordani / Sergio Augusto de Lima / Cirlene Carvalho / Luiz Delfrate / Zeca Reinert / Rodrigo Mioto (*) / Fernando Faria (*) / Marcelo Jucá / Tiago Korb (*) 
 
(*) “Trio ligeiro” – como relatado, se distanciaram do grupo principal já no primeiro dia e concluíram a travessia de forma independente até o mirante da Serra do Rio do Rastro, em Bom Jardim da Serra (SC) por volta das 14:20h de domingo, dia 10/06/2012 (4º dia), tendo caminhado cerca de 66 Km segundo os dados obtidos em seus GPS.
O grupo principal percorreu nos 3 dias e meio de jornada cerca de 46 Km totais (aferidos em GPS), incluindo a exploração das bordas do Cânion Laranjeiras realizada no domingo, dia 10/06/2012 (4º dia).
 
 
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