Já fazia mais de uma década q não retornava à Cantareira por julgá-la próxima e urbana demais, tanto q o recorte de sua silhueta é visível da janela da minha sala em dias limpos. Mas é aquela coisa: nosso quintal a gente sempre deixa pra conhecer depois. E depois… Isto se estivermos vivos até lá, claro. Mas bastou o Nando ficar no meu ouvido comentando da possibilidade de pernadas maiores pela região q tornou a rescender meu interesse pela Cantareira. Não q julgasse isso impossível, mas o simples fato do parque se situar próximo da perifa e “otras cositas más” desestimulavam qq intento nesse sentido. Contudo, sabendo q havia mais gente interessada – logo depois apareceu o Fabio tb , – nessa eventual rota q já fui planejando datas pra meter as caras na mesma em definitivo.
E a tal data convergiu pra ser neste ultimo domingo, qdo eu, Nando e Laureci nos encontramos no Terminal Santana do Metrô, às 9:30. Imediatamente embarcamos no busão “1786 – Vila Albertina” com destino ao pé da serra, viagem pra lá de rápida e não consumiu nem meia hora. Saltamos na primeira padoca da Vila Albertina q por sinal não podia ter nome mais apropriado, “Padaria Cantareira”, onde tomamos um rápido café com deliciosos pães-de-queijo enqto aguardávamos o Fabio e a Vivi. Daqui já é possível avistar a Serra da Cantareira, mas a manhã totalmente nublada permitia apenas uma vista opaca e cinza pra qq direção q se lançasse o olhar. Em tempo, estamos na cota dos 700m.
Qdo o audacioso quinteto enfim estava completo, pra evitar a longa caminhada (de mais de uma hora!) até o inicio da “trilha”, Dna Sandra (a mãe do Fábio) fez a gentileza de nos dar carona até lá, nos poupando bons kms de entediante pernada. Dessa forma nos esprememos feito sardinhas no exíguo espaço do Pálio verde-limão e lá fomos nós, subindo devagarzinho o íngreme asfalto da SP-146, a tal “Estrada do Juqueri”. Num piscar de olhos o cinza das ultimas casas do bairro deram lugar ao verde da mata ao redor, sinal q estávamos já nos domínios da Cantareira. Por sua vez, a espessa bruma à nossa volta cunhava desde o inicio a previsão meteorológica, isto é, nebulosidade total pra aquele dia. Bem, desde q não chovesse tava valendo.
Saltamos do veículo as 10:15 em frente as torres da Embratel já no alto da serra, ou seja, na cota dos 980m. Ajeitamos as mochilas e anorakes, calibramos o GPS , e cadarço das botas, e lá fomos nós. Enqto observávamos a mãe do Fabio dar meia-volta pra retornar, a gente se embrenhou na mata à beira da estrada pra dar inicio oficial à pernada. Desnecessário dizer q não existe trilha alguma, pois apenas buscamos um jeito de adentrar na mata onde desse, pois aqui o mato é denso e a vegetação, espessa. O lixo em abundância neste trecho inicial tb sabe orientar onde “não” se deve andar.
Os primeiros metros foram até q bem tranqüilos e sossegados, e logo o borburinho da movimentada estrada asfaltada dá lugar ao som das cigarras, passarinhos e do quebrantar da mata diante nossa passagem. Após a espessa vegetação inicial a pernada logo transcorreu de forma desimpedida, em suave declive e com obstáculos facilmente contornáveis, no q pareceu ser uma vala d´água coberta de folhas q logo desapareceu. A partir dali a orientação básica era sempre pra oeste, direção esta fornecida sempre pelo “brinquedinho” do Nando já q eu havia esquecido de trazer minha inseparável bússola. Um erro meu, diga-se de passagem.
Descemos um tanto ate encontrar resquícios de uma pequena nascente onde borbulhava água límpida, logo após uma clareira. Mas logo a piramba tornou-se evidente nos obrigando a contornar o fundo vale a nossa frente pela encosta esquerda, ganhar uma crista e em seguida descer mais um tanto. Felizmente sem gdes dificuldades de avanço, pois o bucólico bosque de mata secundária palmilhado é de fácil transito, e os trechos fechados de emaranhados de bambuzinhos ou de árvores tombadas são facilmente contornáveis.
Após ladear e subir uma nova encosta íngreme, sem perder nunca o sentido oeste, a pernada aparenta nivelar noutra crista florestada, já na cota dos 1000m. Surgem então novos obstáculos sob a forma de enormes e grossos bambus secos, q estouram ruidosa e crocantemente diante nossa passagem. “Cuidado q pode ter marimbondos!”, alerta Nando, deixando a tds ressabiados. E assim fomos avançando de boa, ganhando valiosos metros a medida q o tempo passava.
As 11hrs fizemos uma breve parada de descanso do lado de umas aconchegantes e bem-vindas rochas no q pareceu ser uma clareira em plena encosta. O musgo forrando o tronco das árvores tal qual carpete e os bizarros formatos de suas raízes despertam a atenção de tds, assim como o silencio à nossa volta. Enqto beliscávamos alguma coisa conversávamos a respeito daquele bucólico lugar em meio à paulicéia desvairada. Era fácil constatar q aquilo ali era td mata secundaria por conta da pouca grossura dos troncos e da altura do arvoredo em volta, sendo raros os espécimes mais “sarados”. O parque é recente (data de 1989) e por isso bem desconhecido. Situa-se numa área onde antes havia fazendas de café, chá e cana, q o governo do Estado resolveu desapropriar de modo a recuperar a mata nativa e conservar os inúmeros mananciais existentes, dado o problema de abastecimento de água da cidade no inicio do século passado. A partir dali foram adotadas as nascentes da Serra da Cantareira. Tanto q há uma estação de tratamento da Sabesp no pé da serra.
Dando continuidade à pernada, prosseguimos ladeando uma bucólica encosta serrana q lembra muito o “Vale dos Duendes”, da famosa travessia na Mantiqueira, aquela q vai de S. Fco Xavier e vai ate Monte Verde. Só q sem trilha, claro. A partir dali começamos a descer um fundo vale em meio a mata cada vez mais espessa, onde o som inconfundível de água logo se faz audível a nossos ouvidos. Mas após um razoável e denso bambuzal acompanhando o suposto córrego pela esquerda, eis q o precioso liquido logo se faz presente à nossa frente, molhando nossa goela e encher os cantis menos favorecidos.
De modo a fugir das voçorocas de bambuzinhos q se concentravam no fundo do vale, resolvemos prosseguir pela encosta, agora em nível, onde o avanço era mais desimpedido e os bambus estavam em menor qtidade. Sempre acompanhando o córrego á distancia, não demorou a desembocarmos num maravilhoso e plácido remanso, as 12hrs, sob a forma de uma bucólica prainha fluvial onde novamente nos brindamos com mais um merecido pit-stop. O local é privilegiado com um pequeno poço e, dando um jeito, pode comportar ate uma pequena barraca. E o melhor, sem sinal algum de lixo ou da passagem de alguém já por ali!
Descansados e revigorados prosseguimos nossa jornada agora galgando a encosta sgte ate cair numa obvia crista onde a caminhada ficou bem mais agradável, com matinha bem baixa. Dali pra desembocar na “Trilha da Pedra Grande” foi um piscar de olhos, as 12:20, sob o olhar curioso dos turistas e visitantes convencionais do parque, q deviam se perguntar de onde diabos estávamos saindo, sujos de mato! A trilha na verdade é uma antiga estradinha asfaltada de aproximadamente 8km partindo da portaria do núcleo do parque, na qual a gente caiu um pouco após da metade do trajeto. Isto é, metade do trajeto da travessia proposta estava concluída!
A partir dali a caminhada é suave e tranqüila através de ladeiras e algumas bifurcações bem sinalizadas, sem maiores intercedências. Passa até pela divisa de São Paulo com Mairiporã. A Vivi não se conformava por não avistar os ruidosos e brincalhões bugios e macacos-pregos q costumam saltar pelas arvores neste trecho. “Ah, vai ver estão namorando ou cuidando dos filhotinhos neste frio!”, deduzia ela. De fato, o dia nublado estava relativamente frio, e a nossa vigorosa pernada desde o inicio do dia era unicamente o q nos mantinha aquecidos. O sol, por sua vez, ameaçou sair diversas vezes timidamente por entre as frestas das nuvens mas não teve jeito. Ficou escondido por lá mesmo.
Finalmente chegamos na Pedra Grande algo de 10min após emergir da mata. O mirante nada mais é q um enorme afloramento rochoso granítico no meio do parque. Sua vista do alto dos 1010m de altitude se revela espetacular, mesmo com o dia ligeiramente enevoado: a silhueta do mar de concreto paulistano está lá embaixo, cinzenta, a pouco mais de 10km daqui! Em dias mais claros é possível ate avistar a Serra do Mar! Este trecho do parque parece ate coisa de gringo, com área de piquenique, lago de carpas, placas indicativas de fauna e flora, com direito até a um museu didático, a quase 50m da pedra. Uma placa explica didaticamente q o nome da serra, q foi adotado por conta da grande presença de tropeiros entre os séculos XVI e XVII que guardavam seus “cântaros” (jarros) de água em móveis chamados “cantareiras”. Ou seja, a serra tem sua vocação de conservação de seus manaciais desde longa data. Fora esse momento cultureba, foi nas aconchegantes lajotas daquele mirante q nos prostramos comodamente afim de descansar e beliscar mais alguma coisa, em meio aos demais visitantes daquela manhã de domingo, q incluía um grupo de alemães.
Retomamos a nossa jornada as 13:30 ainda acompanhando a estradinha do parque, agora descendo suavemente, sempre com Nando e Fabio na dianteira. Mas qdo a mesma faz uma rotatória é q a abandonamos pra cair na íngreme encosta à sua direita, onde nos firmamos no arvoredo ao redor a medida q perdemos altitude rapidamente. Após nivelar numa encosta e ganhar uma crista coroada por majestosas rochas cobertas de limo onde apenas a Lau e o Nando conseguem enxergar um “sapo” no formato da mesma, descemos pelo q aparenta ser uma vala de água seca ate cair no inicio de uma pequena nascente, envolta por um espesso bambuzal.
Pois bem, indo cada vez mais fundo no vale de modo a não fugir do sentido desejado, optamos por nos manter na encosta de bambus secos pra não cair na mata mais fechada q dominava claramente o fundo do mesmo, entupida de taquarinhas espinhentas e cipós. Contudo, a encosta não demorou virar noutra direção nos obrigando a descer no vale, com mato cada vez mais fechado nos aguardando. E foi ai q o perrenguinho efetivamente começou. Varias paradas foram efetuadas pra checar a rota e avaliar a melhor tática de avanço, paradas estas breves diga-se de passagem. Os pernilongos, típicos do verão e raros no inverno, deviam estar bem agasalhados pois mesmo naquele friaca deviam estar radiantes de alegria por fornecer-lhes a refeição necessária naquele inicio de tarde.
As 14:30 paramos pra descansar um pouco no fundo do vale, em meio a muita e farta vegetação, esta sim bem mais diferente daquela do primeiro trecho da travessia. Aqui sim q estávamos em legitima Mata Atlântica! E foi aqui onde o GPS do Nando começou a pifar por conta das baterias já nos finalmentes, razão q ele só era ligado qdo necessário. Dessa forma, começamos intuitivamente a acompanhar um córrego q ia na direção desejada, descendo suavemente, desviando dos obstáculos no caminho: enormes pedras obstruindo caminho, enormes arvores tombadas q traziam meia-floresta abaixo, voçorocas de taquarinhas espinhentas e emaranhados de cipós q insistiam em nos segurar a cada passo dado. Teve um trecho onde eu e o Fabio literalmente nos jogávamos nos arbustos espinhentos, deitando na mata, de modo a abrir passagem pros demais!
Eventualmente subíamos a encosta pra fugir de locais impenetráveis e completamente tomados pelo mato, mas de forma geral acompanhávamos o riachinho, ora próximo ora afastados, alternando suas margens conforme o avanço se mostrasse mais facilitado. Pra economizar bateria tb prestávamos atenção aos aviões q passavam sobre a gente, q tb iam na direção desejada. E assim fomos ganhando penosamente metro atrás de metro em nossa jornada pela Cantareira, costurando as encostas daquele agreste vale de onde saímos tds ralados, sujos e repletos de espinhos. No caminho, a visão de enormes pedras engolidas por raízes das arvores em busca de sustentação e chão firme redobra nossa atenção. Afinal, andar sobre blocos desmoronados de rochas cobertos de vegetação seca escondendo gretas é altamente arriscado.
Enfim, após este trecho mais punk de vara-mato, as 15:30 desembocamos numa clareira com sinais de acampamento, ou seja, sinais de alguma trilha próxima. Dito e feito, buscando nos arredores achei uma discreta trilha q percorria o riachinho por td extensão de sua margem esquerda. Dessa forma começamos a descer o dito cujo pela vereda encontrada, mas não tardou pra mesma sumir um pouco adiante. Q seja, ate lá já havíamos avançado consideravelmente e sabíamos da proximidade do nosso objetivo final por conta do som de veículos cada vez mais próximo. Por via das dúvidas, emprestei as pilhas da minha maquina fotográfica pra conferir a rota do GPS,q felizmente estava correta.
Logo depois caímos então noutra picada bem batida, onde bastou tomar o ramo da esquerda, ou seja, o q ia na direção desejada e do som de veículos trafegando. A vereda desce o vale palmilhado pra em seguida embicar de vez, quase na vertical, ate ganhar o alto da serra. E tome subida forte através de um chão ora liso ora q se esfarelava a cada passo dado, onde se firmar na precária e frágil vegetação ao lado foi fundamental. Nessa hora demos graças a Deus por não ter chovido pois subir aquilo lá enlameado teria sido um problemão.
Enfim, as 16hrs emergimos num bananal às margens do asfalto da “Estrada da Sta Inês”. Lixo, despachos e intenso trafego eram as boas-vindas à civilização. Pois bem, era fim de travessia mas não da trip. Como carona aqui seria algo difícil em virtude de nossa aparência, não nos restou opção senão caminhar até o bairro mais próximo. E tome , pernada enfadonha ate finalmente abandonar os domínios da Cantareira, passar pela Sabesp e cair na muvuca do bairro da Pedra Branca, as 17hrs.
Uma vez na civilização propriamente dita, descansamos um pouco na casa de um conhecido nosso, o Will. Além de entornar algumas brejas pra comemorar a empreitada, mandamos ver um conhaque pra aquecer o corpo pois a temperatura despencou de vez naquele final de tarde. So tomamos rumo nossas respectivas residências bem depois, embalados pelo sono mas principalmente pela birita já surtindo seu nefasto efeito, O Nando q o diga.
O Parque Estadual da Cantareira é o mais próximo de “mato selvagem” q o paulistano tem a disposição. Mais até q Paranapiacaba e Mogi das Cruzes. Com área equivalente a oito mil campos de futebol, o parque conta com mais outros três núcleos de visitação além da Pedra Grande: Engordador, Águas Claras e Cabuçu. Portanto é de se estranhar q diante de tanto espaço disponível não haja conhecimento de caminhadas mais extensas e interessantes q fujam dos roteiros impostos ao visitante comum. É verdade q as limitações burocráticas são varias por conta da preservação ambiental, mas pra andarilho disposto e decidido a “Juqueri – Sta Inês” é mais uma alternativa de travessia selvagem sem sair de Sampa. Uma das muitas q ainda serão descobertas neste maravilhoso paraíso pouco freqüentado e repleto de aventuras vindouras. Aventuras nesta mancha verde em meio à cidade cinzenta.
Texto e fotos: Jorge Soto
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