Chegando na Canastra
“Cof! Cof! Cof!” O relógio marca 9hrs da manha de sábado qdo a Troller rasga a horizontalidade do Chapadão da Zagaia até logo toparmos com a Portaria 3 do PN Serra da Canastra. O silencio contemplativo e introspectivo do interior do veiculo só era rompido pela tosse seca vinda das profundezas abissais e catarrentas da minha garganta. A inconveniente gripe q me acometera no inicio da semana insistia em querer me acompanhar na trip do feriado prolongado do dia 15 e já tentara de tudo pra me livrar da maldita, sem sucesso: desde limão com mel, pastilhas de menta, vitaminas efervescentes, gotas de Tylenol-Paracetamol, sachês de Acetil Cisteina, três pulinhos em encruzilhada.. e nada! , Dane-se, eu q não ia deixar de pernar por causa de uma mero “resfriadinho”.
O dia anterior havia sido exaustivo e quicá minhas defesas tivessem entregado os ptos diante das minhas inúteis tentativas de reverter o quadro clinico. Tb pudera, eu e o Ângelo havíamos chegado sexta bem cedo em Ribeirão Preto pra só nos encontrar com nossos anfitriões (e carona) apenas pelo meio dia. Após um delicioso almoço na casa do meu gde amigo e fotografo de aventura André Dib, na cia de sua simpática consorte, Cassandra, imediatamente zarpamos em sua possante Troller rumo à Canastra. Após passar por Franca, Lages e tortuosas estradas de terra serpenteando a Represa Mascarenhas de Moraes, tomamos rumo final através do inicio da crista da Serra das Sete Voltas, já no final da tarde.
As luzes de Delfinópolis faiscavam no espelho d´água formado pela Represa Peixoto, ao sul, qdo , finalmente chegamos num dos ptos de apoio da trip, as 20:30, basicamente o pto final da travessia proposta, o Hotel-Fazenda Portal da Canastra, encimada no alto de um morro costeando o Chapadão da Zagaia, já nos limites de Desemboque (Mun. de Sacramento). O Dib estava resoluto e decidido em fazer a travessia, mesmo tendo o pé direito totalmente inchado e comprometido por conta de uma infecção bacteriana durante suas recentes andanças pela Amazônia. É bem verdade q a situação dele era bem mais seria q minha “tossinha”, mas ele so decidiria se de fato encararia a pernada no dia sgte, conforme seu pé mostrasse sinais de melhora. Ou não. E dá-lhe arnica nele!
Comemos algo, conversamos com Seu Álvaro (o proprietário) e tomamos um vinho chileno pra então cair nos braços de Morpheus dentro de nossas barracas, cujo sobre teto tamborilavam com os trocentos besouros q aqui e ali chocavam sua carcaça seca.
No dia sgte levantamos cedo, tomamos um delicioso café-da-manhã mineiro e na cia do Marcelo, residente de Araxá e conhecedor daquelas bandas como ninguém, zarpamos rumo São João Batista as 9hrs, rumo o local de inicio da pernada. Em tempo, pela logística proposta, deixamos a picape do Marcelo na pousada Portal da Canastra pra efetuar nosso resgate, no final da travessia.
E lá estávamos, agora adentrando pela Portaria Sacramento nos domínios do PN Serra da Canastra, pra cair na horizontalidade de vastas campinas q é a paisagem recorrente do gigantesco Chapadão da Zagaia. No caminho, uma breve parada pra fotos daquela imensidão verde pipocada de enormes cupinzeiros e dos restos do q fora um tamanduá-bandeira, a beira da estrada. Enqto isso, tucanos e maritacas empolados na retorcida vegetação de cerrado nos davam as boas-vindas oficiais na Canastra!
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São João batista e Início da Pernada
Atravessado o parque, chegamos enfim na Portaria 2 do mesmo as 10:20, isto é, aquela q fica do lado de São João Batista da Canastra. Já na entrada do arraial temos o vislumbre da Cachu Lava-Pés e da Cachu do Fundão, esta ultima fazendo jus ao nome, pois era visível à leste, bem no fundo da serra. São João Batista é daqueles tipicos arraiais do interior de MG: pequeno, acolhedor, simples e limpo. Parado no tempo e situado bem no meio da divisa das bacias hidrográficas dos rios Paraná e São Francisco, vem sendo redescoberto como pólo ecoturistico aos poucos, uma vez q ainda permanece à sombra das badaladas Delfinópolis e São Roque de Minas.
Na proximidade da simpática Igreja São João Batista tivemos uma rápida parada no Bar do Vicente pra um dedo de prosa (e um delicioso gole de café) com o folclórico tiozinho apenas pra termos oficialmente nosso quinteto de trip reduzido à dupla: o pé do Dib não mostrara melhora e decidiu q o melhor era ficar por ali mesmo, se recuperando de modo a não complicar mais seu quadro clinico, Cassandra, claro, decidiu ficar com seu companheiro a fim de cuidar dele, e o Marcelo tb resolveu permanecer por ali, tocando sua aconchegante pousada (a Retiro da Serra), mas não sem antes nos passar as infos necessárias pra travessia, complementadas pelo Ricardo, outro gde conhecedor da região e dono de uma agencia local pra esportes outdoor (Pousada da Serra).
O fato é q após alguns vai-e-vem atrás de infos acabamos finalmente dando início à pernada por volta das 12:30, com a Troller nos deixando no começo da trilha q por sua vez encontra-se no sopé da Cachu Gurita (ou Cachu do Jota), onde despencam as águas do Córrego Água Santa. Despedimos-nos de nossos amigos e combinamos deles nos encontrarem dentro de , dois dias na Faz. do Álvaro. Pronto, começava a aventura!
Batemos algumas pics rapidamente da bela cachu, situada bem próximo do arraial, e galgamos o carreiro obvio q subia ao alto da mesma pela sua encosta direita e dali tomava rumo oeste. Num piscar de olhos estávamos no alto da serra, no abaulado Morro do Cruzeiro bordejando a cerca limítrofe do Parna de onde avistávamos a vastidão dos campos q forram o Chapadão da Zagaia. À nossa direita (norte) vislumbrávamos a extensa baixada pipocada de pequenos morrotes de onde destoava São João Batista, agora pequenino coroando um deles.
A pernada então transcorreu desimpedida alternando suaves sobes-e-desces durante um bom tempo, sempre acompanhando a cerca à nossa esquerda. No caminho, as campinas varridas pelo vento alternavam campos rupestres e algumas valas erodidas, assim como alguns cupinzeiros e muretinhas de pedra insistiam em variar a bucólica paisagem q descortinava-se a nossa frente à medida q avançávamos. Mas qdo a cerca faz um angulo de 90 graus rumo noroeste um negrume ameaçador tomou conta do céu de forma súbita acompanhado de ruidosas trovoadas, o q nos forçou a apressar o passo, pois uma tormenta logo viria e estávamos bem expostos no meio dos descampados. Mas bastou encostar na precária proteção de um pequeno e ralo foco de mata maior q caiu o mundo. E sob a forma de pesadas pedras de granizo q se chocavam violentamente na nossa cachola. Num piscar de olhos a trilha se transformara num rio e estava td alagado ao nosso redor. Enqto isso, agachados do lado de uma pequena arvore, aguardávamos a fúria de São Pedro dar uma trégua.
Mas como diz um velho ditado, depois da tempestade vem sempre a bonaza, pois qdo a pancada passou, poucos minutos depois, o tempo abriu acompanhado de um sol impar. Nem parecia q minutos antes o tempo havia despencado e nossa pernada teve continuidade no mesmo compasso anterior, sempre bordejando morros desnudos através de trilhos de vaca bem evidentes. Eventualmente descíamos a capões de mata onde sempre cruzávamos algum córrego ou riacho, com destaque pro maior e mais largo deles, o Córrego do Bárbaro, logo depois dos casebres abandonados q assinalam a “Casa do Zé Tomás”, de acordo as infos. Ate la já eram 14:30 e o calor do sol nos abraçava de tal forma q da pta do nariz escorria nosso suor salgado em bicas.
Mas no vale sgte a picada se perde em meio a um vasto brejo, nos obrigando a uma varada de mato básica de uma encosta de samambaias secas, afinal sabíamos q nosso rumo era sempre noroeste e assim ganharíamos a crista sgte. Desembocamos então numa larga trilha q por sua vez nos desovou numa estrada de terra, as 15:30. Ufa, estávamos no sentido certo! Um tiozinho local (“João Carrinho”) passou num carro caindo aos pedaços oferecendo carona, mas como nossa intenção não era andar de carro (e mto menos estrada) nos limitamos somente a coletar infos necessárias.
Assim, abandonamos a tal estrada de terra após quase andar uns 20min nela, mais precisamente após um mata-burro, onde partia uma trilhona obvia pela esquerda q finalmente descortinava o visual recorrente dos demais dias: vales e descampados abaulados ao sopé do Chapadão da Zagaia, q aqui se apresentava como uma imponente e interminável muralha rumo noroeste! Descemos então o vale sgte apenas pra assustar um tatu q descansava placidamente no meio da trilha e pra desgosto do Angelo, q não teve tempo suficiente de pedir ao bichinho um tostão de seu tempo pra ser clicado.
Atravessado um pequeno córrego cristalino vem uma nova subida, e assim sucessivamente.
No entanto, em virtude do horário avançado e de um negrume outra vez surgir anunciando nova chuva, decidimos estacionar num descampado próximo da trilha, ao sopé da serra e próximo de água em abundância, as 17hrs. Decisão esta cunhada de razão pois a chuva veio assim q estávamos no conforto de nossas barracas. Ainda assim, durante o quase-diluvio tive disposição pra ir tomar um banho no riacho. É, se fui naquelas circunstâncias era pq realmente tava precisando de higiene. E alem do mais, era sábado! Mas nem mesmo sendo o sexto dia o Ângelo enfurnou-se na barraca pra não sair mais dela pois não tive mais sinal dele.
Qdo retornei á minha humilde choupana a chuva ainda caia, porem em menos intensidade. Com luz suficiente ainda tive q passar o tempo naquele ócio mais q justificado ate q finalmente peguei no sono assim q comi o q chamei de janta: um lanche mais encorpado com algumas jabuticabas coletadas no Álvaro, complementado de goles relaxantes de pinga (curtida) com mel q a Cassandra deixara comigo! Qdo a noite abraçou aquele cantinho privilegiado de MG trouxe consigo um leve friozinho acompanhado dos sons hipnóticos noturnos, traduzidos na forma do trinado de cigarras ou do marulhar de algum riacho próximo. Isso qdo crises de tosse não resolviam bater á porta da minha barraca em mais de uma ocasião.
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Cachu Boa Vista e Córrego Fundo
O domingo amanhece com uma fina garoa permeando um céu envolto em brumas incertas, q se dissipariam somente mais tarde. Preguiçosamente levantamos de nossas moradas de poliester, tomamos um rápido desjejum e só zarpamos bem alem do programado por conta do meu desengonçado colega de trip. Pois é, o manto do “Zé Atrasildo” já não pertence mais ao Guguinha e agora repousa sob novos ombros..Enqto isso, o chiado estridente de um gavião, provavelmente reclamando de nossa intromissão, marcava nossa saída a exatas 8:45.
Retomamos a trilha costeando o pé-da-serra mas por pouco tempo, já q logo desembocou numa estradinha q bastou acompanhar sem maior dificuldade. De longe, já avistávamos a tal Faz. Boa Vista (ou Faz do João), onde o caseiro, um tal de Arthur, nos daria as infos pra alcançar a primeira gde cachu da travessia. Uma vez na tal propriedades pedimos permissão pra adentrar ao dito cujo q foi bastante solicito conosco e nos deu algumas dicas do trajeto, principalmente de distancias e tempos ao q nos aguardava nos dias sgtes. Cruzamos algumas porteiras e uma cerca pra em seguida dar continuidade à pernada pela encosta desnuda e íngreme dos morrotes sgtes, sob o olhar circunspecto de alguns cavalinhos q ali pastavam tranquilamente. Alem do mais já não éramos mais uma dupla e sim um trio, se considerarmos o elétrico pulguento q resolveu nos acompanhar da fazenda.
Costeado um ou dois morrotes, adentramos então num vale um pouco maior onde o rugido de muita agua caindo de algum lugar no contraforte serrano. Mais adiante logo pudemos avistar a dita cuja sob a forma de um enorme véu alvo despencando do alto de quase uns 60m de altura de pura rocha e quartzito. De onde estávamos a base da mesma era ocultada pela verdejante mata ao pé da cachu, mas a direção a tomar era obvia, bastando seguir alguns rastros de vaca e logo uma corda amarrada no referido arvoredo.
Uma vez no interior da mata, a media q nos aproximávamos o som de água em abundancia ia se tornando quase ensurdecedor, ate q emergimos da floresta pra sermos recebidos, as 9:30, pela maravilhosa visão da majestosa Cachu Boa Vista despencando com fúria em dois enormes mega-piscinoes em sua base. Jogamos as cargueiras nas pedras ornando a base da cachu enqto nossos semblantes encantavam-se com aquele lugar ermo, paradisíaco e isolado, enqto a cachu se encarregava de borrifar nossos corpos suados com respingos de refrescante água! Pausa pra relax, fotos e pura contemplação.
Colocamos pé-na-trilha hora e pouco depois, descansados e refeitos, primeiro voltando o trecho de floresta pra depois novamente ganhar os pastados dos morrotes sgtes, q novamente nos lançaram noutra estrada de terra q aparentemente acompanhava o sopé da serra ao longe. Pra não ir por enfadonhas estradas resolvemos aqui ganhar o alto da crista da forma menos cansativa, e logo encontramos um trilho q adentrava na vegetação retorcida e queimada do cerrado ate um primeiro cocoruto serrano.
De onde estávamos pudemos avistar um trilho maior q ia no sentido desejado e logo caímos nele após um breve vara-mato sussa. Pra nossa surpresa era um trilho tropeiro dadas as suas características: largo e calçado de pedras e cascalho, tomou rumo alto da serra em largos ziguezagues. Porem, antes de atingir o cume o abandonamos (pois aparentemente retornava à fazenda do Boa Vista por cima) pra então ganhar as encostas de pasto dos morrotes sgtes, agora salpicadas de vistosas canelas-de-ema!
Uma vez no alto não teve mais segredo já q era só acompanhar a beirada da serra, numa boa. Enqto andávamos desimpedidamente pela vasta campina dançando enqto a brisa soprava nossos rostos, o calor tomou conta do ambiente embora estivesse aquele clima tipicamente nublado claro, com o sol ameaçando aparecer a qq hora! Mas com uma caminhada agradável dessas o tempo era apenas um mero detalhe. O detalhe aqui é a bela flora e vegetação em geral q abraça os campos rupestres aflorando solo afora destes campos altos da Canastra, assim como uma elétrica cobra q topamos ao cruzar mais uma cerca.
Mas eis q as 13hrs esbarramos com som de água em profusão se interpondo em nosso caminho! Haviamos enfim chegado às cabeceiras e nascentes do Córrego Fundo, q corria borbulhante em meio aos rochedos pro norte. Bem, daqui bastou apenas acompanhar o rio ora atravessando de uma margem à outra saltitando pedras, ora escalaminhando blocos rochosos bloqueando o caminho. Mas durante td este breve percurso os piscinões represados pelo belo ribeirão eram incontáveis e extremamente convidativos pra banho, sem exceção! Contudo, a breve descida de rio não deu nem meia hora q culminou nos rochedos e muralhas onde não havia mais onde continuar, pois daquele belo e privilegiado mirante rochoso o ribeirão despencava verticalmente numa gigantesca queda dágua, a Cachu Córrego Fundo!
Continua…
Texto e fotos: Jorge Soto
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