Travessia Sapo-Gavião

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A Pedra do Sapo é um dos gdes maciços de rocha pura q apontam pro céu do sertão de Biritiba-Mirim, assim como a Pedra Esplanada, Garrafão, Itapanhaú e o Pico do Gavião, tb conhecido como Peito de Moça ou Mulher Grávida. Interligar o Sapo a outros picos através de sua discreta crista, q se espicha sinuosamente sentido nordeste, era sonho antigo. Esplanada e Garrafão foram descartados por não integrarem a tal crista, mas a travessia rumo o Itapanhaú foi realizada recentemente c/ sucesso. Restou apenas o Gavião, cuja ausência tanto de trilha como de infos demandava estudo prévio do trajeto. Já pisara no Gavião antes, mas como meu acesso se dera pela face sul seu contraforte oposto era uma incógnita p/ mim. Contudo, neste domingo realizamos enfim esta travessia curta, porém legitimamente selvagem. Vara-mato, escalada, carrapatos e muito suor, recompensados com visu panorâmico desta privilegiada região ainda pouco conhecida.

Desembarcamos do buso por volta das 9hrs, nos 750m da horizontalidade do cinturão verde q circunda o bairro rural de Manoel Ferreira. Imediatamente eu e o Ricardo pusemo-nos em marcha pela Estrada da Adutora num trajeto já feito vezes sem conta noutras tantas aventuras pela região. A manhã exibia um lindo céu azul, pontilhado por uma ou outra nuvem, mas repleto de promessas pro resto do dia. A subida da Pedra do Sapo já foi descrita noutras ocasiões, portanto irei direto ao q interessa. No caminho já fiquei de olho numas hortas bem saradas a beira de estrada, pra na volta literalmente “fazer a feira” despudoradamente, dada a alta de preços de alguns produtos horti-fruti no mercado.

Após meia hora ter saltado do latão deixamos a estrada e mergulhamos no frescor da mata fechada, na evidente trilha ao lado do casebre do finado e saudoso Seu Oswaldo, tiozinho das antigas q se deliciava com as estórias da galera q perambulava por aquelas serras. Impondo um ritmo forte á suave ascenção, num piscar de olhos ganhamos a crista com rosto suando em bicas e, consequentemente um ombro serrano q foi tranquilamente vencido. Ignorando as bifurcações significativas deste trecho, nossa única (e breve) parada foi pra molhar a goela e abastecer o cantil num refrescante correguinho q corre mansamente encosta abaixo, numa curva ao lado da picada.

Emergimos no alto da Pedra do Sapo em torno das 10:30hrs, onde tivemos nossa segunda breve parada pra retomada de fôlego e rápido lanche. O dia estava perfeito e ali, do alto dos 1010m daquele maciço, os horizontes se ampliaram com uma quase panorâmica de Biritiba-Mirim, boa parte dos seus picos e ate um pequeno vislumbre de areia dourada reluzindo no litoral de Bertioga. Daqui o vislumbre do Gavião (ou Peito de Moça, como preferir) se resume a um proeminente cocoruto elevando-se do maciço q o sustenta, parcialmente oculto pela crista principal. Da mesma forma tivemos a chance de avaliar bem o trajeto q tínhamos inicialmente em mente pra pernada proposta: nossa rota seria basicamente a mesma efetuada pro Pico do Itapanhaú, sempre sentido nordeste, mas lá pela metade teríamos q abandonar a crista principal e azimutar rumo o Gavião, sentido leste. Resumidamente era isso. Só tínhamos q acertar esse desvio pra não cair noutro cafundó qualquer.

Descansados, retomamos nossa jornada tocando pela abaulada crista principal, mas não sem antes desescalar um trecho verticalizado quase ao pé da pedra. Aqui ambos reparamos q antes há um desvio q evita este trecho inclinado, onde uma corda recentemente disposta dá o suporte necessário. Mas logicamente q eu e o Ricardo optamos pelo trecho adrenado e radical, ou seja, descendo pela corda. Na sequencia mergulhamos pela crista florestada principal, apenas saindo da trilha uma única vez, no caso, prum discreto mirante rochoso onde se aprecia o maciço do Sapo sob outra perspectiva, ou seja, pela frente. Deste ângulo o Sapo não lembra em nada o um “anfíbio prostrado” e se resume a um simplório bloco retangular qq.
A pernada pela crista inicialmente não tem gdes dificuldades pois a picada é batida e obvia. Alem do mais, marcos topográficos de concreto dispostos ao largo dela servem como totens demarcando a picada. Os únicos obstáculos consideráveis não tardam em aparecer, quase q sequencialmente: primeiro sob a forma dum abrupto desnível, rumo um selado de conexão, q deve ser vencido com cautela, pra depois enfrentar uma piramba com desnível vertical de 50m, onde é necessário se agarrar no q tiver á mão (mato, rocha ou tronco) e impulsionar o corpo pra cima. Eventualmente se dá um passo e retrocedem-se dois, mas este trecho nos toma um tempinho considerável ate ganhar o alto novamente. Se serve de consolo, frestas na mata novamente nos brindam com vista privilegiada do Sapo e arredores.

Novamente na crista principal a pernada aparenta nivelar em meio a uma agradável florestinha baixa, sem problema algum. Mas td q é bom dura pouco pois logo vem a segunda provação deste trecho: voçorocas de finos bambuzinhos obstruindo o caminho! Ricardão foi na frente faconando vigorosamente a macega, mas havia alguns momentos em q rendia bem mais agachar e engatinhar sob túneis e túneis de bambus! E assim avançamos lentamente, alternando trechos tranqüilos com outros repletos daquele maledito matinho fino! A abundãncia destas voçorocas pode desorientar e gerar confusão nalguns momentos, mas basta não perder os marcos de concreto q eles indicam a rota a ser tomada.

Finalmente as 11:35hrs pisamos no lugar visado do Sapo, no alto dos 1010m, onde um belo rasgo na mata permitia tanto um belo visual das montanhas adiante como permitia uma brisa suave soprar nos nossos rostos suados e, principalmente, sujos de mato. Daqui a picada toma ruma norte, descendo abruptamente sentido um selado de conexão á outra montanha. O lugar tb é assinalado por um marco concretado junto doutra marcação de metal arredondada, logo ao lado. No entanto é aqui q a gente abandona o caminho principal em favor dum ombro serrano q deriva pro leste, rumo o maciço do Gavião.

Mergulhamos então na mata no q aparenta ser uma estreita vereda cercada de fina vegetação, subindo suavemente. As dimensões tanto de largura qto altura da tal picada entregam q não foi feita por nada humano: era um óbvio caminho de anta, e consequentemente era questão de tempo encontrar maleditos carrapatos agarrados ao corpo! Mas logo o q era relativamente facil de avançar tornou-se um sufoco, com o surgimento de voçorocas e voçorocas de bambuzinhos no caminho. Algumas era facil de rasgar no peito, enqto outras havia simplesmente q desviar pelas laterais.

Não tinha passado nem meia hora de lento avanço, q resolvemos parar num elevado cocoruto coberto de bambus, onde julgamos equivocadamente ter alcançado o tal “Peito da Moça”, o topo propriamente dito. Mas percebemos nosso erro ao observar por frestas na mata q o mesmo estava bem mais adiante. É, tão perto e tão longe ao mesmo tempo. Dessa forma avançamos vagarosamente nesse primeiro trecho da cumieira serrana, evitando desviar demasiado da crista e atentando bem pro mato caindo de ambos os lados. E sempre atentando pra direção apontada pela bússola, já q pedir referência visual naquele labirinto de bambus é pedir demasiado.

Respiramos aliviados qdo o inferno dos bambuzinhos terminou e a caminhada tornou-se não apenas nivelada, como tb agradável num agora largo topo forrado de  frondosa vegetação espaçada entre si, ornada de reluzentes bromélias. Majestuoso arvoredo cujas raizes agarravam-se aos enormes matacões de rocha pura q coroavam o caminho. Foi ai q encontramos vestígio de uma trilha q percorria td aquele cume e nos apegamos a ela assim como os carrapatos na gente. Foram-se os bambuzinhos e apareceram bambuzões secos, fáceis de transpôr e q craquejavam diante nossa passagem em determinado trecho. A presença humana neste setor foi logo confirmada ao encontrar uma antiga garrafa embolorada de trocentos anos, colocada num pau ao lado da trilha, provavelmente servindo de marcação. A presença de antas tb foi finalmente confirmada, com enorme qtidade de dejetos empilhado bem no meio do caminho.

Foi ai q no meio da vegetação tropeçamos com uma bela e enorme rampa rochosa reluzindo a nossa frente, forrada de pequenas bromélias. Enfim, agora sim havíamos chegado ao “Peito da Moça” (ou cabeça do tal Gavião), q elevava-se parcialmente desnuda e soberana da crista do maciço percorrido. Só havia q bolar um jeito de galgar o paredão, relativamente bastante íngreme e exposto. Ao invés de contornar a base, decidimos escalá-lo na unha mesmo. Na dianteira, fui então pisando cuidadosamente na base das bromélias coladas na rocha e ganhando altitude, q dependendo da superfície tinha até boa aderência á bota nas partes mais ásperas.

E assim, finalmente por volta das 12:40hrs ganhamos os 1030m do topo do Gavião, (ou Peito de Moça ou Mulher Gravida). O cume, 20m maior q o Sapo, é coberto de vegetação baixa e permite visibilidade parcial do litoral pelas janelas da mata. Mas a paisagem pro quadrante norte é soberba e possibilita observar td trajeto feito naquela manhã: desde o maciço do Sapo, a crista principal, a crista secundaria de bambus, o Itapanhaú coroado por sua inseparável torre de retransmissão, um pequeno vislumbre do domo da Pedra Esplanada e a pirâmide do Pico do Garrafão. Mas o tempo de contemplação foi o curto pois logo brumas espessas vindas do oceano cobriram a cumieira daquela sequência de montanhas duma vez só.

Enqto descasávamos no alto da piramba rochosa q havíamos escalado, entre goles de água e mordidas no lanche a tiracolo, reparei uma sujeirinha de terra lentamente se movimentando na coxa. “Caralho, q porra é esta? Sujeira não se mexe!”, pensei. Mas daí olhei atentamente e percebi q eram dezenas de minúsculos carrapatinhos q mais pareciam pequenas sardas em movimento! “Merda! É carrapato-pólvora!”, exclamou o Ricardo. “Na rasgação de mato provavelmente esbarramos numa `nuvem´ (ninhada) depositada sob alguma folha”, concluiu. Imediatamente começamos a revirar o corpo td e esfregar as regiões onde os minúsculos bichos estavam alojados, aos montes! Fiquei seriamente preocupado na possibilidade dos maleditos escalarem minha coxa afim de fixar residência nas partes baixas. Francamente, prefiro ter carrapatões grandes comigo do q aquela versão miniaturizada, difícil de enxergar e até pegar! E assim transcorreu o resto de permanecia no cume, removendo aqueles bichinhos infernais!

Deixamos o topo exata uma hora após te-lo conquistado, ou seja, as 13:45hrs. Após a desescalada do paredão retornamos pelo mesmo caminho com alguns pequenos perdidos no bambuzal, sanados a tempo pelo Ricardo, q plotara o trajeto no GPS. E assim as 14:30hrs deixávamos aquela crista desgarrada pra cair novamente na trilha principal. Daí resolvemos não voltar pelo mesmo caminho (o Sapo) e sim continuar pela picada, descer ate o selado de ligação com o Itapanhaú e retornar pela “Trilha do Yogurte”. E assim foi, perdemos então altitude num piscar de olhos naquela piramba íngreme de quase 170m de desnível e repleta de samambaias, até finalmente cair na encruzilhada evidente q domina o selado de conexão com o Itapanhaú.

Tomamos então a vereda da esquerda as 14:40hrs, conhecida como “Trilha do Yogurte” por conta da enorme qtidade de embalagens do mesmo no chão, mas q pela atual condição deveria se chamar “Trilha da Paçoca”. E partindo da cota dos 860m fomos descendo pro outro lado dos contrafortes serranos sem gde dificuldade, numa pernada tranqüila e desimpedida já percorrida noutras 3 ocasiões. Desembocamos numa das tantas estradas de reflorestamento da Faz. da Forquilha por volta das 15hrs. Aqui o Ricardo queria tomar sentido direita, mas eu o convenci pra seguir pela esquerda pois sairíamos bem mais próximos de Manoel Ferreira, abreviando gde parte do trajeto entediante pela Estrada da Adutora, novamente na cota dos 770m.

E assim, bem antes das 17hrs, nos vimos bebemorando a empreitada totalizando 15kms percorridos naquele dia, porém terrivelmente acidentados, no pequeno boteco de Manoel Ferreira enqto aguardávamos a conduça de volta. Desnecessario mencionar q “fiz a feira”, ao passar novamente pela horta na beira da estrada. Bem, pelo menos entupi a mochila de ataque com o q dava pra carregar, lamentando não ter feito o role com minha cargueira de 70L.
 
Resumindo, é de se estranhar q este conjunto de maciços de Biritiba-Mirim, tão próximos da maior Metrópole da America do Sul, ainda permaneçam no total e profundo desconhecimento da galera montanhista. Detentores de belos visuais, dificuldades inerentes e singulares a quem pratica a modalidade nos trópicos e q não fazem feio diante sua vizinha (e mais ilustre) Mantiqueira, estas montanhas não precisam de época nem temporada especifica pra serem percorridas. Basta apenas boa previsão meteorológica. Ou quem sabe seja melhor assim mesmo, q ainda continuem no profundo ostracismo. Pois somente dessa forma o “Sertãozinho do Tietê” se mantêm preservado, domínio apenas de caçadores, antas e meia dúzia de andarilhos mais ousados. Somente assim q suor, ralados, sujeira e carrapatos pelo corpo ganham o status de legitimas marcas de mais uma batalha de final-de-semana vencida.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

 

 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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