Travessia Sapo- Itapanhaú

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Altivo e imponente, o Pico do Itapanhaú destoa dos demais gdes maciços do entorno por um único detalhe: além de ser a montanha mais alta da região, seu topo é coroado por uma enorme antena, q por sua vez espeta o céu q se debruça sobre o planalto serrano de Biritiba-Mirim (Mogi das Cruzes). Tb conhecida como Torre do Itapanhaú e com feições similares à Pedra de São Domingos (MG) ou o Morro da Antena (PR), o acesso aos 1080m do seu cume é feito facilmente através duma precária e íngreme estrada de manutenção. Ou tb pode ser alcançado de forma mais aventuresca e selvagem, ou seja, mediante uma travessia de cristas sucessivas, partindo do alto da Pedra do Sapo (990m). É a “Travessia Sapo-Itapanhaú”, q descortina um visual arrebatador desta zona erma e pouco freqüentada dos paulistanos.


Desde a primeira vez q pisei na região planáltica de Biritiba-Mirim (coisa de 5 anos) conhecida como “Sertãozinho do Tietê”, situada entre as bacias do Rio Sertãozinho e Rio Grande, me surpreendi com a gde concentração de picos q nunca ouvira falar. Sim, eles estavam ali dando mole pra serem desbravados, separados por vales não mto fundos e com visuais q não deviam em nada a montanhas mais badaladas, como por exemplo, as da Mantiqueira. Além do mais, este setor pouco conhecido dos montanhistas tinha vantagens em relação a sua vertente mais ilustre: além de próximos da metrópole, eram praticamente semi-selvagens, com freqüência nula de visitação e o melhor, a gde maioria é de relativo fácil acesso e ideais prum bate-volta dominical!

Já ouviu falar da trinca mais ilustre, a Pedra do Sapo, Pico da Esplanada ou Pedra do Garrafão? Ou da Pedra da Forquilha, Pico do Pedra da Mulher Grávida ou o Pico do Gavião? Pois é… Desde então me dispus a catalogar tds os picos desta região uma vez q a informação a respeito era praticamente nula. E a pouca q havia na internet era equivocada, pelo q pude constatar. O próprio site de Biritiba-Mirim já induz ao erro mencionando o Pico do Garrafão como pto mais alto do municipio sendo q não o é. Outro fator q pode confundir é a profusão de nomes diferentes prum mesmo pico (a Esplanada, por exemplo, tb é conhecida como Garrafãozinho), oriunda normalmente dos conflitos entre nomes tradicionais c/ o q as cartas topográficas sugerem. Pois bem, dando continuidade à sequencia de relatos destes picos pouco conhecidos e de facil acessibilidade, eis com vcs o Pico do Itapanhaú q alias, no Wikimapia, aparece equivocadamente marcado como Pedra da Esplanada.

O dia raiava naquele domingo de atmosfera límpida e aos poucos a temperatura se elevaria de forma considerável, confirmando a previsão meteorológica. Eu e o Ricardo então saltamos do latão em Manoel Ferreira, as 9:10hrs, e imediatamente nos pusemos a caminhar pela empoeirada SP-43, vulgo “Estrada da Adutora”. Colocando a fofoca em dia, este breve trecho de estrada passou ate desapercebido mesmo tendo como destaques uma vistosa plantação de abobrinhas e uma pequena jararaca atropelada no caminho. Daqui tb tivemos nosso primeiro contato visual com a espichada silhueta escarpada q unia os picos q pretendíamos unir na travessia. Em tempo, Não darei maiores detalhes do acesso a entrada da Pedra do Sapo pois ele já foi dado em duas ocasiões anteriores (e mais detalhadamente), por isso tratarei de ir direto ao q interessa.

Meia hora após começada a pernada abandonamos a via principal por outra saindo pela direita. Num piscar de olhos abandonamos tb esta segunda via por outra menor(e gramada) q a tangencia e logo caímos no casebre q marca o inicio da subida propriamente dita. A entrada da trilha ta na extrema esquerda deste casebre, e uma cerca recém colocada na frente da mesma pode confundir, mas nada q uma mera agachada não resolva. Pronto, começamos oficialmente a travessia pontualmente as 9:50hrs!

Mergulhamos então na mata fresca numa subida relativamente forte q logo ensopa nossas camisas, ao som do canto metálico das arapongas nalgum lugar. Uma vez na primeira crista atingida caímos numa bifurcação em “T” onde tomamos a esquerda, pra então descer suavemente num colo serrano marcado por voçorocas e touceiras de bambus. Aqui há uma encruzilhada q ignoramos, passando batido por suas ramificações laterais, e subimos suavemente o cocoruto sgte pra então seguir por uma encosta montanhosa praticamente ate o fim. Neste trecho temos nossa segunda jararaca avistada, desta vez uma peçonhenta bem viva q folgadamente tava mimetizada no meio da trilha, mas q se pirulitou na mata assim q nos aproximamos! É, redobramos a cautela por conta do dia quente e abafado!

Após uma desviada providencial, as 10:10hrs, por uma picada lateral q leva a uma bem-vinda nascente q molhou nossa goela e encheu nossos cantis, retomamos a pernada pela vereda principal e 15min caímos na entrada q dá acesso ao Complexo de Grutas Beltenebros, q fiz questão de mostrar ao Ricardo. Este, por sua vez, desconhecia estas cavernas e se encantou com as possibilidades de rapel por suas estreitas fendas. Mas isso ficaria proutra ocasião pois nosso foco naquele dia era a travessia.

Pois bem, a pernada prosseguiu no mesmo compasso ate q emergimos no aberto em meio aos primeiros arbustos ressequidos e, pontualmente as 11hrs, pisamos no largo topo granítico da Pedra da Forquilha, de onde tivemos nosso primeiro contato visual e arrebatador da Pedra do Sapo, logo ao lado. Na Forquilha há uma área razoável de camping e ate bivake, mas o q chama a atenção são os grampos fixados pra pratica de rapel. Mas a pausa foi breve o suficiente apenas pra retomar fôlego e partir proa Pedra do sapo propriamente dita. Nos embrenhamos na mata e, desescalaminhando um pouco, logo caímos no selado de ligação com a Forquilha.

Daqui subir ao alto do Sapo é bem intuitivo, e num lance de escalada quase vertical – auxiliado por cordas e ate uma mangueira de bombeiros – logo emergimos no alto dos 990m da Pedra do Sapo. Pernoite aqui é impossível, no entanto, o visual daqui compensa qq coisa. Domina o quadrante a cidade de Mogi com a Serra de Itapeti, se espichando ao norte; o espelho dágua do Represa do Rio Jundiai e Suzano, a noroeste; a faixa dourada de Bertioga contrastando com o verde serrano e azul do mar, a sudeste, além do evidente risco da Rod. SP-98 no meio; a crista escarpada culminando no Pico do Itapanhaú e sua torre óbvia espetando o céu, além do bico saliente do Pico Mulher Grávida, destoando a nordeste; e a oeste, com algum esforço, a geometria simples dos vilarejos de Taiaçupeba, Quatinga e Biritiba-Mirim, em meio a muito verde. Breve pausa pra retomada de fôlego e última contemplação do visu, em especial da suposta crista escarpada q nos levaria ao nosso destino.
Pois bem, após um breve momento de descanso retomamos a pernada não pela necessidade de otimizar o tempo, mas principalmente pq o calor naquele horário estava insuportável. E assim nos embrenhamos pela continuidade da trilha q leva ate ali, q mediante desescalaminhada nervosa de outro trecho verticalizado nos deixaria na crista principal propriamente dito. E la fomos nos firmando nas raizes e agarras na rocha visíveis e mais confiáveis, quase q deslizando no chão de terra liso feito sabão. Mas uma vez na trilha da crista não teve mais erro e bastou sempre seguir por ela, sentido nordeste, subindo e descendo suavemente em meio a mata. Uma curta saída pela esquerda nos leva num belo mirante rochoso de onde se tem uma vista do Sapo e da Forquilha bem diferenciada, sob outra perspectiva.

Mas prosseguindo pela estreita picada na crista principal basta principalmente acompanhar uns onipresentes marcos topográficos q serão nossa referencia a partir de então. Contudo, após uma descida razoável ate um selado ou colo serrano tropeçamos numa evidente encruzilhada. Ignorando suas vertentes laterais (caindo de ambos lados) seguimos em frente, sempre acompanhando os marcos da crista. Na sequencia, uma íngreme piramba é vencida a duras penas, pois a trilha basicamente inexiste e é preciso se firmar bem no q tiver a disposição (tronco, capim ou arbusto) pra avançar.

Uma vez no alto daquele cocoruto serrano a vereda aparenta sumir, mas vestígios dela são logo encontrados na sequencia. Basta apenas atentar aos marcos ou o q sobrou deles em td trajeto. Agora a pernada se dá apenas por crista sem gde variação de desnível. No entanto, o mato caindo sobre a trilha é quase q uma constante e não raramente o avanço é feito no peito mesmo, rasgando o caminho! E não é mato qq e sim bambuzinhos, capim-navalha, unha-de-gato e outra vegetação q se agarre à pele, deixando obvias marcas. Eventualmente voçorocas e emaranhados de bambuzinhos intransponíveis nos obrigam a passar agachados, quase rastejando. Noutras ocasiões galhos e vegetação mais espessa obriga o Ricardo a utilizar seu facão de modo a abrir caminho, e assim se deu nossa jornada naquele trecho de crista. Por sorte ate q conseguimos impôr um ritmo forte á pernada, mesmo nessas condições, sempre tocando a nordeste. Qq semelhança com a “Travessia dos Poncianos” (São Fco Xavier) ou a "Vigia-Canal" (Marumbi) será mera coincidência, aliás.

Num determinado trecho florestado começamos a descer com certa facilidade, mas surgiu a dúvida se estavamos no caminho certo. Na falta dos benditos marcos retornamos ate o último avistado e dali fizemos um pente-fino atrás dos demais, no meio da mata. Felizmente esta tática revelou-se certeira, pois havia alguma mata tombada pela crista q obstruía o caminho certo, e ter os marcos visíveis era sinal q estavamos na rota correta. E assim fomos indo, avançando na raça ora numa boa, onde algumas frestas na mata nos revelavam o qto nos aproximávamos mais da Torre do Itapanhaú e o qto nos distanciávamos cada vez mais da Pedra do Sapo! Uma hora a crista se tornou tão estreita q percebemos q andávamos por cima de uma alta e espichada lamina rochosa, com mato caindo de ambos lados verticalmente.
Após um tempo emergimos no aberto, noutro cocoruto relativamente florestado de arbustos ressequidos, onde nossa rota passou a descer forte sentido norte. Como os marcos iam nessa direção não questionamos a direção e la fomos nos, perdendo altitude rapidamente, pra depois mergulhar outra vez na mata. Passamos por enormes blocos rochosos, uma gde toca formada por pedras tombadas e vários indícios q antas enormes freqüentam essa trilha, pois suas fezes são tão onipresentes qto os marcos de concreto q nos guiam. E os carrapatos idem. Dessa forma, as 12:45hrs, alcançamos um novo selado entre dois morros marcado por uma nova e importante encruzilhada. A picada (q o Ricardo chama de “Trilha do Iogurte”) q intercepta nossa rota não é nada mais nada menos q aquela picada q sai da casa do Seu Geraldo, passa pela Cachu da Água Fina e vai ate a estrada principal da Faz. Pedra da Forquilha.
Nesta encruzilhada sombreada nos brindamos alguns minutos de descanso pra então dar continuidade a travessia proposta, observados por um enorme sapo cururu. Ignoramos a picada cortando a encruzilhada e continuamos nos mantendo na crista, agora subindo forte outra vez ate ganhar o alto logo em seguida. Daí recomeçou o suave sobe-e-desce anterior, porem muito mais facilitado pois não havia q rastejar, ao menos. Serpenteando enormes monolitos rochosos e passando por vários sanitários de antas, começamos a descer e desta vez em definitivo. Logo nos vimos margeando reflorestamentos de eucaliptos visíveis a nossa esquerda, enqto a trilha tocava pelo q restava de mata secundaria pela direita. As vezes perdíamos a trilha, mas esta logo era reencontrada graças aos sempre bem-vindos marcos de concreto.

E assim, por volta das 13:30hrs terminamos caindo numa precária estrada concretada de forma bem porca. Ou seja, havíamos desembocado na via de manutenção q sobe ao Itapanháu, mais precisamente em seu techo final, situada na encosta da montanha!!! E dessa forma desencanada e sem pressa alguma, tocamos pela estrada acima ate q as 14hrs alcançamos o cume daquela montanha almejada. O topo é tomado por uma enorme área cercada q guarda uma gde torre de telefonia, mas como o portão estava arrombado adentramos e nos prostramos na sombra afim de descansar e beliscar mais alguma coisa. O melhor de td é q estávamos sem muita água e o fantasma da sede já comecava a rondar nossa cachola, mas ali na torre havia um bendito tanque (!?) onde o precioso liquido jorrava fartamente! Claro q nos esbaldamos de beber td q podiamos, molhamos a cabeça e td mais, pois naquele horário o calor estava de rachar côco!

Não contentes com o visual privilegiado q já tínhamos dali do alto dos 1080m do Itapanhaú, resolvemos subir ate o alto dos 60m da torre!! E la fomos nos, ganhando patamares sucessivos mediante escadas interminaveis q logo deixaram calos em ambas mãos. No caminho, parece q acionamos algum alarme num sensor de movimento pois começou uma barulheira desgracada q não nos preocupou em nada, pois já q estavamos ali nada nos iria impedir de subir a torre. E após um tempo q parece interminável, atingimos os 1140m do alto da torre! Ali tivemos uma visão espetacular de 360º sem obstáculos. Além de apreciar td trajeto feito desde a Pedra do Sapo, tínhamos uma panorâmica de td quadrante sul, onde destoava o espelho dagua da Represa Andes em meio a um tapede verde de vegetação. Noutras, viamos td aquilo já visto no Sapo, com acréscimos até! O Pico do Garrafão e a Pedra da Esplanada elevavam-se elegantemente a nordeste enqto o Pico da Mulher Grávida destacava-se tb do trajeto percorrido, a sudoeste, assemlehando-se mais ao seio bicudo de uma mulher q com uma grávida propriamente dita. E no mar, ao longe, avistávamos claramente a Ilha de Alcatrazes e Montão de Trigo, sem falar no domo da Pedra da Boraceia a leste, reluzindo como uma barbatana rochosa singrando o “oceano verde” da Serra do Mar!

Retornamos a base da torre satisfeitos, com a sensação do dever mais q cumprido e dessa forma iniciamos o longo e interminavel retorno a Manoel Ferreira por volta das 15hrs, dando as costas a este belo pico. E tome pancada no joelho estrada abaixo, onde muitos trechos a declividade era bastante acentuada q tive minhas duvidas se um carro normal sobe aquilo td. Qdo o asfalto deu lugar a terra batida, já bem mais abaixo, a paisagem fecha-se em vales de reflorestamento, boa parte deles td desmatado e com cenário q de longe evoca aquele bucólico visto durante td travessia.

As 16hrs em ponto desembocamos na entrada da Faz. Pedra da Forquilha pra então tocar pela SP-43 sentido oeste, sendo castigados pelo sol forte esbofeteando nosso rosto. No caminho, tivemos a visão de nossa terceira jararaca no meio da estrada, q se enfiou eletricamente no mato assim q nos viu. Da mesma forma, tivemos um último vislumbre de td trajeto da travessia antes q pesadas nuvens ocultassem td cumieira da serra. E enfim as 17hrs chegamos em Manoel Ferreira, onde encostamos no boteco afim de bebemorar a empreitada enqto aguardávamos o busao, q so daria as caras ali meia hora depois.

E essa foi nossa pernada selvagem q, percorrendo cristas e colos serranos, começou no alto da Pedra do Sapo e concluiu no maior sentinela da região, o Pico do Itapanhaú, descortinando belo visual deste setor planáltico de Biritiba-Mirim. Como pude constatar pela panorâmica q tive do alto do mesmo, a profusão de picos na região é maior q a mencionada pelos locais e a sugerida pelas cartas. E o de travessias possíveis entre eles, decerto, é inimaginável. Esta aqui relatada é apenas uma delas, pois basta apenas meter as caras e explorar outras possibilidades. E como há uma tendência ecoturista natural de q aquilo q não ta na mídia (na TV, principalmente) não existe, é bem provável q estes gdes maciços ainda permaneçam por um bom tempo ignorados, reservados apenas aos legítimos e verdadeiros aventureiros. Somente assim pra estes gigantes desconhecidos do “Sertãozinho do Tietê” se mantenham sempre preservados.
 

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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