Ás 5h acordei com as conversas de um grupo que apareceu por lá, eram quatro azarados, que como eu, não viriam o sol nascer, já que o tempo estava completamente fechado. Eu preferiria um belo nascer do sol, mas dormir por lá já era prazer o suficiente. Conversei com eles um pouco, estavam cansados e com muito frio. Por volta de 6:30h eles iniciaram a descida.
A fim de continuar, fiz o café da manhã, desmontei a barraca e arrumei minha mochila, seguindo em frente as 9:50h. Após “descer do pico”, peguei a trilha sentido casa queimada, passei pelo pico Sem Nome1, pico do Calçado e fui ao pico Calçado Mirim (Sem Nome2). A trilha desce entre os picos do calçado, porém, chegando no pé do Calçado peguei a bifurcação a direita, passando embaixo do calçado mirim, indo em direção ao pico do cristal. Nesse ponto encontrei com um grupo de 3 crianças e dois adultos que estavam subindo para o pico da Bandeira. As crianças iam saltitantes na frente, enquanto os adultos se arrastavam mais atrás.
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A decisão:
Antes de chegar a base do cristal, desce-se um pouco , e depois sobe-se quase escalaminhando os seus 4 degraus. Cheguei ao topo as 12:00h. Fiquei por lá pesando por onde desceria. A trajetória inicial era descer pelo meio do mato, seguindo uma crista e depois um rio. Mas este caminho seria muito difícil e perigoso, ainda mais pela baixa visibilidade e o uso apenas de carta e bússola. As outras opções seriam descer pelas trilhas clássicas para Alto Caparaó ou Pedra Menina, mas nos dois casos teria que passar pela portaria e talvez tivesse algum problema. Descer por pedra menina era o mais tentador, já que seria um bom desfecho para a travessia, o problema era que a maior parte do trecho é estrada de terra, o que não me agradava. Dessa forma, decidi encarar o desafio e continuar com o planejado, seguir pelo mato, as 12:30h comecei a descida.
Descendo pelo desconhecido e além.
O início foi bem tranqüilo, pois tinha muita pedra e vegetação rasteira. Andei pela crista do Cristal, e ela curvava para a esquerda, surgindo assim dois vales nas laterais, por onde correm pequenos riachos, veias do ribeirão vargem Alegre. No caminho encontrei pedras dispostas de forma sugestivas, pareciam uma grande seta. Pelo lodo nas pedras, parecia que estavam assim há muito tempo. Essa “seta” indicava continuar na crista, como esse era o caminho que pretendia seguir, continuei. A visibilidade nesse trecho era muito baixa, conseguia ver pouco mais do que 5m, ou seja, sem nenhum visual. Mais alguns minutos seguindo a crista encontrei outro grupo de pedras que pareciam outra seta, dessa vez ela indicava a esquerda. Tentei seguir em frente na crista, mas havia uma mata muito densa e não era possível. Foi aí que comecei a achar que aquelas pedras realmente eram indicações de um antigo caminho (talvez usado por guerrilheiros na década de 70).
Resolvi contornar a mata pela esquerda a procura de alguma trilha e encontrei algo como uma clareira, que parecia muito um local de acampamento. Continuei um pouco mais, mas não havia sinal de trilha, era apenas uma descida íngreme em direção a um riacho. Segundo o meu trajeto, eu deveria seguir direto pela crista, na impossibilidade, o mais plausível era descer pela direita, afinal, não sabia ao certo se aquelas pedras realmente eram setas e se realmente existiu algum caminho por lá, e se existiu, foi há décadas.
Procurando um bom lugar pra descer, encontrei um vala, por onde escoa a água da chuva, desci por lá até chegar ao colo do vale. A partir daí a vegetação ficou muito fechada, com muito bambu e cipó, os quais agarravam na mochila o tempo todo. A locomoção se tornou extremamente lenta e desgastante. Tentei seguir pelo rio, mas sem pisar na água, mas logo fui obrigado a voltar à margem. A partir das 16h já comecei a procurar um local para a barraca, estava difícil, e já estava conformado que teria que abrir uma pequena clareira, porém, por sorte encontrei , uma área do tamanho da barraca apenas com vegetação rasteira e por volta de 17h minha barraca já estava montada. Esse local era muito inclinado, e eu escorregava como um quiabo para o fundo da barraca. Para aumentar o atrito entre eu e o isolante, virei a parte aluminizada para baixo e abri o saco de dormir até a coxa, com isso conseguir atrito ente o tronco e o isolante e praticamente resolvi o problema.
Dia 5: O infindável entres brumas no meio de lugar nenhum.
Nessa manhã acordei por volta de 7:30h e ainda estava , -1 C dentro da barraca, mas dessa vez não podia esperar e logo comecei a preparar o café. Arrumei as tralhas e 9:10h comecei a andar. Segundo o meu cronograma esse seria o último dia, logo, devia assumir uma postura mais agressiva para finalizar a travessia. A primeira coisa que eu fiz foi desistir da bota seca e andar por dentro do riacho, ainda assim alguns lugares eram impossíveis de passar e me obrigava a procurar melhores alternativas nas margens. Esse trecho foi marcado pela constante sensação de estagnação, por não conseguir ver nada e pela baixa velocidade de deslocamento. As horas foram passando e eu me via no mesmo lugar, sem nem mesmo perder altitude. , Por volta de 14h, finalmente cheguei ao “fim” do vale, o córrego já estava mais largo e houve mudanças na dinâmica da pernada.
A Era das Cachoeiras.
De repente , saí do mato para uma laje de pedra por onde a água despencava logo a frente, Isso foi algo que me deixou muito feliz, mas só até eu chegar a beira da queda, pois vi que tinha uns 40m desnível, dividido em duas quedas. E lá foi eu para o mato novamente, só que dessa vez eram paredões íngremes, e exigia muita atenção e cuidado. O fato era que estava a 2000m e meu destino era a 997m, ainda tinha que vencer 1000m de desnível, então ainda tinha que passar em muitas cachoeiras. Nesse ponto pude ter alguma visão do próprio rio, mas por pouco tempo, pois em poucos segundo um grande tentáculo esbranquiçado se esgueirou pelo canyon e encobriu tudo.
A cada cachoeira, um parada para a análise, afim de escolher a melhor forma de descer. A medida que eu ia descendo o volume de água aumentava, devido aos vários afluentes do rio. Por volta de 15:30h o tempo limpou por alguns minutos, e pela primeira vez, pude avistar a cidade, que não estava longe. Continuei descendo, , mas as quedas pareciam intermináveis, e quanto mais descia, mas inclinado ficava os paredões ao redor. Para me auxiliar, contei um cipó e usei como corda, para descer a mochila em certos pontos, já em outros passava em poços com a água até a cintura. A luz do dia já se extinguia, e a escuridão tomava rapidamente o canyon, o tempo era crítico, pois não podia continuar a descer aqueles paredões no escuro, e já não conseguia distinguir as pedras secas de molhadas ou com lodo. , Sabia que estava muito perto, e cada obstáculo vencido poderia ser o último.
O beco sem saída.
Por volta de 17:40h me arrisquei ao descer uma parece de uns 5m usando um cipó pouco confiável que descia do topo de uma árvore. Ao chegar embaixo eu me vi encurralado, em um beco sem saída. Já era praticamente noite, nas laterais haviam paredões verticais de uns 5m e a frente um enorme poço da largura do rio. Eu estava cansado e fraco, já que estava varando mato e descendo pedras desde 9h, e tinha feito apenas duas paradas de 10m cada. , Sem opções, joguei a mochila no chão enquanto procurava um lugar para montar a barraca. O melhor que encontrei foi um amontoado de pedras quase esféricas, do tamanho de melões. Aquilo era a visão do inferno, já que me renderia uma das piores noites da minha vida. Alem disso, se caísse uma tempestade eu estaria perdido naquele lugar.
Apesar de ter levado um pouco mais de comida considerando a possibilidade de um sexto dia, senti um certo fracasso por não conseguir concluir no tempo pré-determinado, e o pior, havia falado aos meu familiares que terminaria aquele dia, logo, geraria preocupação. Porém, analisando bem o paredão a esquerda, notei que havia uma pequena rampa com inclinação de uns 60o, e curiosamente, haviam raízes convenientemente expostas, o que sugeria uma saída. Inconformado com a situação, resolvi dar uma ultima investida a procura de um lugar melhor para montar a barraca.
Peguei a minha lanterna, que estava com pilha fraca, e subi sem mochila. Ao chegar à mata, notei que existia sim uma trilha, segui a trilha por uns 5 mim e já cheguei em uma clareira, minha noite estava salva, logo pensei, mas em seguida notei que aquilo não era uma clareira, era uma antiga estrada, tomada pelo mato. Nesse momento a emoção foi grande, saí do amargo fracasso para o sucesso iminente, o ânimo e as energias voltaram e eu tinha certeza que concluiria no dia corrente. Mais do que depressa peguei a mochila e voltei a estrada. Subindo, a estrada se trifurcou umas duas vezes, peguei alguns caminhos errados até perceber que a saída era a menos intuitiva, tinha que subir na direção contrária a da cidade. As 18:10 cheguei numa casinha abandonada no topo do morro, ao lado tinha uma torre de telefone e em frente a estrada principal. Desci pela estrada, e enfim, as 19h, estava na praça de Alto Caparaó comemorando o sucesso da empreitada.
Antonio Junior
Fotos: http://antoniojunio.multiply.com/photos/album/10/10