A estrada foi se afunilando enquanto o dulmush adentrava o vale. Havíamos deixado a cidade de Trabzon e a escuridão do Mar Negro naquela manhã. A bruma engolia as encostas verdes dos Alpes Ponticos, e quando se dissipou, avistamos a porta de entrada do Monte Kaçkar, a vila de Yukari Kavrun.
Para chegar ao cume havíamos optado pela rota Trans-Kaçkar, que parte de Yukari Kavrun (2.300 m), no lado norte da montanha, atravessando a cordilheira pelo passo Çaymakcur (3.232 m), e então seguindo até o acampamento-base, na face sul da montanha. No total seriam seis dias de caminhada.
A região do Kaçkar é habitada por povos de origem Caucasiana, sendo todos muçulmanos. Durante a caminhada atravessamos quatro vilarejos muito peculiares. Casas construídas de pedras sobrepostas, sem nenhuma argamassa ou de madeira, e algumas delas muito baixas. Com exceção de Ongular a maior entre elas onde o fácil acesso de veículos favoreceu um padrão mais moderno de habitações. Os moradores, na maioria, pastoreiam vacas e ovelhas e no final do verão se dedicam a roçar os campos de altitude para acumular pastagem suficiente durante o inverno. Esta prática é incrementada com a construção de currais fechados, de dois pavimentos, no inferior são abrigados os animais, no superior armazenado o pasto.
De Yukari Kavrun deveríamos seguir para Büyuk Deniz (lago Büyuk), nosso primeiro acampamento, mas uma má interpretação nas informações, e a dificuldade de se comunicar em turco, nos fizeram caminhar uma hora na direção errada. Corrigida o rumo chegamos ao acampamento com tempo apenas de montar a barraca e nos abrigarmos contra a tempestade de granizo que se abateu. Em quarenta minutos tudo ficou branco.
Com bom tempo iniciamos o segundo, e mais árduo, dia de marcha. Uma extenuante ascensão até o passo Çaymakcur, de lá avistamos o Kaçkar. Desse ponto segue-se o vale do Deresi até Ongular, passando antes por Döbe Yayla, uma das vilas mais rústicas. Havia três pessoas lá. Em Ongular, que fica localizada na confluência do rio Deresi e o Büiuk Çay, acampamos e tomamos um café na pequena mercearia local. Este é o melhor ponto de reabastecimento.
No terceiro dia subimos o vale do rio Büiuk Çay, novamente passando por outra vila de pedra. Após quatro horas de caminhada alcançamos Dilber Duzu (2.885 m), terraço no topo do vale usado como acampamento-base.
A temperatura caiu bastante naquela noite, e as 4:00 da manhã já nos preparávamos para a escalada ao Kaçkar. Do acampamento-base à rota se estende até o lago Golu, na parte mais alta do vale e de lá, quase que em linha reta rumo Norte, até a vertente final da montanha. Por todo tempo eram audíveis pequenas avalanches nas encostas ainda cobertas por gelo. O trecho final da escalada é o mais complicado devido à inclinação da vertente e a instabilidade do solo. Aliás, nenhum solo, caminha-se todo o tempo sobre blocos de pedras que se equilibram quase que por milagre uns sobre os outros. Nesta etapa, a rota praticamente desaparece, e é constante o ruído das pedras se movendo sob os pés.
As 11:00 da manhã alcançamos o cume. Algumas nuvens se aproximaram do Sudoeste, mas ainda assim tivemos um grande espetáculo. Iniciamos a descida e as 16:00 horas chegamos ao acampamento-base. Depois de mais uma noite fria e uma manhã preguiçosa, iniciamos o retorno para Ongular.
Nossa última noite nas montanhas da Turquia foi regada à truta, em um jantar na mercearia. A pequena mesquita anunciou o fim do dia com sua oração. E nós nos despedíamos do Monte Kaçkar.
Sobre a região
A região do Kaçkar oferece mais além do que uma aventura na montanha é uma oportunidade ímpar de vivenciar um rústico e ancestral estilo de vida. Ao contrário do que se possa pensar as pessoas são muito hospitaleiras e não existe nenhum mal-estar religioso (99,8% da população turca é muçulmana, na maioria sunita). Entretanto fotografá-las, especialmente as mulheres, que cobrem as cabeças com o véu, não é uma prática muito bem-vinda. Portanto ressalto a importância de se conhecer e respeitar os valores culturais de cada grupo.
Equipe:
Tiago Martins e Sari Treves.