Em 2019 cinco montanhistas brasileiros embarcaram rumo ao Paquistão para realizar o pouco conhecido Trekking ao Acampamento Base do K2. Apesar de ser uma das maiores montanhas do mundo, poucos se atrevem a realizar essa desafiadora caminhada até a sua base.
Confira o relato dessa aventura escrito por um dos participantes, Ricardo Cordeiro:
Além de saudável, andar é um procedimento bastante simples. Qualquer criança o aprende em torno de um ano de vida, antes mesmo falar mamãe ou papai. Este procedimento consiste de movimentos das pernas, repetidos e alternados ciclicamente, os quais chamamos passos, que resultam, em condições normais de aderência do solo, no deslocamento do corpo para a frente. Para andar basta dar o primeiro e o segundo passo, e seguir repetindo essa sequência indefinidamente. Simples assim.
Foi desse modo, andando por 90 km sobre um glaciar, que em 20 de junho de 2019 cheguei ao acampamento base do K2. Mas para bem contar essa história voltarei três semanas atrás… quando enfim consegui voar num Airbus 380-800, o maior avião comercial em atividade atualmente. É enorme. Pareceu-me bastante estável no ar. Mas apesar de ansiosamente esperado, não tenho muitas lembranças desse voo. Logo após o ”jantar” servido a bordo, tomei 2 mg de rohypnol, acomodei a cabeça num travesseiro e só acordei 12 horas depois, sobrevoando o Golfo Pérsico, já nos preparativos para o pouso em Dubai. Desci, esperei um pouco, tomei a conexão e quatro horas mais tarde finalmente estava em Islamabad, capital do Paquistão.
Era fim de junho, um calor dos infernos, ultrapassando os 40 graus. Islamabad é bem diferente de Kathmandu, a única capital asiática que conhecia até então. No longo trajeto do aeroporto ao hotel no centro, em relação à capital do Nepal, encontrei uma cidade mais vazia, mais limpa, com um trânsito bem menos caótico, com ruas e avenidas retas, largas e bem cuidadas. Depois soube que Islamabad foi planejada e construída para abrigar a capital do país nos anos 1960, igual foi Brasília.
No hotel encontrei os até então desconhecidos que compartilhariam comigo 180 km de maus caminhos sobre as geleiras do Glaciar Baltoro: Arlete, Arlindo, Augusto e Bernardo, todos brasileiros. Encontrei também um velho conhecido: MS, argentino, que foi nosso guia durante todo o trekking.
Nosso plano era partir dali e após três semanas chegar ao acampamento base da chamada Montanha Selvagem: K2, a segunda mais alta elevação do planeta. A primeira grande dificuldade dessa empreita já havia sido superada. Por incrível que pareça, um dos grandes obstáculos da expedição foi conseguir o visto de entrada no Paquistão, e em seguida obter a permissão para o trekking até o K2. O Paquistão aparece frequentemente ocupando os primeiros lugares em listas de países que mais dificuldade impõem para emissão de visto para turistas. Aliás, o meu entendimento é que o governo paquistanês não quer turistas no país. Esse processo foi longo, penoso, tão chato e difícil que simplesmente não vou descreve-lo aqui. Quero esquecê-lo.
A segunda grande dificuldade foi: no meio do caminho tem a Caxemira (Kashmir). Originalmente era um vale ao sul do extremo ocidental dos Himalaias. Tecnicamente, é o início da Cordilheira do Himalaia no sentido ocidente -> oriente. Atualmente, a Caxemira é uma área muito maior, sem fronteiras claramente definidas, que engloba a Cordilheira Caracórum (Karakoram Range, extensão do Himalaia), disputada palmo a palmo por três potências nucleares – Paquistão, Índia e China – desde meados do século XX. E para complicar um pouco, além de ser uma região com forte presença do Taliban, existe um movimento separatista querendo transformar a Caxemira em uma república islâmica autônoma. Em fevereiro de 2019, enquanto me organizava para a expedição, a tensão Paquistão/Índia por causa dessa disputa subiu às alturas, com a Índia deslocando meio milhão de soldados para região sob seu controle e o Paquistão fazendo o mesmo do outro lado. Para chegar ao K2 partindo de Islamabad há que se cruzar de sudoeste a nordeste toda a Caxemira, passando por Abbottabad (cidade onde foi morto Bin Laden), até a fronteira com a China. O governo paquistanês não permite que estrangeiros andem desacompanhados de oficiais do exército na Caxemira, inclusive na base do K2. Durante 100% do nosso trek (ou quase) andamos com um oficial paquistanês treinado nas montanhas da região com a função de um agente de ligação (liaison officer) entre nós e o exército paquistanês. O sujeito, apesar de tenente, era mesmo boa praça. Ficamos amigos trocando conversas dia após dia pelos caminhos gelados que percorremos. Na região de Abbottabad ao longo de dezenas de quilômetros fomos escoltados por um veículo militar com soldados ostentando seus icônicos AK-47. Durante o trek, mesmo nas regiões mais remotas da Karakoram, a cada 10 km mais ou menos cruzávamos com soldados paquistaneses em patrulha, que invariavelmente conversavam em urdu com nosso oficial de ligação, checavam nossos papeis e nos liberavam para prosseguir. Como diz o MS, se tem um lugar que não é Nutella, esse lugar é a Caxemira.
Certa vez, há apenas dois dias do acampamento base, eu andava sozinho. Foi um dia longo e difícil. Ventava e nevava muito, e acabamos nos espaçando mais do que o prudente uns dos outros. Estava um pouco inseguro quanto ao trajeto, até que vi um acampamento militar com três barracas e alguns latões de combustível por perto. Um soldado me avistou e veio em minha direção, com seu inseparável fuzil apontado para mim. Pensei que algo ruim iria acontecer. Estava só, sem nosso oficial de ligação, ou seja, eu era um estrangeiro, infringindo a lei, numa zona militar instável do Paquistão. Tentando aparentar calma e tranquilidade, perguntei se estava no rumo certo para Concordia (nosso próximo acampamento), o que, de fato, queria saber. E não é que o milico foi super gente boa! Não me pediu nenhum documento, falou que em duas horas estaria em Concordia, e me deu orientações sobre como chegar. Ele deve ter percebido que eu tinha muita sede. Tirou uma garrafa enorme com água de sua mochila e me deu para levar comigo. Logo em seguida chegaram mais dois soldados. Sorridentes, perguntaram de onde eu era. Disseram para quando voltar ao Brasil, falar que o Paquistão é um lugar de paz. Ufa!
Depois que entramos pelo Glaciar Baltoro, os soldados vestiam branco, o que me chamava muito a atenção. Não visualmente, mas pelo inusitado. Montanhistas precisam ser vistos. Por isso as roupas, acessórios, barracas são quase sempre vermelhas, amarelo ouro, laranja. Mas parece que soldados não gostam muito de aparecer. Na selva usam verde. No deserto, cores areia. E por aqui só usavam branco. Roupas brancas, capacetes brancos, luvas brancas, barracas brancas, tudo era branco. Apenas as pesadas metralhadoras e os fuzis destoavam. Sinto muito não ter tido permissão para tirar sequer uma foto deles. Por mais que xavecasse o oficial de ligação para interceder junto a uma guarnição, não consegui nada. Só na memória tenho as imagens desses soldados. Chegam de helicóptero com pouca comida, muito armamento e um rádio para se comunicarem. Ficam dois meses andando para lá e para cá não sei exatamente vigiando o que, para depois serem substituídos por outro grupo que vem fazer as mesmas coisas.
Por fim, a terceira grande dificuldade foi andar 182 km pela Cordilheira Caracórum, dos quais 120 km sobre o Glaciar Baltoro, longe de qualquer assentamento humano, caminho obrigatório para chegar ao K2 pelo lado paquistanês.
A viagem pelo interior do Paquistão
A caminhada começou, de fato, em Askole, um vilarejo com não mais que 50 casas, no coração da Caxemira. É conhecido como o mais alto e remoto assentamento humano no Paquistão, porta de entrada para quatro das 14 montanhas com mais de 8 mil metros de altura no planeta, entre elas o K2. Os primeiros colonizadores ingleses chamavam esse povoado de last settlement on the Indian subcontinent. Mar para poder começar a andar tive que fazer um percurso de 686 km entre Islamabad e Askole em três longos dias rodados num jipe Toyota velho, tipo bandeirantes, pela porção inicial (ou final, dependendo do sentido) da celebrada Karakoram Highway.
Este foi um momento mágico e ansiosamente aguardado. Secretamente, no fundo de uma porção escura e pantanosa da minha mente, cheguei a questionar se o meu verdadeiro objetivo nessa viagem não seria trafegar esse trecho. Tenho enorme fascínio por rodar em estradas longas, penosas e remotas. Conforme já comentei em um post anterior, percorri de cabo a rabo algumas das mais icônicas rodovias das Américas: Alaska Highway, Ruta Panamericana, U.S. Route 66, Rodovia Transamazônica, BR-319, Carretera de la Muerte, Ruta 40, Carretera Austral. Agora, chegou a vez da tão aguardada Karakoram Highway.
Esta rodovia liga a cidade chinesa de Kashgar a Islamabad através de 1300 km de um caminho que mistura trechos asfaltados com outros de cascalho e terra, atravessando cordilheiras, vales, rios e lagos. Em alguns trechos ela se sobrepõe ao ramo da Rota da Seda que por séculos serviu de caminho para caravanas carregadas de mercadorias transitarem entre o platô tibetano e o Oceano Índico. Na construção da rodovia, 1958 a 1978, mais de mil trabalhadores morreram vítimas de quedas, avalanches e soterramentos. Este é o caminho pavimentado mais alto da Terra, chegando a atingir 4.693 metros de altura no Passo Khunjerab, fronteira sino-paquistanesa. A Karakoram Highway tem uma beleza selvagem e desconcertante. Atravessa uma cordilheira saturada de picos nevados com 6, 7, 8 mil metros de altitude. Uma verdadeira overdose de montanha! Quanto mais longe de Islamabad, mais estreita e sinuosa ela fica. Há trechos onde só passa um veículo por vez. Se vem algo no sentido contrário, tem que negociar quem passa e quem espera. O cenário é de deserto alto, com picos nevados lá em cima e vilarejos muçulmanos cá em baixo, repletos de um comércio miúdo de panelas, parafusos, frutas, verduras, animais vivos e mortos, tecidos, sandálias, barbearias, mesquitas, postos de gasolina, escolas de meninos, etc. Não tem mulheres nas ruas. Me parece (não sou especialista nesse assunto) que elas ficam em casa, ou em trabalhos na lavoura. A certa altura, coloquei a cabeça para fora do jipe para contemplar o Monte Nanga Parbat, uma das cinco “8 mil” do Paquistão. Não pude me esquivar da lembrança dos 11 montanhistas que foram fuzilados enquanto dormiam no seu campo base, em 2013. No dia seguinte ao massacre, o Taliban assumia a responsabilidade pelas mortes, e seu porta voz dizia: Through this killing we gave a message to international community to ask U.S. to stop drone strikes. (Parece que o apelo não foi ouvido.) Sim, eu estava na Caxemira.
Saímos de Islamabad às 6 da manhã e paramos para dormir às 22 horas, 391 quilômetros adiante, em Chilas: uma vila que na última contagem populacional tinha 1.770 habitantes. Na manhã seguinte seguimos ainda na Karakoram Highway por mais 90 quilômetros até deixarmos a estrada por uma bifurcação à direita. Demonstrando que por pior que o caminho seja ele sempre pode piorar ainda mais, pegamos a S1 Strategic Highway rumo a Skardu.
O que era medonho tornou-se tenebroso. O caminho ficou ainda mais sinuoso e extremamente acidentado. Por 170 quilômetros a margem esquerda do estreito leito da rodovia de cascalho era formada por uma sucessão de paredões instáveis sujeitos a deslizamentos de terra e rochas a qualquer momento. À direita, a pista terminava sem nenhuma proteção. As rodas da direita do jipe passavam a um palmo de enormes desfiladeiros de centenas de metros onde lá em baixo corria o Rio Indo. [Piada pronta: alguém falou “espero que depois do K2 encontremos o Rio Voltando.”] Esse é o rio mais importante do país. Nasce nas geleiras do Tibete, corta toda a Caxemira e corre rumo sudoeste para o Oceano Índico. No começo da noite, chegamos emocionalmente destruídos a Skardu, uma cidade grande para a região. Esse é um centro comercial local, sede do Distrito de Skardu. Deu para comer um churrasquinho de galinha legal no jantar.
No dia seguinte partimos para o último trecho “rodoviário” da balada. E mais uma vez a história se repetiu. O que era tenebroso tornou-se aterrador. Gastei acima meu repertório de adjetivos qualificativos da sensação de medo, de modo que tudo o que eventualmente escrever agora não descreverá com fidelidade o pânico que sentia dentro daquele jipe. Rumamos para Askole, porta de entrada do trek.
O caminho era tão acidentado como o do dia anterior. Só que chovia muuiittoo, o tempo todo. Água e lama escorriam pela encosta à esquerda, atravessavam o caminho e caiam feito cachoeira pelos precipícios à direita, em direção ao Rio Indo. Nesse cenário correu meu jipinho bandeirantes. Chegamos com chuva forte no final da tarde. O motorista era muito habilidoso. Seleção natural. No dia seguinte veio a notícia que um jipe que saiu de Askole duas horas depois de nós caiu precipício abaixo com 4 passageiros, todos mortos. Também soubemos que o caminho foi obstruído por vários dias por conta de um deslizamento de terra num trecho por onde havíamos passado algumas horas antes. Sim, estava na Caxemira.
Armamos acampamento debaixo de chuva. Choveu a noite toda, inclusive dentro da barraca. Meu saco de dormir molhou na cabeça e nos pés, nada muito grave. Amanheceu chovendo. Resolvemos esperar mais um dia ao invés de sairmos para o trekking como planejado. O caminho estava muito instável, com deslizamentos e pedras rolando nos primeiros quilômetros da trilha. À noite a chuva parou e o dia amanheceu nublado, porém estável. Finalmente começamos a andar!
O início da caminhada
De Askole (3.000 m) em diante não havia nenhum povoado de apoio. Contávamos com carregadores (porters), moradores de Askole em sua maioria, que transportavam para nós alimento e barracas. No primeiro dia de trekking andamos 20 km, metade debaixo de uma chuva fina, até chegar ao acampamento de Jhula Nala (3.159 m) 8 horas depois. No terço final do percurso tivemos que cruzar transversalmente o Glaciar Biafo em sua ponta sudeste, um tormento de gelo e rocha dois quilômetros largo que consumiu três horas de caminhada.
No dia seguinte, outras 8 horas foram gastas caminhando mais 20 km até o acampamento de Paiju (3.600 m), onde passamos um dia e meio parados para descansar e, principalmente, ajudar nossa aclimatação.
De lá montamos no Glaciar Baltoro e percorremos longitudinalmente todos seus 60 km de extensão em três dias extenuantes. O Baltoro é um rio de rocha e gelo caoticamente misturados. Dormimos nos acampamentos de Urdukas (4.011 m), Gore 2 (4.273 m) e Concordia (4.600 m). Para quem gosta de estar rodeado por montanhas, esse caminho é um ESPETÁCULO INESQUECÍVEL, onde os riachos formados pelo degelo, as rochas rolando moraina abaixo e o estalar do imenso glaciar acomodando seus blocos de gelo não nos deixam esquecer que o solo está vivo e em constante transformação. Possivelmente, esses foram os 60 km mais incríveis que percorri na vida. E a beleza vai num crescente brutal. No primeiro dia sobre o glaciar surgem as majestosas Trango Towers (galeria abaixo), formações pontiagudas de granito com mais de 6 mil metros de altitude.
No segundo dia começam a ser avistados aqui e acolá (galeria abaixo) os vários Gasherbrums, o Broad Peak, o K1. Esse último, conhecido há séculos pelos povos locais como Masherbrum, uma montanha altamente técnica e pouquíssimas vezes escalada, foi a primeira alta montanha (7,891 m) catalogada pelos ingleses na Karakoram Range, daí o nome K1 (advinha qual foi a segunda…).
E no terceiro dia chega-se, no final do Glaciar Baltoro, ao clímax de toda essa caminhada, um lugar absolutamente ímpar na Terra, um dos mais espetaculares acampamentos de alta montanha existentes: Concordia. Esta é uma confluência do Baltoro com mais outros três glaciares formando um gigantesco e desmesurado anfiteatro, um verdadeiro museu a céu aberto de contornos, linhas e formas. Num raio de 15 quilômetros de Concordia há 41 picos nevados acima de 6.500 m, metade deles sem nome e ainda não escalados. Entre esses, quase ao alcance das mãos estão quatro das mais altas montanhas do planeta: K2, Broad Peak e os Gasherbrums I e II.
Nevava muito, muito mesmo, quando chegamos a Concordia. Ficamos ali dois dias extasiados com a paisagem. Montanhas são simplesmente acúmulos de rocha, areia e gelo. Mas o acaso produziu aqui um conjunto de formas que o melhor dos arquitetos não conceberia.
Rumo a base do K2
No terceiro dia em Concordia saímos às 5 horas rumo ao acampamento base do K2. O sol não havia nascido ainda, mas já era dia no início da caminhada. Deixamos Concordia subindo uma inclinação nevada rumo norte, que dava acesso ao Glaciar Godwin-Austen. Ao seu final, 12 quilômetros à frente, estava a base do K2, 5.050 m acima do nível do mar.
Quanto mais andávamos, mais a montanha se agigantava à nossa frente. Às 8 da manhã estávamos no campo base do Broad Peak, a tempo de tomar café com uma garota com menos de 30 anos, que algumas semanas depois se tornaria a primeira alemã a atingir o cume do K2, sem oxigênio complementar e autônoma, e agora se prepara para cruzar a Antártica sozinha e à pé. Deixamos a garota para trás e ao meio-dia chegamos ao K2 Base Camp. Emocionalmente, foi o clímax de toda essa viagem. Finalmente, depois de tanto planejamento e esforço, estava aos pés da Montanha Selvagem, um dos lugares mais celebrados do montanhismo mundial. Mas não posso deixar de dizer que esse foi o pior lugar para se avistar a montanha dos últimos dias.
A volta para Concordia foi tensa. A neve ficou muito fofa devido ao sol desde as primeiras horas da manhã. De rotina, as pernas afundavam até o joelho na neve, enquanto caminhávamos de volta. Às vezes até o meio da coxa. Foi muito cansativo. Para complicar, no meio da tarde o tempo fechou, começou a nevar e ventar muito e num dado momento, sem perceber, dei alguns passos sobre um pequeno lago que tinha sua superfície congelada e camuflada pela neve.
Claro que a cobertura quebrou e afundei até quase a cintura na água gelada. Nessa hora o MS falou: ande o mais rápido que puder enquanto consegue sentir as pernas. Foi o que fiz. Uma hora depois estava em Concordia. Para brindar, tomei um drink que improvisei com o que havia à mão: Karacointreau, delicioso mix de álcool gel e Tang, servido com cubinhos de um secular gelo glacial. Quem disse que não tem bebida no Paquistão?
Os próximos seis dias foram de retorno para Skardu, exceto para o MS que ficou em Concordia e semanas mais tarde chegou ao cume do K2. Meus companheiros voltaram para o Brasil de Skardu. Eu ainda não sentia que era hora de voltar. Convenci um velho senhor morador local a me levar num jipe por um parque sensacional ali da região: Deosai Nartional Park . É um enorme platô a mais de 4 mil metros de altitude. Segundo um folheto local, é o second highest plateau of the world, cheio de himalayan brown bears, himalayan ibexes, snow lepards, red foxes e himalyan golden foxes. Não vi nenhum deles. Mas acredito que estavam por lá. Apenas encontrei centenas de himalayan marmots, que não estavam no folheto, e são uns bichos muito parecidos com os prairie dogs do oeste estadunidense. Meu guia era uma figura ímpar. Paquistanês. Não sei por que, estava numa vibe minimalista. Falava comigo apenas três palavras, em inglês: go, stop e toilet. Passamos três dias andando pelo parque e nos comunicando por meio do olhar e dessas três palavras. Era tudo o que precisávamos. Ele tinha um toca fitas doutrinário no jipe que tocava o tempo todo.
Findo o circuito no Parque, não tive palavras para agradecer. Uma lágrima nos olhos e um forte abraço disseram tudo. Voltei para Islamabad e no mesmo dia tomei o Airbus de volta para Guarulhos.
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1 comentário
Eita, Ricardo. Que sensacional! Você não chegou a ir até ao cume do K2?