Vulcão Sairecabur! Felicitaciones…

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Consegui parceiro pra dividir o custo do guia pra um novo ataque, o vulcão Sairecabur, com seus 6.046 msnm, bem atrás do Licancabur, e isso foi o incentivo que eu precisava.


O parceiro era um Holandês chamado Jan de 65 anos de idade, que escala nos Alpes há cerca de 15 anos. Mesmo tendo bastante experiência, seria uma novidade pra ele estar acima de 4.800 metros, felizmente pra mim não. Mas esse se tornaria meu primeiro seis mil!

Para minha surpresa, na última hora apareceu um brasileiro querendo subir a montanha no final do dia anterior, eu não sabia e só fiquei sabendo na hora que o guia me pegou de carro no albergue.

Saímos ás 07h00minh e chegamos ao ponto de início da caminhada, a 4.900 msnm exatamente as oito. Começamos a caminhar lentamente…

Jan era engenheiro e acabou de se aposentar, por isso aproveita o tempo viajando. O Santos (Mala) é médico de Santa Catarina, de 32 anos de idade, médico de emergência exercendo há alguns anos já a profissão.

Sem muitos problemas, subindo pela estrada mesmo, chegamos a uma dependência norte americana de imagem de satélite e observação astronômica, a 5.500 msnm. Estava um frio bom de -3 graus Celsius, bebemos mais um chá de coca, descansamos cinco minutos e partimos montanha acima…

A subida inicial é muito íngreme, cerca de 45 graus, sem medo de errar, e tinha muita neve. Em alguns pontos a neve chegava aos joelhos e isso dificultou muito nosso trabalho…

O mala nunca escalou na vida, estava muito acima do peso e como esperávamos, a 5.800 metros ele disse “vou descer”. Eu já estava preocupado com ele há bastante tempo, porque ele demonstrava desde cedo estar sendo derrotado pelo frio e pela altitude, então perguntei “quer que eu te leve ate o carro?”, ele disse que não. Perguntei novamente se ele tinha certeza e ele confirmou. Então virou as costas e desceu, e eu continuei minha investida.

Nesse ponto cruzamos com outro grupo meio que perdido de cinco pessoas, dois chilenos (pai de 52 anos e filho de 16) e três argentinos de 32 e 40 anos de idade, não me lembro os nomes nem a idade do último.

Eles não contrataram nenhum guia, só uma carona ate o pé da montanha. Estavam sem saber o rumo que tomar para o cume verdadeiro e muito expostos ao frio por estarem praticamente parados…

Por isso que eu sempre digo, eu não tenho GPS, não conheço a montanha, não acho que deixa de ser montanhismo contratar um guia que conheça o local. Isso se chama prudência, e assim não coloco minha vida em risco nem a dos outros.

Assim sendo, nos tornamos um grupo maior de 8 pessoas a tentar o cume do vulcão. Seguimos em frente, quero dizer, acima!

Nossa, que subida difícil, muito mesmo. O guia (Felipe) disse que o Sairecabur é muito mais exigente em preparo físico e psicológico do que a maioria das outras montanhas do Atacama, até mesmo do que o Lullailaco (mais de 6700m), porque ele tem uma trilha que leva ate o cume sem esforço (o guia já foi nele quatro vezes, e fez o cume duas vezes), basta uma boa aclimatação de uns 4 dias.

O Sairecabur não tem trilha e são muitas rochas vulcânicas grandes o suficiente pra esmagar um ser humano como papel se descer montanha abaixo. E o frio, nossa… que montanha fria! Na reta final pro cume a inclinação chega a uns 55 graus só de rochas, sem neve… menos arriscado de escorregar… Toco? Moleza… Lascar que eu disse que tinha os últimos 92 metros difíceis? Fichinha perto do Sairecabur…

Foi uma provação, usei toda minha concentração, todo meu raciocínio, todo o meu preparo nos dias anteriores e pude contar com a minha boa aclimatação, pois do jeito que eu estava exigindo do meu próprio corpo, uma dorzinha de cabeça qualquer e eu acho que retornaria. Foi absurdo… Mais de 1.100 metros de desnível em 6 horas.

Enfim, apos toda essa provação, esforço extremo e encarando o frio de -6 graus na subida final, chegamos ao cume!!! Muitas Felicitaciones, e nada pude fazer além de sentar e chorar, e as lágrimas nem tiveram muito tempo de descer molhando meu rosto, congelaram em alguns segundos.

Fiquei sensacionalmente emocionado e agradecido para com meu corpo por não ter me deixado na Mao. Pensei em muitas coisas, na minha mãe, na Lili, na incrível conquista que acabara de fazer. Digo que é incrível porque minha experiência de montanhista é curta, apenas 2 anos e 2 meses, com metade disso de prática efetiva, e mesmo sem treinamento (fora é claro subir e descer pro meu trabalho de escadas, eu trabalho no 12 andar) consegui. Foi sensacional…

O guia, Felipe, me abraçou muito feliz e me disse “Cara, achei que você não iria conseguir, mas você me surpreendeu!”, depois completou, “três montanhas: duas com mais de 5500 metros e 1 com mais de 6000 em apenas seis dias, nunca vi um brasileiro fazer isso!”

Foi engraçado, acho que ele estava tão feliz quanto eu! Uns dez minutos depois chegou o grupo de cinco amigos que nos seguia ate o cume, mais felicitaciones, todos completamente exauridos, mas muito felizes! Foi muito legal, tiramos varias fotos todos juntos…

Mas não acaba por ai, isso foi só 50% do trabalho! Tínhamos muito a fazer na descida e a temperatura começava a cair, e tinha uma ameaça de nevasca… Viramos as costas e tomamos nosso rumo.

Após 100 metros de descida eu estava muito cansado, exausto, mas respondendo bem… e minhas pernas também respondiam ao meu comando, mas em câmera lenta… Jan sofreu uma queda de costas, mas por sorte não sofreu nada alem de alguns hematomas.

Felipe ficou muito preocupado porque a temperatura estava caindo rapidamente. O frio era demais e estávamos todos congelando. Quando ele disse isso e parei pra pensar e percebi que não sentia meu nariz e as pontas dos dedos das mãos. PERIGO!

Meus dedos e meu nariz estavam literalmente congelando, pois eu usava só um dos meus 3 pares de luvas (de x-thermo) e não tinha nenhuma proteção no rosto. Quando peguei a ponta do meu nariz, ele estava duro! Pensei “Já era, vou perder meu nariz e vou ganhar apelido de pigboy”. Imediatamente parei o grupo de cinco amigos e perguntei se alguém tinha uma balaclava porque deixei a minha no albergue. Por sorte um deles tinha e me emprestou, coloquei e voltei a descer, parando pra massagear meu nariz de dois em dois minutos, torcendo do fundo do coração para que a circulação retornasse…

Também coloquei, na mesma hora, meu segundo par de luvas, mais grossas, pra aquecer mais as mãos. Nessa hora, quando olhei pro relógio que estava pendurado na mochila, a temperatura efetiva era de -12 graus Celsius.

Uma enorme nuvem veio e escondeu o sol, mais problemas. Sol encoberto e nuvens… a sensação térmica deveria ser nessa hora de uns -20 graus Celsius… Felipe, o guia, gritava “vamos mais depressa ou vamos congelar na montanha!!!” e apertávamos o passo.

Quando descemos toda a escalaminhada até algo em torno de 5.700 metros, chegamos ao ponto onde eu disse que havia neve até os joelhos, perfeito para uma descida rápida de “esquibunda”. Foi o que fizemos! Esquibunda montanha abaixo, usando meu bastão como freio as vezes.

Assim, em apenas cinco minutos, descemos 150 metros de desnível. Mas um pouco e logo estávamos na estrada novamente. Mas não acabara, precisávamos chegar ate o carro…

Estrada na frente, ventos congelantes, La fomos nós… No meio do caminho olhamos para trás e percebemos que os cinco amigos não fizeram o esquibunda, talvez por medo, e estavam descendo a montanha muito lentamente. Ficamos preocupados, apressamos o passo e chegamos até o carro, entramos, nos aquecemos e em cinco minutos estávamos subindo a estrada de carro para o que poderia, possivelmente, se transformar em um resgate.

Felizmente, quando chegamos lá em cima na cratera do vulcão onde fica o maquinário norte americano, pudemos vê-los chegando à estrada. Todos com muito frio, tremendo, mas felizes. Que alivio…

Viemos embora. O Mala tinha fortes dores de cabeça, pois nunca havia enfrentado altitude, por isso ficava calado o tempo todo. Eu, o guia e Jan só riamos e fazíamos piada, felizes com a conquista e o retorno em segurança.

Felizmente meu nariz se recuperou, e nenhuma complicação aparente! Fomos todos juntos a um restaurante, onde um dos chilenos (o pai, de 52 anos que se chama Luis) nos pagou um jantar comemorativo. Comi sopa de mariscos e conchas. Maravilhosa e foi boa para repor alguma energia!

Despedimos-nos e eu voltei pro albergue, cansado, mas realizado. Hoje já estou como novo, mas não faço mais investidas em San Pedro. Meu sonho do Licancabur fica pra próxima visita a cidade, talvez com meu parceiro Edson. Infelizmente não consegui ninguém pra dividir o custo do guia, e ontem exigi demais de mim mesmo pra fazer a investida ao vulcão. Sonho adiado… Mas, tive a chance de fotografá-lo bem ao lado, mais de 100 metros mais alto do que .

Deixo a cidade no dia 13 para Arica, cidade que já conheço. De lá pego outro ônibus para La Paz, onde um amigo que fiz em Salta (um israelense) me espera para escalarmos junto outras montanhas!

Vulcão Sairecabur, extinto.
100 km de San Pedro de Atacama
6.046 msnm
Temperatura no cume sem vento: -6 graus, Descida, temperatura real: -12 graus Celsius, com vento na descida: cerca de -20 graus Celsius de sensação térmica, talvez mais frio, não sei.

17.242 metros concluídos do projeto, felicidade pura!

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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