X-Alps: confira o dia a dia da equipe de apoio dos atletas na prova mais difícil de Hike and Fly do mundo

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Na última edição do X-Alps, realizada entre 15/06 e 27/06, Gabriel Jansen surpreendeu até mesmo os melhores competidores com seu desempenho na prova mais difícil de Hike and Fly do mundo. Infelizmente, ele precisou deixar a competição antes do fim após sofrer uma torção no pé, mas ainda assim representou o Brasil nessa competição épica.

No entanto, não é apenas o atleta que precisa fazer um esforço sobre-humano nesse tipo de desafio. Todos os competidores contam com uma equipe de apoio que, apesar de não voar, precisa correr muito para garantir um bom desempenho e a segurança do atleta.

Hora da alimentação durante a prova. Foto: Catiane Kugelmeier

A equipe do brasileiro Gabriel Jansen foi composta por Catiane Kugelmeier, Ericson Beck, Ben Hodgson e Bethan Gay. Eles eram responsáveis por acompanhar e cuidar da logística, alimentação, hidratação, segurança e navegação, além de oferecer o suporte emocional indispensável durante a prova.

Equipe de apoio de Gabriel, os chamados Supporters Foto: Murilo Vargas.

Parte da equipe com Gabriel. Foto: Catiane Kugelmeier

E com essa missão, todos viveram intensamente o X-Alps, com tudo que essa competição épica tem a oferecer: noites mal dormidas, muitas horas ao volante, pouco conforto, pressão constante, logística complexa, momentos de cansaço extremo, imprevistos e muita adrenalina.

“O supporter deve estar sempre um passo à frente, prevendo o que o atleta irá enfrentar — antes mesmo que ele perceba, mas sem poder carregar o atleta ou interferir diretamente no voo ou deslocamento”, contou Catiane, parceira de treino e de vida de Gabriel.

Praticante de Hike and Fly desde 2021, Catiane atua como supporter do namorado em diversas provas. Juntos, acumulam inúmeros desafios em seus currículos, e para ela, o X-Alps só foi possível graças ao trabalho em equipe. “É um trabalho bastante desafiador, mas administrável quando compartilhado com outras pessoas”, revelou.

Catiane comparou a experiência que teve na Transcapixaba, prova realizada no Brasil, onde desempenhou sozinha a função de supporter e enfrentou desafios que iam desde a falta de internet até um carro quebrado no penúltimo dia, com o X-Alps, onde além dela havia uma equipe completa para auxiliar Gabriel.

Durante os dias de prova, Catiane ficou responsável pela alimentação e nutrição da equipe, organização da van, apoio em solo e captação de imagens. Além disso, organizava os banhos e das roupas que Gabriel usaria no dia seguinte. Ericson era responsável pela condução da van, apoio logístico e estratégias. Ben cuidava da comunicação com Gabriel e da coleta de informações cruciais para a prova. Já Bethan dirigia a van de Ben.

Definindo estratégias em conjunto. Foto: Murilo Vargas.

“Durante o dia, eu estava constantemente em comunicação com o Gabe, no carro, no computador, observando o vento ao vivo, com outros atletas, observando as rotas. Eu apenas o alimentava com o máximo de informações possível para ajudá-lo a tomar decisões”, contou Ben em entrevista à Red Bull X-Alps. Ele também ressaltou a importância de uma equipe em sintonia. “Sem eles, teria sido impossível. Sozinho, teria sido um desastre”, admitiu.

“Éramos sempre os primeiros a acordar e os últimos a dormir. Dormíamos cerca de 4 a 5 horas por noite. Fazíamos um café da manhã reforçado e um jantar, e durante o dia sobrevivíamos com pequenos lanches, quase sempre com a van em movimento. Os banhos não eram diários e aconteciam em intervalos curtos entre paradas, e muitas vezes em rios gelados”, descreveu Catiane.

Desafio mental e físico

Durante a prova, a equipe enfrentou desafios de toda ordem: logísticos, climáticos e físicos. Catiane lembrou que, já no primeiro dia, o grupo foi surpreendido por uma tempestade ao encontrar Gabriel em um dos turnpoints e precisou se abrigar em uma caverna. “O tempo mudou completamente, quase tivemos hipotermia, e fomos salvos por uma manta térmica que eu carregava na mochila. Quando saímos da caverna, o cenário estava irreconhecível: coberto por pedras de gelo e com rios no lugar da trilha. Naquele momento, pensei: ‘PQP, é isso que é o Red Bull X-Alps? E ainda temos mais 11 dias pela frente!’”.

Catiane de olho no céu e nas montanhas. Foto: Catiane Kugelmeier

Ela contou ainda que a equipe chegou à van completamente encharcada, suja, com fome e muito frio. “Foi uma noite difícil, secar roupas e equipamentos de quatro pessoas em apenas 12 m² não é nada fácil. Naquele dia, deitamos perto da meia-noite e já precisávamos levantar às 2h30 da manhã seguinte”, detalhou.

Ben relatou outro momento tenso, no segundo dia de prova, quando Gabriel decolou antes do esperado e voou até Merano sem o kit de via ferrata. “Tivemos que ligar para todos tentando achar alguém que emprestasse o equipamento. Se você esquece algo essencial, pode arruinar a corrida inteira”, revelou.

Equipe correndo junto com o atleta. Foto: Murilo Vargas.

A equipe de apoio também escalou para encontrar Gabriel. Foto: Murilo Vargas.

Durante toda a competição, eles também precisaram lidar com a escassez de água. Um problema no reservatório da van fez com que a equipe tivesse de administrar um único galão de 20 litros para hidratação, preparo de alimentos, lavagem de louça, higiene pessoal e banho do atleta. “Abastecíamos o galão sempre que encontrávamos uma fonte no caminho, mas nem sempre isso era possível, tornando cada decisão sobre água e recursos essencial e cheia de tensão”, contou Catiane.

Em uma prova que exigiu decisões rápidas desde o primeiro dia, ambos citaram o esgotamento físico e mental como um dos maiores desafios. “Acordávamos por volta das duas da manhã, todos os dias. Era uma pressão constante. O desafio era tanto mental quanto físico”, recordou Ben ao Red Bull X-Alps. “Acho que o maior aprendizado foi que mente fraca não carrega corpo forte. Para encarar uma prova como o Red Bull X-Alps, não basta estar fisicamente preparado — a resistência mental é tão ou mais importante”, declarou Catiane.

Assistindo as decolagens. Foto: Murilo Vargas.

Parar quando se quer ir além

Mesmo diante de tantos desafios, a equipe se manteve firme em seu propósito. Porém, Gabriel acabou se lesionando e precisou deixar a prova. Catiane contou que custou a acreditar na notícia. Ela seguiu até o local onde ele estava, ainda com esperança de que não fosse nada grave. “Foi difícil aceitar. Era um sonho enorme, resultado de meses de preparação e dedicação. Doeu ter que parar quando a vontade era seguir até o fim, e é inevitável não pensar em tudo que poderia ter sido”, revelou.

Após a retirada de Gabriel da competição, o grupo pôde, enfim, descansar. “Fomos todos para um acampamento e viramos zumbis por dois dias”, contou Ben.

“Há momentos da jornada que ninguém mostra. Não estão nos releases, não cabem em um story rápido e, muitas vezes, nem aparecem quando a gente conversa sobre a prova depois. Mas é nessa parte silenciosa que o verdadeiro voo acontece — entre corridas, noites mal dormidas, logística complicada e momentos de cansaço extremo. É lá que se revela a força, a resiliência e a capacidade de rir mesmo quando tudo parece pesado. Essa é, muitas vezes, a parte mais intensa e transformadora de todas”, resumiu Catiane.

Catiane também fez questão de agradecer a todos que apoiaram e torceram pela equipe brasileira. “Um agradecimento especial a todos que nos acompanharam e torceram por nós. Vocês são, sem dúvida, a melhor torcida do mundo! E em 2027 voltaremos ainda mais fortes, com a mesma paixão, coragem e alegria de sempre”, finalizou.

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Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

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