Xenônio no Everest: por bem ou por mal, a nova era começa nesta primavera

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A temporada de primavera de 2025 marcará uma virada histórica — e polêmica — no montanhismo de grandes altitudes. Pela primeira vez, uma expedição ao Everest usará oficialmente o gás xenônio como parte essencial da aclimatação de seus participantes. A iniciativa é liderada pelo guia austríaco Lukas Furtenbach, figura conhecida por desafiar os limites técnicos e éticos da escalada mais alta do planeta.

Everest ao Pôr do Sol. Foto: Ryszard Pawłowski / Wikimédia Commons

Furtenbach, que desde 2014 dirige a empresa Furtenbach Adventures, vai liderar quatro clientes britânicos numa escalada radical: chegar ao cume do Everest em apenas sete dias, entre sair e retornar para casa. Esse tempo é um terço das expedições mais rápidas atualmente disponíveis. E muito distante da tradicional expedição de escalada ao Everest que dura de seis a oito semanas.

Um tratamento prévio com gás xenônio, administrado em um hospital na Alemanha é o segredo para essa rapidez toda. Os clientes inalariam o gás inodoro por cerca de 30 minutos, em um processo que promete estimular a produção de eritropoietina (EPO), aumentando a capacidade do sangue de transportar oxigênio e protegendo órgãos vitais dos efeitos extremos da altitude.

“Estamos fazendo isso principalmente por segurança, como uma forma de prevenir o mal da altitude. Não se trata de melhoria de desempenho”, defende Furtenbach.

A promessa é ousada: menos tempo na montanha, menos exposição ao risco, e uma subida tecnicamente mais segura — tudo isso por US$ 153 mil. Os clientes ainda passam oito semanas dormindo em tendas hipóxicas (com menos oxigênio disponível) antes da viagem e seguem um programa rigoroso de aclimatação artificial. Para Furtenbach, o xenônio é apenas mais uma peça em um sofisticado quebra-cabeça tecnológico.

A divisão da comunidade de montanhismo

O anúncio da expedição, feito em janeiro, provocou alvoroço imediato. A Federação Internacional de Escalada e Montanhismo condenou a prática, levantando dúvidas sobre a eficácia e a ética do método. O gás está, inclusive, na lista de substâncias proibidas pela Agência Mundial Antidoping (WADA), embora essa regulamentação não se aplique diretamente ao montanhismo.

::LEIA TAMBÉM: UIAA alerta sobre os perigos do uso de Gás Xenônio na “aclimatação artificial

Passagem por greta utilizando escadas de alumínio no Everest. Foto: Equipo Militar de Montaña Chile

Críticos como os guias Guy Cotter, Kenton Cool e Garrett Madison veem a proposta como uma distorção da experiência genuína no Everest. “Por que toda essa pressa?”, questionou Cotter. Já Madison argumentou que a escalada tradicional proporciona uma jornada espiritual e cultural, que seria sacrificada em nome da velocidade.

Do outro lado,  e surpreendentemente, Reinhold Messner, o primeiro homem a escalar o Everest sem oxigênio suplementar, apoiou a inovação. “Acho brilhante da parte de Furtenbach ter percebido o que o xenônio pode fazer pelo montanhismo de alta altitude. Eu o parabenizo pelo sucesso”, disse ele ao jornal Der Standard.

Ciência em debate

Apesar do entusiasmo de Furtenbach, a ciência ainda caminha a passos lentos. Estudos em humanos são limitados e inconclusivos. Embora experimentos tenham mostrado aumento de EPO e plasma sanguíneo após a inalação de xenônio, não há consenso sobre um ganho efetivo no desempenho atlético.

Críticos também destacam que os estudos mais otimistas foram feitos com animais, e ainda não se comprovou a eficácia do xenônio na prevenção de doenças como o edema pulmonar ou cerebral de alta altitude em humanos. Mas Furtenbach não tem dúvidas: ele próprio testou o gás em múltiplas subidas — incluindo ao Everest — e afirma que seus resultados fisiológicos são comparáveis aos de quem passou semanas se aclimatando na montanha.

O futuro do Everest: inovação ou atalho?

Para alguns, a investida de Furtenbach representa apenas o próximo passo lógico na transformação do Everest em um destino turístico de elite. Com empresas nepalesas oferecendo subidas a partir de US$ 40 mil e levando dezenas de clientes por ano ao cume, guias ocidentais vêm buscando diferenciais para atrair um público mais exclusivo — e com menos tempo disponível.

Furtenbach já esteve no Everest diversas vezes. Foto: @lukasfurtenbach

A ascensão de uma semana talvez nunca se torne popular, admite o próprio Furtenbach, devido aos altos custos e à preparação complexa. Mas ela pode muito bem abrir caminho para uma nova era no Himalaia, onde tecnologia e performance suplantam a experiência e a introspecção.

“Todos devem ser livres para escolher o estilo e a duração de sua expedição”, defende o austríaco. “Desde que ninguém mais seja prejudicado ou colocado em perigo.”

Enquanto a temporada de 2025 avança, uma coisa parece certa: por bem ou por mal, o uso do xenônio no Everest deixou de ser uma ideia futurista para se tornar uma realidade.

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Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

1 comentário

  1. Alberto Ortenblad em

    Que coisa louca! Ganhar tempo quando, pelo que li, os participantes passam previamente oito semanas em tendas especiais de aclimatação. Então, bastará uma semana para a escalada. Tenho duas perguntas. Vale a pena trocar aventura por sono? E, se há tanta pressa, que tal chegar ao cume de helicóptero – e descer de asa delta? Alberto.

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