A Amazônia, o preservacionismo e o Velho índio Tupinambá

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Recentemente estive viajando pela Amazônia, que é um rincão do planeta muito especial. Escrevo aqui nestas linhas algumas impressões desta região e sem me esquecer dos reais problema que sempre preocupam as pessoas, faço uma comparação entre os destruidores da Floresta e um diálogo entre um europeu e um índio tupinambá no século XVI.

Sem romantismo, preciso antes de tudo, romper alguns paradigmas modernos que existem para concluir meus pensamentos e impressões sobre a região Amazônica.

A Amazônia é um lugar na terra que desperta alguns sentimentos românticos nas pessoas. É uma grande área florestal, onde de certa forma, ainda está preservada as paisagens originais. O clima é quente e agradável, há sempre por perto a sombra das árvores, a água dos rios com praias. A natureza é exuberante e farta e isso refletem na abundância de recursos minerais, vegetais e faunísticos. Porém, há uma certa visão de natureza intocada que não condiz com a realidade baseado sobretudo no ideal de “paraíso”, ou “selvagem” (wilderness pros mais chegados!) da cultura ocidental.

A região amazônica foi uma das primeiras a ser colonizadas pelo homem branco e antes disso, era a região mais populosa e povoada da América pré colombiana. A razão disso é a própria abundância citada acima, que transformava a vida na floresta muito mais fácil que, por exemplo, na fria e seca cordilheira dos Andes, onde os homens tiveram que mudar a natureza para poder viver.

O espanhol Vicente Pinzon foi o primeiro europeu a percorrer o Amazonas e em 1500 ele descreveu que na região havia tantos índios que se uma agulha caísse do céu, iria primeiramente chegar à cabeça de um índio antes de tocar ao solo. A matança, principalmente por causas biológicas, da população nativa, nos dá hoje em dia uma impressão contrária da realidade e no mito ocidental a Amazônia permanece como uma fronteira da civilização humana.

É verdade que na região não há muitas cidades grandes, porém, nos 720 Km que percorri entre Manaus até Santarém não existe nas margens do grande rio áreas intocadas, pelo contrário, o que vi foram fazendas e vilarejos se alternando e mesmo que disperso, o vale inteiro é povado.

Navegando pelo Amazonas

Chegando em Santarém, que é uma cidade de origem portuguesa, eu tive a esperança de enfim conhecer um pouco daquela Amazônia típica que eu via nos livros. Penetrei pelo interior, mas não achei floresta, vi apenas uma BR 153 com muitas fazendas, gado e soja.

Subindo o Tapajós, decidi conhecer esta tal Amazônia e vi na possibilidade de visitar uma Unidade de Conservação este desejo.

Estive na Floresta Nacional do Tapajós, mas não achei nada de selvagem. Esta UC, que ainda bem, recebe o status de Floresta adequadamente, permite a habitação de populações tradicionais no meio natural, diga-se de passagem, bastante alterado, embora mantenha toda a fisionomia da floresta original

A população da comunidade de Jamaraquá vive da natureza há muito tempo. Eles tem roça de mandioca, fazem seus barcos da madeira da mata, de onde também retiram seus remédios e o látex da Seringueira, que foi plantada dentro da Floresta, rompendo com a ideia de selvagem do visitante desavisado.

Floresta de Tapajós

Quem vive na Floresta do Tapajós não é índio, pois estes já se foram há mais de 100 anos. A visão romântica do europeu não existe, pelo menos ali. Dos índios, a população ribeirinha herdou muitos hábitos. Eles caçam, eles queimam a floresta para fazer roçado, eles matam os animais que são perigosos a eles e vivem do extrativismo tanto animal quanto vegetal. Quem tem uma visão do “bom selvagem”, que é uma visão urbana ocidental, iria facilmente se decepcionar com as atitudes dos ribeirinhos e também dos índios. Porém, sendo um pouco mais racionais e menos infantis, perceberiam que mesmo assim, estas práticas não deixam de ser sustentáveis.

Engraçado estes conceitos: Sustentabilidade, Conservacionismo, Preservacionismo, Selvagem. Conceitos que foram feitos pelo homem urbano, o homem que de fato vive no meio insustentável reproduzindo a cultura da acumulação. Engraçado quem inventou estes conceitos ter inventado as Unidades de Conservação e julgar a cultura de quem está aqui antes nós e de nossos conceitos, pois mesmo matando, queimando e alterando a natureza, a cultura não urbana ocidental soube manter os ecossistemas amazônicos equilibrados e justamente quando entra em ação os “civilizados”, temos que lutar para que a floresta se mantenha em pé.

Onde está o equilíbrio de Manaus? Com suas ruas absurdamente quentes que nos fazer depender de ar condicionado. Não passei calor em Jamaraquá, nas casa de teto de palha e no meio da floresta, mas o vilão é caboclo que caça, que desmata e que ainda pega Jacaré!

O Velho Tupinambá

Isso me faz lembrar dos relatos de Jean de Lery e do Velho Tupinambá que li num artigo de José Augusto Pádua, sobre história ambiental no site O eco, cujos trechos reproduzi abaixo.

Lery foi um explorador francês que veio ao Brasil no século XVI com a intenção de fundar uma colônia francesa no Rio de Janeiro. Ele escreve o livro “Viagem à Terra do Brasil” em 1578, onde descreve a natureza e os costumes dos índios.

O ápice do livro, nas palavras do autor, é um choque entre a cultura mercantilista de Lery com a cultura do selvagem, que questiona, com grande simplicidade, a filosofia dos europeus, produzindo situações desconcertantes. O diálogo começa com uma simples pergunta:

_ Por que vindes vós outros, franceses e portugueses, buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra?

Lery responde que certamente tinham madeiras, mas não daquela qualidade, já que as usavam para fazer tinta e não para queimar. O velho Tupinambá retruca:

_ E porventura precisais muito?

Naquela época, já estava instalado em nosso país a economia extrativista do Pau Brasil e os europeus, realizando escambo com os índios, pediam aos “selvagens” que cortassem a árvore de maneira regular e sistemática de modo que quando os barcos chegassem, já houvesse um grande estoque para ser embarcado com rapidez. Certamente, estes grandes estoques de madeira representavam algo exótico no contexto cultura dos indígenas, baseada no consumo imediato daquilo que é produzido. Tal excentricidade econômica por parte dos brancos, era tolerada na expectativa de trocar aquele monte de madeira por instrumentos de ferro, estes sim altamente valorizados pelos nativos por sua novidade e eficácia.

Lery explica ao Velho índio que em sua terra existiam homens que comercializavam muitos bens do que os índios podiam imaginar, e que “um só deles compra todo o pau Brasil que muitos navios podiam carregar”. Tal discurso surpreende o velho tupinambá que responde com duas perguntas ainda mais desconcertantes:

_ Esse homem, tão rico de que me falas, não morre? Quando morrem, para quem fica o que deixam?

Lery é obrigado a explicar que os comerciantes deixam seus bens para os filhos ou para parentes próximos e o velho, não suportando escutar noticias de um comportamento tão estranho e exótico, responde com irritação:

_ Vejo que vós outros franceses sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais para amontoar riquezas para vossos filhos e para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutris suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos, mas estamos certos de que depois de nossa morte a terra que nos nutriu também nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.

O encontro de Lery com o velho tupinambá mostrou o conflito ainda existente entre duas culturas que hoje sabemos que se chamam “cultura de subsistência” e “cultura de acumulação”. O velho índio, sem saber, estava pondo em questionamento a gênese daquilo que se tornou tão normal aos nossos olhos modernos: a acumulação capitalista, a constituição de mercados com cada vez maior dimensão, a formação de empresas cada vez mais impessoais, o uso de recursos da terra para muito além da satisfação imediata das necessidades humanas.

Temos muito que aprender com o passado, mas evitar acontecer com a Amazônia aquilo que aconteceu com a Mata Atlântica do velho Tupinambá é muito difícil se não mudarmos a mentalidade humana, que se mantém como era no mercantilismo da época de Jean de Lery.

De nada adianta existir parques, onde os conflitos ficam ainda mais expostos com as administrações preservacionistas, assim como a hipocrisia da sociedade deste contexto que chamamos de urbano ocidental que vê os parques apenas como compensação aos estragos da economia sobre a natureza, criando ilhas de proteção de natureza artificiais, proibidos, onde pessoas como o índio tupinambá não poderiam mais viver com suas formas tradicionais e nem mesmo pessoas urbanas com ligações mais diretas com o meio ambiente e que sequer usam os recursos naturais para satisfazer as necessidades diretas, apenas para se equilibrar com aventura e liberdade, percorrendo trilhas e caminhos e somente circulando entre a natureza, como nós montanhistas. Afinal, quem são os vilões do meio ambiente? Pense nisso.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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